quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Biutiful
(Biutiful, 2010)
Drama - 147 min.

Direção: Alejandro González Iñarritu
Roteiro: Alejandro Gonzáles Iñarritu, Armando Bo e Nicolás Giacobone

Com: Javier Bardem



Não é necessário acompanhar a carreira de Alejandro González Iñarritu a fundo para saber que o diretor mexicano tem como sua identidade os pesados arcos dramáticos. O diretor de Amores Brutos, 21 Gramas e Babel cruzava as tramas de forma com que sua narrativa ficasse pesada a ponto de fazer o público querer um descanso breve. E se sua dramaticidade era tão carregada, não era apenas devido a sua direção. O roteirista Guillermo Arriaga, autor dos três projetos do diretor, era o grande responsável por toda a desgraceira que Iñarritu gosta tanto de filmar. Porém, após a briga dos dois, Arriaga foi naufragar na sua estréia na direção, The Burning Plan. Agora, era a vez de Iñarritu provar seu valor por si só, sem a ajuda do célebre autor, responsável também pelo roteiro do intrigante Três Enterros.

E quando se percebe a trama de Biutiful, o novo projeto do cineasta, sente-se um quê de metalinguagem, uma tentativa cinematográfica de desprendimento a seus trabalhos anteriores. Se Arriaga criava tramas que causavam desconforto ao espectador, Iñarritu cria uma história de segundas chances. Uxbal é um homem que ganha a vida em Barcelona explorando imigrantes de diversas etnias. Dos chineses fabricantes de bolsas aos africanos camelôs vendedores delas, Uxbal ganha dinheiro por essa rede sem ser um cara sem escrúpulos, sendo mais uma vítima da luta pela sobrevivência. A realidade muda quando ele, que possui um dom de se comunicar com os mortos, descobre ter câncer. Então, começa a luta para o amargurado homem começar a ver beleza naquela vida suja.


Essa iniciativa de Iñarritu, buscando identidade própria ao tentar ver beleza no mundo cão de Arriaga, é uma interessante provocação ao seu antes parceiro e uma busca por novos horizontes. Ainda que anteriormente testada (o cinema já ensinou umas 100 vezes que todo homem terminal tem que ver beleza na vida antes de morrer), a trama poderia ser executada de maneira correta e, nesse ambicioso contexto, soaria até inovadora. Mas se não havia melhor pessoa pra executar as tragédias sem fim de Babel e 21 Gramas, Iñarritu prova que não há pessoa pior pra mostrar beleza no mundo que ele.


O pessimismo e cinismo são pontos de partida para exemplares obras-primas, como Beleza Americana e Foi Apenas um Sonho (não por acaso, os dois de Sam Mendes), e até mesmo o mexicano havia provado saber bem explorar o melodrama moderno. Porém, Iñarritu compõe uma trama que simplesmente não tem sentido de existir em seu contexto de mundo, justamente por ser imparcial em sua visão de narrador. Como as tramas paralelas anteriores foram embora, um único personagem é a vítima do mundo cão e a antes equilibrada balança trágica de Arriaga soa uma involuntária comédia de erros. Apresentando o filme de uma forma suja desde o início, quando os bonitos Alpes italianos são retratados de maneira opaca e cinzenta, Iñarritu pesa mais ainda a mão quando introduz a Barcelona de sua história, um ninho sujo e horrível que aqui representa a metonímia da desgraça mundial pro diretor. Não por acaso, Arriaga explorava esse recurso de forma muito mais hábil em Babel, onde a tragédia acontecia em diversos pólos do mundo justamente para não soar forçada. Em Biutiful, porém, Barcelona não pode ter apenas camelôs, imigrantes ilegais e policiais corruptos. Tem que ter também um mendigo com um insistente pombo em cima dele e ainda ter prédios com fachadas destroçadas.

Logo, desde a ambientação da trama, somos apresentados ao mundo que Iñarritu parece tanto gostar. Auxiliado pela incisiva trilha de Gustavo Santaolalla, potencializando as emoções do espectador, Iñarritu ainda se apóia na sórdida fotografia de Rodrigo Prieto para mostrar tudo nos mínimos detalhes. Sem deixar de soar expositivo por um segundo sequer, o diretor ainda mostra a casa de Uxbal como um lugar inabitável, com piso desleixado e infiltrações diversas nas paredes. Além disso, desenvolvimento de personagens parece não ser o forte do roteiro de Armando Bo, Nicolás Giacobone e do próprio Iñarritu. Ainda que mostre Uxbal como um ser bem humano e tridimensional, os coadjuvantes são meros fantoches do mundo do diretor. Esquecendo a potencial sutileza de ser narrador-observador, o que tornaria a sua visão imparcial, no mínimo, justificável, Iñarritu interfere nas possíveis ambições e emoções de seus personagens só pra explicar pela milésima vez que ele acha o mundo um caso perdido.


Fora isso, Iñarritu ainda subestima todos os coadjuvantes e, não satisfeito, subestima sua própria equipe. Quando o filho de Uxbal chuta a mesa, o barulho é ouvido apenas pela excelente mixagem de som. Porém, Iñarritu ainda tem que fazer um take de baixo pra cima, pra reforçar que o garoto está chutando a mesa. Ainda que competente como diretor, com ângulos que contemplam seus atores com firmeza, o cineasta usa sua câmera de maneira incorreta em diversas cenas. Pra acabar de vez com qualquer possibilidade de identificação mínima com seus coadjuvantes-fantoches, o mexicano ainda evidencia sempre a presença do dinheiro em cena como algo mediador e solucionador dos problemas do filme. Um exemplo claro disso envolve a mulher de um africano, amiga de Uxbal. Iñarritu não a deixa simplesmente se envolver emocionalmente com o sofrido protagonista ou até mesmo aceitar um dinheiro (olhe ele aí de novo) como fator de troca. Ele ainda tem que fazer a mulher pensar em fugir com o dinheiro sem cumprir o acordo. É tão forçado que consolida a "idiotizante" comédia de erros involuntária de Iñarritu. Talvez aí Biutiful tenha sua maior diferença á qualidade dos filmes anteriores do diretor. Aqui, Iñarritu se aproxima, sem intenção, do excelente e consciente de si, Um Homem Sério.

Impedindo qualquer chance de redenção de uma trama que simplesmente NECESSITAVA de redenção, Biutiful termina sem unidade ou propósito. Uxbal, vivido de forma esplendorosa e digna de prêmios por Javier Bardem, até tenta ver a tal beleza do título do filme, mas o diretor simplesmente não deixa. O coitado compra aquecedores para as famílias humildes e Iñarritu tem que fazer o gás vazar. É tão absurdo que o diretor simplesmente negue a fazer o que se propôs que chegam a ser engraçadas cenas como essa que citarei. A barbeiragem do diretor fica evidente ao cortar de Uxbal quase num sonho para uma imagem de conforto pessoal, o mar. Pois lá o diretor coloca os corpos, talvez ilustrando o pesar de consciência do protagonista. Porém, quando a cena demonstra ser real, chega a ser hilário a incompetência do diretor nessa cena, que se parece com a batida de Sy Ableman, no já citado Um Homem Sério. Se os Coen utilizaram esse recurso de forma inteligente, Iñarritu simplesmente se chama de imbecil ao realizá-lo.



Biutiful assim termina imperfeito, vítima de suas próprias ambições. Alejandro González Iñarritu prova que não mudou sua visão de mundo e que necessita de algum roteirista realmente competente pra retratar esse mundo cão que tanto adora, de forma eficaz. Exagerando tudo o que se coloca em tela em prol da desgraça, chega a ser emblemática a cena em que Uxbal está deitado na cama, enfermo. A sua amiga abre a janela, para a luz entrar. Talvez ali, quando a divina luz entra, Uxbal tivesse sua tão sonhada beleza e plenitude antes da morte. Mas, do nada, a janela fecha e é preciso que a amiga volte pra abri-la novamente. É engraçado pensar que o fantasminha de Iñarritu simplesmente tenha aparecido e fechado à janela, só por sadismo exacerbado. Não por acaso, Uxbal só alcança a plenitude naquela cena dos Alpes, que abre e fecha o filme. Iñarritu se identifica tanto com o sadismo que realiza uma desgraça atrás da outra só para, no final, mostrar novamente o início. Filme desnecessário é pouco. Uma tremenda sátira á tragédia, de mau gosto e involuntária.


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