Contracorrentes
(Contracorrientes, 2009)
Drama - 100 min.
Direção: Javier Fuentes-León
Roteiro: Javier Fuentes-León
Com: Manolo Cardona, Cristian Mercado e Tatiana Astengo
Preconceito, essa palavra pesada e terrível, talvez seja a grande macula a ser destruída no século XXI. Em todos os níveis sociais, essa desonrosa condição humana ainda nos impede de respeitarmos os diferentes, aqueles que por um motivo ou outro, tem visões ou condições diferentes da maioria. O ser humano, como um grande animal instintivo e beligerante, ergue sua clava pontiaguda e afronta a todos aqueles que divergem de sua verdade absoluta. Não estou dizendo nada que o leitor não conheça e talvez (espero que não) pratique. A arte sempre foi a maior das armas contra o preconceito, e o cinema com sua infinita capacidade de abordar todos os assuntos imaginados na história do planeta, é prodigioso em defender bandeiras e tentar estimular o dialogo entre os mais radicais.
Por isso, quando um filme como Contracorrente chega aos cinemas, seria de se esperar que a mídia desse espaço, que fosse pauta dos mais diferentes programas de televisão e que a internet pipocasse em referências ao filme. Se vivesse no mundo mágico de Oz, isso talvez aconteceria. Mas vivendo no Brasil, um dos últimos baluartes da "carolice" em estado bruto, toda e qualquer forma artística contestadora é relegado a mera curiosidade bizarra ou vitimada pelos esquadrões da decência e da moral da sociedade.
Ao filme sobra apenas o nicho. Aquele pequeno espaço que prega para os convertidos (usando uma expressão provocadora religiosa) que é fundamental, é claro, mas que dificilmente terá a capacidade de despertar discussões que eventualmente podem vir a transformar a cabeça de alguém.
O leitor, intrigado, se pergunta: afinal o que faz de Contracorrente um filme que mereça três parágrafos de elucubrações sobre preconceito?
Explico. O filme dirigido por Javier Fuentes-León sintetiza as mais variadas formas de preconceito em sua singela - e repleta de realidade fantástica - história do pescador Mico. O personagem, as vésperas de se tornar pai, mantém secretamente um caso com o pintor e fotografo Santiago em meio a uma aldeiazinha encravada em uma praia, que vive em função da pesca e da igreja local.
Mico vive em profunda indecisão. Sua consciência preconceituosa não aceita seu amor pelo fotografo, que mais esclarecido, tenta compreender o amante, ao mesmo tempo em que procura mostrar a Mico que não existe nada de errado na paixão dos dois. Detalhe importante e que funciona perfeitamente com o espectador acostumado aos estereótipos: nenhum dos dois atores, interpreta seus personagens apelando para os trejeitos normalmente atribuídos aos homossexuais. Não existe nenhum traço visível de uma pretensa feminilidade, e isso causa um choque ao espectador quando, com menos de quinze minutos de filme, o diretor Fuentes-León apresenta uma cena de sexo bastante direta entre os dois homens.
A história ganha novo impulso quando Mico passa a ser o único capaz de ver ou ouvir o amante. Abraçando sem dó a realidade fantástica, Fuentes-León discute com maestria o preconceito embutido no próprio personagem do pescador, que apenas depois de perceber que ninguém nota a presença de Santiago, passa a andar com ele pela cidade, demonstrando publicamente carinho e amor para com o rapaz.
Às vezes, parece dizer o filme, o pior dos preconceitos existe dentro de nós, e na nossa incapacidade de nos aceitarmos mesmo diante das maiores dificuldades externas. Mico é um fraco, que "engana" a mulher e não assume seu amor pelo fotógrafo, e a interpretação vacilante e na beira do colapso de Cristian Mercado é muito intensa. Surgindo como uma entidade a parte, Santiago é interpretado com sutileza por Manolo Cardona, utilizando com maestria a linguagem corporal e o olhar para demonstrar fragilidade e severidade em medidas iguais.
A fotografia é lindíssima, e usa e abusa do cenário natural de Cabo Blanco, Peru (onde foram filmadas as cenas da praia). Luminosa e intencionalmente provocando a sensação de profundo isolamento da comunidade pesqueira, funciona perfeitamente para descrever também Mico. Isolado dentro de si mesmo, preso a um casamento que talvez não seja aquilo que ele realmente quer e temendo se deixar levar pelo amante de anos (a impressão que temos no filme é que Mico e Santiago são amantes há anos). A trilha sonora também é delicada e funciona perfeitamente como moldura bucólica e melancólica da história fadada a um final infeliz.
Contracorrente venceu o prêmio do público no festival de Sundance no ano de 2010, o que prova que uma obra abertamente homossexual pode emocionar qualquer tipo de público, e não apenas ter sua vida "útil" dentro do nicho a que pertence, em teoria. Um prova de que talvez a humanidade esteja vencendo suas próprias e retrogradas regras de conveniência e remando contra a maré. Ou como prefere o diretor Fuentes-León, contra a corrente.
Muito boa a resenha, Alexandre! Vi Contracorrentes no lançamento e confirmo o que você afirmou. Infelizmente, obras como ela, ainda ficam relegadas ao nicho... :(
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