sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei
(The King's Speech, 2010)
Drama - 118 min.


Direção: Tom Hooper
Roteiro: David Seidler

Com: Colin Firth, Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter

Há de modo geral, muitas maneiras de se contar histórias no ramo cinematográfico. Existem vários estilos, desde os filmes de festival - que vão contra as regras fundamentais aceitas pela maioria do público médio - até os blockbusters mais previsíveis e batidos. A verdade é que nesta última década, tivemos muitos cineastas rebuscando sua didática narrativa e fazendo filmes com originalidade digna de se tornarem clássicos. São novas maneiras de se fazer filmes, métodos inovadores, e só pra ilustrar, podemos citar exemplos recentes como A Rede Social e Scott Pilgrim, que têm como seus destaques, o roteiro e a montagem, respectivamente. Sendo o filme de David Fincher o mais agraciado pela crítica geral, seria muito gratificante ver A Rede Social ser coroado como o melhor filme de 2010 no Oscar. Seria um passo a frente, uma verdadeira evolução, aceitação do novo. Mas na disputa da Academia desse ano temos um embate fortíssimo de duas realidades - o inovador X o conservador.

E o conceito de conservador se encaixa muito bem para o filme inglês aclamado internacionalmente, O Discurso do Rei, que se enquadra neste ''rótulo'' por justamente estar no estilo de narrativa que possui características clássicas, com certa dose de previsibilidade e um quê de esquematização. Não dá pra culpar, porém, de maneira nenhuma, quem realiza o filme. Apesar de ser uma trama baseada em fatos, era inevitável que o longa de Tom Hooper acabasse contendo diversos conceitos clássicos, dignos de filmes conservadores, que justamente recebem esse adjetivo por conservarem certas qualidades já visitadas em filmes anteriores. Contudo, por mais que O Discurso do Rei tenha uma mensagem um tanto quanto ultrapassada, ela é anos-luz de um filme dispensável. É um longa estruturalmente atrasado, mas traduzido em tela com real genialidade . Uma história redonda e básica, mas que tem na sua equipe - brilhante, no mínimo - o agente qualificador.


A trama, como poderão ver, tem certo tom esquemático a princípio. O Duque de York, Bertie (Colin Firth), segundo filho do Rei da Inglaterra George V (Michael Gambom), é um príncipe com um problema fatal na sua carreira. Sofre de gagueira, o que complica muito sua atividade freqüente fazer discursos dos mais variados. Para tentar curar seu distúrbio, sua mulher Elizabeth (Helena Bohan Carter) recorre a um terapeuta da fala muito bem-sucedido, Lionel Logue (Geoffrey Rush). Com um aprofundamento no problema psicológico que causa a gagueira do príncipe, Logue precisa ajudar Bertie na sua hora mais escura - A Inglaterra na eminência da II Guerra, e o fardo de ter que assumir o trono abdicado por seu irmão (Guy Pearce) após a morte do pai.


De fato, a interface estrutural do roteiro de David Seidler é um tanto quanto clássica, desenhando uma história de superação á moda antiga, que já vimos tantas e tantas vezes. Tal tipo de trama já está no nosso inconsciente, e já partimos, portanto, de um ponto conhecido quando nos referimos a Discurso. Invariavelmente, também chegaremos ao mesmo destino conhecido, já que a própria sinopse já revela boa parte do conteúdo do longa . É esse ar de esquematização e de previsibilidade que pode tirar alguma força em relação à relevância do filme no contexto do cinema atual. Mas não tira, de forma nenhuma, a força que O Discurso do Rei possui de forma isolada, sem adentrar no mérito de comparação com outros longas candidatos a prêmios. Isso ocorre por que, mesmo que o seu conteúdo soe familiar, a sua forma, ou seja, sua condução, combinada com suas atuações, é muito acima da média.



Há vários pontos que servem para enaltecer a força que consiste na condução do roteiro. O tratamento muito cauteloso com cada um de seus personagens é talvez o mais clichê dos comentários sobre o filme, mas é a mais pura verdade que precisa ser mencionada. Um desenvolvimento humanista, que tem uma sensibilidade muito particular. Além disso, há momentos presentes em Discurso que geram um baque inevitável. É a boa colocação de uma imagem que substitui qualquer palavra gaguejada por Bertie, como no momento em que o personagem de Firth absorve os vídeos de Hitler esbravejando como líder e orador inquestionável, enquanto ele mesmo mal pode ler um texto para seus súditos. Não por acaso, Discurso do Rei utiliza esses momentos tão bem. Na melhor tradição do cinema clássico, á moda antiga, o que importa na película são as emoções transportadas para a tela, através de atuações verdadeiras, sendo a importância da trama estrutural visivelmente diminuída. Talvez então o grande trunfo do novo filme de Tom Hooper seja ao se portar como conservador, absorver essa experiência por completo, possuindo alguns de seus problemas, mas principalmente, suas qualidades.

E se o roteiro tem na sua condução uma ou outra cena já batida, ela se diferencia pela câmera estilizada do competente Tom Hooper. Um momento claro onde a câmera de Hooper fez a diferença é na seqüência típica de ''treinamento'‘, que é inerente a vários filmes de superação. Aqui, o cineasta utiliza cortes rápidos para dar a sensação de elipse temporal. Funciona para não deixar a cena cair no lugar comum. Além de funcionar nesses momentos, Hooper também consegue impor takes de estética elevada. O jeito de jogar a câmera para trás em determinados closes só engrandece as feições dos atores, refletindo conseqüentemente no engrandecimento de seus personagens.



Personagens esses, que já seriam grandes o suficiente se dependessem exclusivamente do desempenho sublime do belíssimo elenco de Discurso do Rei. Verdadeiramente, este longa tem um dos melhores castings de 2010 - um ano que teve excepcionalmente castings muito bons como True Grit, Black Swan, Rede Social, etc - se não for o melhor. Aqui, temos uma entrega completa por parte de todos os atores. Colin Firth, é o que mais se destaca, tendo uma interpretação completa, muito diferente do que já fez em outros filmes. O jeito anêmico de atuar de Mr. Darcy, de Bridget Jones, dá lugar a uma transformação assustadoramente competente. Firth reafirma aqui que é um ator eficientíssimo, se pegar um papel decente. Em determinado momento, a imersão no papel é tanta, que Firth simplesmente se transfigura, no nosso olhar, por alguns instantes. Desaparece no papel, literalmente, e incorpora todo o personagem. Perfeito. Geoffrey Rush também atua com grandeza e tridimensionalidade invejáveis. Helena Bohan Carter está perfeita no papel, nos deixando quase acostumados com sua competência habitual. Atuações sensacionais, que reforçam a ideologia de cinema a moda antiga (atores são o centro) abraçada pelo filme.

Por essas e por outras, é estreito enxergar em O Discurso do Rei um novo Shakespeare Apaixonado. Apesar de a comparação ser tentadora para alguns, é exacerbadamente superficial. Primeiro por que há um abismo de qualidade que separa os dois filmes. Segundo por que apesar de Shakespeare Apaixonado ser um filme esquematizado, é um exemplar hiper-valorizado, seja pela sua direção, atuações ou seu roteiro. Discurso, pelo contrário, não é um longa supervalorizado. Tem a apreciação que merece, e merece muito. Um filme gago em sua premissa, mas que com a atuação de uma equipe eficiente conseguem fazer um belo discurso em nome do cinema á moda antiga.



Resta avisar a Academia, de que filmes no estilo deste, são oscarizados desde sempre. Premia-lo ao lugar do que é inovador, por mais qualidades que este tenha, é um sinal de estagnação.

Um comentário:

  1. entao,nao consigo achar esse filme excelente como todo mundo acha, pra mim é apesar muito bom e só

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