sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

127 Horas
(127 Hours, 2010)
Drama/Thriller - 94 min.

Direção: Danny Boyle
Roteiro: Danny Boyle e Simon Beaufoy

Com: James Franco

Iniciando com uma edição ágil e uma trilha animada, os créditos iniciais de 127 Horas dão o tom da vida acelerada do alpinista Aron Ralston (James Franco). O título do filme, porém, só aparece na tela - em um fotograma belíssimo - alguns minutos depois, quando o nosso vigoroso protagonista cai de repente numa fenda estreita do Canyon que escalava. Chocado, Aron fica alguns segundos suspenso, sem acreditar no que acabou de acontecer . É possível enxergar na sua face os primeiros sentimentos de pânico em decorrência da situação unusual na qual acabara de entrar. E aqueles são apenas os primeiros segundos dos longos cinco dias e 7 horas que o alpinista teve de suportar com uma rocha imprensando seu braço contra a parede do canyon.



E dois anos depois de ser consagrado vencendo o Oscar pelo bom, porém hiper-valorizado Slumdog Millionaire, o diretor inglês Danny Boyle vem agora realizar o seu melhor trabalho nos últimos anos, contando exatamente a história verídica e espetacular de Aron Ralston, o alpinista que passou às 127 horas do título com o braço direito esmagado na fatídica rocha, em uma fenda do Blue John Canyon em Utah, Estados Unidos.

Na trama desenhada no filme, dá-se a entender que Aron, de certo modo, estruturou tudo o que fosse possível para que não fosse resgatado - Não retornava as ligações da mãe há dias, não mantinha mais contato com a ex-namorada Rana (Cleménce Poésy), e, principalmente, não tinha avisado pra ninguém aonde tinha ido. O último contato com seres humanos antes do acidente tinha sido com duas turistas, Kristi (Kate Mara) e Megan (Amber Tamblym), as quais ele tinha guiado por um tempo no passeio. Mas, como pode ser visto no próprio trailer, elas não conseguiram ouvir aos chamados desesperados de Aron. Ele estava sozinho, sem muito que fazer.




E o roteiro de 127 horas aproveita muito bem todo o potencial que a história real impressionante dispunha. Com uns braços amassados, presos, e uma rocha grande e pesada limitando seus movimentos, era muito fácil para Aron enveredar pelo caminho do desespero. ''Do not loose it, Aron '', entretanto, o aventureiro diz. Era preciso manter a paciência para seguir com chances de vida, e entrar em pânico não ajudaria em nada. Com esforço, ele passa por maus bocados - enfrenta a dor, as alucinações, a escassez de água e comida, culminando em ter que beber a própria urina - até ter o ímpeto de amputar o próprio braço com as ferramentas que possuía no momento. Como peça de ilustração de um fato real, o novo longa de Danny Boyle é excepcional. Utiliza sua trilha para temperar a tensão com certa ironia, mas também para pontuá-la em momentos de dor lancinante - como na inconfortável cena em que Aron corta o nervo de seu braço, cena, aliás, que fez pessoas passarem mal em festivais ao redor do mundo. Uma retratação muito talentosa e eficiente da jornada de superação do alpinista.

E talvez ''superação'' seja o adjetivo mais óbvio para 127 Horas. Realmente, a superação física é visível, mas não é só nisso que o termo se baseia. Superação do modo de agir, das concepções que Aron possuía antes de ficar preso por mais de cinco dias numa fenda. Fica muito claro no momento em que ele declara que aquela rocha estava esperando por ele desde que nasceu. Era o ponto de mudança que ele precisava passar, o aprendizado que necessitava adquirir.




E esse aprendizado tem as formas muito bem definidas pelas fases que o filme apresenta. No início, a agitada e divertida vida de Aron, e no decorrer do tempo após o acidente, às considerações dele sobre tudo que não chegaria a viver se aquele canyon fosse o último capítulo de sua vida. E nessa divisão de fases, Boyle se molda muito bem em todas elas. Consegue colocar uma direção com ar de videoclipe - que ganha mais força com a montagem rápida - no início, e lidar com o drama seguinte de maneira competente, arrancando imagens belíssimas do ambiente no qual a produção se passa.

Mas, de fato, seria impossível falar de 127 Horas sem citar com veemência o nome de James Franco. Ele é o fator essencial que torna o filme de Boyle acima da média. Toda a emoção passada por Franco é real, assustadoramente tridimensional e penetrante. Nos sentimos tocados de maneira muito especial pela performance do jovem ator. Sua interpretação é singular desde sua postura corporal, passando por seu olhar enfraquecido, chegando ao clímax nas partes em que encarna a dor que o alpinista passou na vida real. Uma verdadeira amostra de talento que a nova geração de atores possui. Ótimo, merece todas as indicações que vier a receber.


Numa avaliação geral, podemos constatar que 127 Horas é uma brilhante trama baseada em fatos, transportada para as telas de cinema com muito esmero. E vale também para termos uma percepção mais elevada sobre a própria carreira de Danny Boyle. Ele veio de um filme - Slumdog - que da vida como um conto poético, onde o destino se encarrega de dar o rumo a seus personagens. Então deve ser de muito valor dirigir agora um filme onde um personagem sozinho tenha que mudar, pela força de vontade de sobreviver, o próprio destino - e aprender com isso uma lição necessária.
Depois de muitos meses sem escrever, mudar de mestrado e cruzar o Atlântico duas vezes, finalmente me instalei  em um novo país e resolvi fazer um novo post pelo simples motivo de que nas últimas semanas assisti a coisas sensacionais! Estamos em plena “red carpet season” e é nessa época que os estúdios lançam os filmes que consideram ser seus golden tickets para levar algumas estatuetas. Bom para os fãs de cinema, que podem se deliciar com coisas bem bacanas em tela. Os indicados ao Oscar foram anunciados sem grandes surpresas ontem e, coincidentemente no mesmo dia tive o privilégio de ver uma palestra com Simon Beaufoy, o roteirista de “Ou Tudo ou Nada”, “Quem Quer Ser Um Milionário” e do filme sobre qual escrevo hoje, “127 Hours”. Beaufoy  viu na tarde do mesmo dia seu nome ser anunciado como um dos candidatos a levar o prêmio de melhor roteiro original.
“127 Hours”, é uma obra bem difícil de enquadrar como um gênero específico. O filme é baseado no livro “Between a Rock and a Hard Place”, do americano Aaron Ralston que relata a história real da qual foi protagonista: durante uma caminhada por um parque nacional desértico em Utah, nos EUA,  Aaron sofreu um acidente e acabou tendo a mão prensada por uma rocha, tendo ficado por mais de 5 dias preso dentro de um cânion, isolado. Não é spoiler contar que ele conseguiu escapar, já que a história é de fato real e foi contada em detalhes pelo próprio Aaron, mas vale fazer suspense sobrecomo ele o faz; a que sacrifícios tem que se submeter para salvar a própria a vida.


O filme é o aguardado projeto seguinte de Danny Boyle, diretor inglês superpremiado pelo overrated “Quem Quer Ser Um Milionário”, que levou os grandes prêmios no Oscar em 2009. Boyle é claramente um diretor indie e usou o status e influência que o Oscar lhe trouxe para conseguir viabilizar este projeto, um filme que dificilmente se enquadraria nos planos de algum grande estúdio, entre outros, por um grande motivo: seu protagonista passa praticamente o filme todo sozinho em cena, contracenando consigo mesmo.
Boyle tem soluções interessantes para burlar o isolamento de Aaron na trama. Ele está fisicamente sozinho, sim, mas mergulhamos a todo instante na mente do personagem. Ecoam lembranças, memórias e até projeções de quem ele foi, é e, se conseguir sair daquela situação, deseja ser. O diretor usa todos os truques frenético-visuais que aprendeu com seus filmes anteriores (“Trainspoting”, “A  Praia” e “Slamdog” gritam na tela!) como artífico para ilustrar o exagerado espírito aventureiro do jovem. Os primeiros 20 minutos de filme são como um grande especial de esportes radicais de algum canal de TV a cabo: split screens, slow e fast motion usados aos montes, câmeras frenéticas e muita adrenalina. Passada essa etapa e instalado o grande conflito do filme, Boyle passa a usar seus truques para invadir a mente do protagonista e ilustrar em tela o processo de amadurecimento psíquico e espiritual que o permitiram sobreviver àquela situação.

É prazeroso assistir. As coisas estão no lugar certo e a  eficiente fotografia de Enrique Chediak e Anthony Dod Mantle funciona. Mas sente-se a presença de Boyle  um pouco demais. Não que as pirotequinias dele não sejam eficazes; são. Mas fica a  incômoda sensação de mais do mesmo. Já vimos muitos dos artifícios empregados nos outros trabalhos do diretor e a coisa acaba soando como se ele estivesse no automático. O filme tem, no entanto, um grande trunfo: James Franco. 


O longa é nitidamente de Franco. Construir uma narrativa que se apóia integralmente em seu protagonista não é fácil e Boyle teve sensibilidade apurada ao escolher seu Aaron e confiar plenamente nele para levar a história. Franco imprime em tela o arco dramático de seu personagem com muita competência e carrega uma ironia, um senso de humor absolutamente necessários para compor este personagem. A trajetória de Aaron é, na verdade, seu amadurecimento. Passa de um jovem arrogantemente inconsequente, a um homem que valoriza as coisas que tem ao seu redor e que busca forças para conquistar as coisas que ainda não tem. James Franco se diverte como o Aaron inicial, aquele que é o “dono do mundo”, o jovem confiante o suficiente para embarcar nesta viagem sozinho.  A cena em que entrevista a si mesmo, como se estivesse em um programa de auditório, falando para uma câmera portátil que carrega é genial – é neste momento que revela para a platéia que não contou a ninguém onde estava indo e revela a si mesmo que aquilo muito provavelmente vai lhe custar a sua vida. 

É verdade que Danny Boyle (re)utiliza vários dos elementos que já nos mostrou em seus filmes anteriores e que isso pessoalmente me distanciou do filme. Mas é preciso dar o braço a torcer e dizer que esses artifícios de fato funcionam em tela. O filme não se torna monótono em nenhum momento e o diretor consegue imprimir bastante aflição à trama, em especial na aguardada (e ao mesmo tempo supertemida) cena do auto-sacrifício a que Aaron tem que se submeter para escapar daquela situação. Em tempos de inacabáveis “Jogos Mortais”, que extrapolam o uso da violência gráfica e nos dão uma perversa aula de anatomia humana, Boyle nos entrega uma sequência brilhante; explícita na medida certa. Vemos o mínimo e o máximo necessário da carnificina e o resto é trabalho da montagem precisa de Jon Harris, do trabalho de som e da interpretação impecável de James Franco.  Difícil não levar às mãos ao rosto ou fincar os dedos na poltrona do cinema.

Franco foi indicado ao prêmio de melhor ator e Danny Boyle correu por fora: não levou indicação de melhor diretor, mas assina o roteiro com Beaufoy e por isso pode levar outro Oscar para casa. Acho bem difícil que o filme ganhe o prêmio de melhor filme, pois briga com produções de peso (sobre as quais vou tentar escrever nos próximos dias). Fica aqui o meu desejo de que Danny Boyle explore outras linguagens em seus próximos filmes. Não há duvidas que é um diretor muito competente e seria bem interessante vê-lo explorar novas maneiras de contar suas histórias.

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