sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Não Me Abandone Jamais
(Never Let Me Go, 2010)
Sci Fi/Romance/Drama - 103 min.

Direção: Mark Romanek
Roteiro: Alex Garland

Com: Carey Mulligan, Keira Knightley, Andrew Garfield, Charlotte Rampling, Sally Hawkins, Izzy Meikle-Small, Charlie Rowe e Ella Purnell


Essa pequena surpresa dirigida por Mark Romanek é um misto de ficção científica, romance e melodrama e é daqueles filmes que quanto menos "preparado" o espectador estiver mais aproveita. O grande precidado do filme e responsável por causar ótima impressão é o roteiro de Alex Garland, baseado em mais um livro melancólico e emocionante de Kazuo Ishiguro (que também escreveu o livro que deu origem ao filme Vestígios do Dia).


A melancolia e a sensação de passividade que o espectador tem ao acompanhar a ruína predeterminada de seus protagonistas é um desafio para os mais sensíveis, já que o filme reforça essa sensação a cada nova cena.


Romanek tem um belo roteiro em mãos e não faz concessões a obviedade para explicar diretamente o que seus personagens sofrem ou irão sofrer no decorrer da história. Ele joga seu filme em uma bruma de mistério que aos poucos o público vai decifrando. Observem a cena em que o mercado local trás uma série de produtos de segunda mão. Após o término do filme, reveja essa cena e perceberá a mesma ação com outro olhar, agora já ciente do desenrolar da história. É um exemplo dessa idéia de apresentar o filme quase como uma obra literária, em que para descobrir os significados da história, é necessário ler a próxima página, (incomum de ser nas telas hoje em dia) em uma época em que tudo vem muito mastigado e entregue ao espectador. Never Let me Go não é indecifrável como possam ter sugerido minhas palavras, pelo contrário, a história é bastante simples, mas a forma homeopática de revelar cada novo fato é incomum no cinema moderno, em especial no gênero ficção científica (que convenhamos é o que Never Let Me Go é). O único momento em que o diretor faz uma concessão a compreensão mais óbvia do público é o letreiro inicial, que situa os elementos e os personagens.



O resto é apresentado organicamente e a cada passo, sem atropelos, ou personagens débeis que perguntam a cada dois minutos, ou mesmo frases de efeito óbvias.


Mortalidade e amor são temas universais, e o roteiro de Garland toca fundo nessas questões. O que é o amor? O que fazemos quando não somos correspondidos? E como lidamos com a finitude da existência? Tudo isso acrescido de uma dose extra de depressão e daquela sensação de que o espectador sabe exatamente como aquela história vai terminar, e por mais que ela seja trágica em essência não conseguimos deixar de apreciar cada segundo e cada boa idéia depositada por seu diretor na tela.


Romanek foi muito feliz em sua seleção de atores - tanto os protagonistas, quanto os mais novos que são parecidíssimos aos mais velhos - que aliam fragilidade com grandes interpretações. Carey Mulligan começa a se especializar nos papéis de meninas frágeis e melancólicas. Sua Kathy é uma irmã gêmea perdida de Jenny de Educação, papel que a "revelou" ao mundo do cinema. Curiosamente, por esse papel, Carey não foi nem lembrada em nenhuma das premiações "grandes". A atriz aqui, consegue ir melhor do que no referido filme anterior e mereceria mais glórias, por sua sutileza na forma com que lida com as dificuldades do papel. Keira Knightley (que interpreta Ruth) - que é muito melhor do que o grande público imagina, baseando-se apenas em suas participações na série Piratas do Caribe - é o nêmesis de Carey, porém um nêmesis arrependido e fragilizado por suas condições. Quando surge em tela, sua personagem é um vulcão hormonal cheia de vida, alegrias e satisfação apesar de internamente saber que tudo o que vive não passa de uma gigantesca cortina de fumaça com data e hora para acabar.



E chegamos a Andrew Garfield, hoje famoso por Rede Social e que ao final do ano será muito mais famoso, por interpretar Peter Parker no recomeço da franquia do escalador de paredes da Marvel. Se muitos viam alguns defeitos - eu inclusive - em sua abordagem de Eduardo Saverin em Rede Social, quando ele foi eclipsado por todos os personagens em que dividia a tela, aqui a situação é oposta. Muito a vontade como Tommy e sempre se tornando o centro das atenções em cada frame em que se vê envolvido, sempre contido, igualmente melancólico e em um profundo estado de negação das condições que tem de enfrentar, seu personagem é visceral, mesmo não demonstrando as emoções de forma direta, até quase o final da projeção, quando explode numa sequência dolorida e muito realista. Um trabalho bastante interessante e que apresenta - de verdade - o talento desse jovem ator.


Never Let Me Go tem em seus atores calibrados um ponto fundamental para que o roteiro - já elogiado - funcione bem. Não só o trio de protagonistas vai bem, mas seus coadjuvantes estão excelentes: Charlotte Rampling, como a gélida Miss Emily e Sally Hawkins (injustamente estigmatizada em Happy Go Lucky) como a sempre envergonhada e tensa Miss Lucy são outros destaques, além do trio de jovens atores Izzy Meikle-Small (talentosa e muito parecida com Mulligan), Ella Purnell (que vive a jovem Ruth) e Charlie Rowe (como o jovem Tommy).



Essa sensível obra guarda paralelos em sua abordagem realista com uma série de distopias que foram as telas como o recente Filho da Esperança, o cult - e recentemente lançado no país - The Quiet Earth entre outros que vocês podem citar ai nos comentários.


Ao mesmo tempo em que é profundamente romântica - chegando ao melodrama - e como toda grande obra que aborda o amor é trágica e fadada a tristeza profunda da perda. Never Let Me Go é um jóia muito delicada e que brilha profundamente nas interpretações de seus atores e na condução segura de Mark Romanek.


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