Terapia de Risco
(Side Effects, 2012)
Drama/Thriller - 106 min.
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Scott Z. Burns
com: Rooney Mara, Jude Law, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum
Steven Soderbergh construiu uma carreira que não fora
irretocável em função de sua melhor característica: ser prolifico, camaleônico,
adaptável a qualquer roteiro. A única similaridade em temática de seus filmes
foi a maneira artesanal como explorava os interessantes temas abordados em tela. Na prometida
despedida dos longas para o cinema, aqui em Terapia de Risco, o diretor se
aventura pelo mesmo olhar protocolar e técnico de Contágio, aproveitando o giro
pela indústria farmacêutica para brincar com as expectativas do espectador
acerca dos personagens, que se alternam na posição de protagonistas para dar
diversos pontos de vista, nem sempre confiáveis, sobre a mesma trama de
conspiração.
O filme parte da depressão de Emily (Mara) após a saída de
seu marido Martin (Tatum) da prisão. No tratamento, o doutor Jonathan (Law)
receita um medicamento antidepressivo experimental, o que acaba por causar
efeitos colaterais na mulher, tomando dimensões trágicas a medida do passar do
tempo.
De início, a depressão de Emily é retratada com precisão.
Diversos efeitos da tristeza patológica são realçados pela montagem elíptica
que Soderbergh realiza, criando uma atmosfera que soa como um fluxo de
consciência, uma suspensão de tempo na vida dos personagens, como se tudo se
movesse de forma contínua, sem controle algum por parte dos habitantes daquele
universo. Além disso, o diretor concebe ângulos inusitados para ressaltar a
solidão que a depressão causa na personagem de Mara, pontualmente nos cantos do
quadro, se aliando aos enquadramentos rígidos já vistos em Contágio para
ilustrar o desespero gradativo da mulher. A profundidade de campo reduzida e a
iluminação natural, características da câmera-padrão de Soderbergh, a RED One,
auxiliam a sensação de pesadelo vívido que Terapia de Risco causa no
espectador. A paleta dessaturada, calcada em diversos tons de cinza, parece
drenar qualquer sinal de esperança no tempo presente do filme, o que
potencializa o drama vivido por Emily.
Esse flerte com o filme-delírio (ritmo de fluxo de
consciência, a ótima trilha fantasmagórica de Thomas Newman, o retrato
inexpressivo de Mara diante da depressão) só faz a tensão crescer, plantando
pistas a todo o momento da possível inconfiabilidade da narração da
protagonista Emily, talvez uma vítima dos efeitos colaterais do título
original. A gradativa construção de uma realidade distorcida, como no brilhante
enquadramento que deforma o rosto de Rooney Mara, só é mais explicitada pela
feliz iluminação que Soderbergh filma os flashbacks do casal, o que contrasta
com o implacável presente, mediado por luzes fluorescentes, reflexos de uma
depressão e nomenclaturas diferentes para remédios sufocantes.
No segundo ato, no entanto, o foco sai de Emily para
Jonathan Banks, vivido com a competência habitual de Jude Law. A abordagem mais
racional, ainda que mantenha os tons frios que permeiam toda a realidade do
filme, cria uma nova dimensão para os acontecimentos. Afetando o trabalho do
doutor Jonathan, a situação de Emily começa a ser estudada de fora do fluxo de
delírio da narradora anterior. Ao incitar uma nova discussão sobre o teor dos
remédios, a pretensão de filme-denúncia e registro protocolar médico de Terapia
de Risco se transforma num suspense tipicamente Hitchcockiano, onde as atuações
irretocáveis de Law e da, cada vez melhor, Rooney Mara, exalam uma preocupação
gradativa que só se resolverá com uma virada no plot.
Sem entrar em muitos detalhes que possam estragar a
experiência do filme, vale falar que é possível constatar algumas falhas na
construção desse plot twist, que surge intimidador, mas desenvolvendo pouco a
relação entre os envolvidos nele. Porém, nessa segunda metade, a paranoia gradativa
pairando sobre Emily e Jonathan só aumenta a gravidade da intrincada
experiência dos remédios experimentados pela paciente. Ao corretamente se focar
na busca pelo destrinchar do quebra-cabeças, sem apelar desnecessariamente para
um possível dilema moral de certo personagem, Terapia de Risco é muito bem
sucedido na criação de uma atmosfera que oscila entre o delírio e a paranoia
para quebrar expectativas que o espectador atento certamente fará. É diferente
de um longa como o recente Em Transe, que investe em reviravoltas para
complicar um simples exercício de gênero, tentando esconder sua falta de
conteúdo. Aqui, o roteirista Scott Z. Burns aposta nas pistas falsas filmadas
por Soderbergh para absorver o caráter dúbio do narrador em foco, o que só causa
mais desespero. É um bem-vindo filme onde não é previsível o rumo que tomará
tanta paranoia.
Mesmo que não conte com um encerramento surpreendente, tendo
problemas na coordenação dos flashbacks e dos didáticos minutos finais, Terapia
de Risco se mostra competente ao frustrar intencionalmente, criando um poderoso
sentimento de desolação no espectador que esperava um delírio facilmente
previsível como em um Ilha
do Medo, por exemplo. É uma bela despedida para Soderbergh, caso se consuma, e
um exercício muito bem executado na tradição dos antigos thrillers. Filmes do
estilo costumam omitir informações para contar uma revelação bombástica em seu
final; Side Effects se diferencia justamente por oferecer um novo olhar,
revelador, sobre o que já havia sido estabelecido.
Terapia de Risco se beneficia por entender que todo bom
filme de delírio precisa, anteriormente, ter um bom desenvolvimento e
conhecimento de paranoia.
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