segunda-feira, 19 de setembro de 2011


Informers - Geração Perdida
(The Informers, 2008)
Drama/Thriller - 98 min.


Direção: Gregor Jordan
Roteiro: Breat Easton Ellis e Nicholas Jarecki


Com: Jon Foster, Austin Nichols, Amber Heard, Billy Bob Thornton, Mickey Rourke, Kim Basinger, Winona Ryder e Rhys Ifans


Bret Easton Ellis é um escritor polêmico. Autor de um clássico da literatura de língua inglesa, Psicopata Americano, Ellis tem suas obras adaptadas para o Cinema com baixos orçamentos, justamente pelo teor provocativo e controverso. Roger Avery, parceiro de Quentin Tarantino em Pulp Fiction, adaptou com maestria (e fidelidade, nas palavras do próprio Easton Ellis) o livro Regras da Atração, uma comédia adolescente extremamente satírica e ácida, debatendo sobre o mundo jovem de uma maneira crua e sacana, como o próprio cartaz do filme sugeria na época (http://migre.me/5G76R). O slogan do filme, "Nós todos agimos por instinto", é perfeito para contextualizar todas as obras do autor. 

Em Psicopata Americano, Patrick Bateman agia por um impulso - impossível de conter - de matar. Em Regras da Atração, o sexo unia a todos, o exemplo máximo do instinto, o outro espectro das extremidades humanas. Portanto, nesse quesito, The Informers até mantém uma coerência com o resto da obra do autor, o que o belo cartaz demonstra, fazendo uma singela referência ao mundo "intocado" das aparências. As necessidades básicas de uma juventude fútil são o que move o filme desde a batida de carro até o take final. O problema de Informers não é a proposta no subtexto; é a decisão do diretor Gregor Jordan em criar uma narrativa fragmentada. 

O intuito inicial do roteiro de Nicholas Jarecki e do próprio Easton Ellis, era justamente criar uma sátira a esse mundo adolescente oitentista. No livro, temos personagens completamente distintos e um núcleo até sobrenatural. A moral desvirtuada da Geração Perdida era colocada em debate num tom extremamente irônico, bem característico de Ellis. Concebendo um texto absurdo (o que é perfeito, levando em conta o que é debatido) em sua abordagem, Ellis e Jarecki introduziram até mesmo o personagem vampiro do livro, escalando Brandon Routh para o papel. A questão principal é que a sátira inteligente e explosiva de 150 páginas foi cortada para 94 no roteiro final. E Jordan decidiu que o melhor a se fazer era um drama de tramas cruzadas, no melhor estilo Crash, deturpando totalmente a ideologia contida no material original. 



Mas quando os breves créditos iniciais terminam, o filme se apresenta muito bem. O letreiro apontando "Los Angeles - 1983" é até desnecessário. Estamos na Era das festas regadas á drogas, dos DJs orquestrando uma ode á psicodelia numa mansão dos ricos californianos. Ao fundo toca a excelente New Gold Dream do Simples Minds, que sustenta a sequência inteira, registrada apenas por imagens, sugestões. A melancolia presente na canção é perfeita no contexto histórico. Como canta a fabulosa letra, são os tempos perdidos que tanto assustaram o mundo, as mentes alienadas regadas a ecstasy. Estamos na concepção do que se entende sobre a AIDS, da promiscuidade sexual, da contracultura atingindo os mimados adolescentes revoltados, que se rebelam e ouvem punk rock ao mesmo tempo em que mantém seus Ray-Ban milimetricamente colocados nos olhos. Em suma, um palco perfeito para a escandalização irônica idealizada por Ellis. 

E em determinados pontos do filme, até mesmo após sua bela sequência inicial, essa proposta satírica é sentida. Após um contato direto com o sangue do amigo, logo após o mesmo ser atropelado, Graham (Jon Foster, competente) sente o baque, só para depois de uma boa noite de fumo e sexo com sua namorada, esquecer tudo e ir obrigado ao funeral. A rigidez dos diálogos entre os amigos após a cerimônia (assim como as risadas veladas durante a canção preferida do falecido) são interessantes por ensaiar a crônica social contra essa metonímia da Geração em foco. Algumas passagens completamente absurdas também ilustram o texto de Ellis perfeitamente, como a conversa de um produtor hollywoodiano, que quer um protagonista para uma imbecil ficção-científica, com um vocalista de banda. O cinema é citado com alguma freqüência no filme - e não é por acaso. A visão incisiva dos roteiristas sobre a cultura da época é algo presente nessas singelas passagens. E Ellis sempre foi mestre nisso, ao demonstrar, mesmo aqui, que não liga para seus personagens quando é preciso expor o modo de vida escandaloso dos mesmos. Quando for para levar o personagem ao inferno, Ellis não hesita. 

Porém, o foco não fica na pesadíssima ironia original. As tramas cruzadas diluem a mensagem da narrativa de forma fatal. Dependendo de uma montagem mais eficaz, o diretor acaba escolhendo o texto pelos motivos errados. Aproveitando o delicado tema para realizar uma trama arrogante, que se julga esperta por conectar pontas narrativas apenas pelas circunstâncias, Jordan acaba expondo as fraturas do roteiro retalhado. A presença da sub-trama do gângster vivido por Mickey Rourke é tão desnecessária que quando ela chega ao final, só conseguimos pensar no por que dela existir, já que é ligada á narrativa "principal" pelo personagem de Brad Renfro, o porteiro do prédio de Graham. A função para a história é nula, já que ideologicamente, o sub-plot só representa a violência perversa de um tipo criminoso. E já que esse tipo é atemporal, em nada ele ajuda numa história que exala "oitentismo". 



Atemporal, também, é a trama do marido que quer voltar para o casamento que largou por um amor passageiro. E Billy Bob Thornton, normalmente competente, parece perdido como William Sloan. Sempre com o olhar desfocado, ele parece não ligar para as emoções do projeto por não as detectar. Mas se Winona Ryder só está ali para ser um rosto bonito, os histrionismos da cada vez pior Kim Basinger só deixam o filme com menos unidade. Se a passagem de William dizendo que não tem certeza se ama a mulher é ótima, é atuada com certo desleixo. Esse segmento também pouco importa para o retrato da geração, já que se foca em produtos dos anos 60-70. Tendo apenas destaque para a relação conturbada com os filhos, a passagem da ala mais velha da família Sloan só não é um desastre maior porque, pelo menos, o possível (e digo possível porque o filme não deixa certeza) motivo da reconciliação proposta por William funciona esporadicamente para a mensagem, ainda que seja um conceito anacrônico de ganância - o que é ruim para um filme de período histórico. 

Procurando desesperadamente extrair emoções de seu fragmentado filme, Jordan ainda investe na relação de pai e filho de Les e Tim Price de maneira equivocada. A canalhice do pai, frente à conturbada mente do adolescente, é retratada de forma dramática, como se o pai quisesse se aproximar do filho e não tivesse ideia de como fazer. Isso até funcionaria na mensagem, já que apresentaria bem a criação discutível que tornou a geração daquele jeito, mas ao quase vitimizar o pai na sequência final dos dois, o filme parece voltar à culpa para o adolescente, que mesmo sem instrução alguma, deveria deixar o inescrupuloso pai se aproximar mais. De quebra, isso ainda torna o filme mais episódico do que ele já é. 

Não ajuda também a sutileza de um búfalo do diretor. Demonstrar a falta de tato com as garotas de Tim apenas sugerindo, é válido e correto, mas mostrar o pai dando em cima dessas mesmas garotas que o filho tem problemas é demais. Como acontece novamente na passagem, bem ridícula, do encontro á três no restaurante, para o pai ser garanhão não basta; tem que roubar a namorada do filho também. Criticar e ironizar a postura do pai, um convicto e característico Yuppie dos 80's, seria uma boa opção, mas Jordan prefere focar no drama do filho, que nada entende daquele mundo e não parece querer nada com nada. Como prova o implacável final desse segmento, Tim não liga para a relação com o pai, apenas querendo fumar sua maconha e ficar em paz. O problema desse segmento é justamente esse: ao retratar o filho como um garoto reprovável, fruto da geração perdida do subtítulo nacional, o roteiro parece dizer que a culpa não é do pai. A culpa, inteira, cabe ao padrão de vida daquele círculo de pessoas. 



Sendo assim, tudo conspira para a denúncia da horrível proposta de Gregor Jordan: criar um Babel de baixo orçamento, mas nos anos oitenta. Procurando contar episódios dramáticos sem função, o filme oscila de forma suicida entre os dramas de situação pseudo-inteligentes e o retrato repulsivo e fascinante de um período. 

Logo, os problemas de Informers não são baseados no que ele poderia ter sido, e sim baseados nos erros do novo roteiro. O filme não erra necessariamente porque precisava de outra abordagem; erra, sim, por desenvolver mal o seu já equivocado tratamento. 

Apenas ao se concentrar na filosófica discussão sobre a moral da época, como a meditação intensa de Graham nas partes finais, o filme cresce. E se tem algo que funciona perfeitamente em The Informers é a atmosfera intrigante dos 80's. A tentativa de Graham em melhorar é engolida pelo comodismo, como prova a interessante passagem final do filme. Vítima de seu tempo, Graham começa a nutrir certo sentimento por uma pessoa que simplesmente transa com todos os seus amigos. E o protagonista, por sua vez, também se enquadra nesse tipo, já que faz sexo com todas as suas amigas e até com os amigos. 



“She is your only friend until the ocean breaks", dizia a New Gold Dream. Quando Graham se torna sentimental e tem que se expressar, ele conhece exatamente essa máxima. E se torna um estranho ser. A metástase desse estranhamento se dá na enigmática passagem do carro, onde Graham diz que precisa de uma base para saber o que é certo e errado. Ao desvendar com sucesso a mente de todos os envolvidos, é focando em Graham que o longa acha respostas. 

Naquela elegante Los Angeles de 83, todos não são promíscuos e inconseqüentes por rebeldia; são inconseqüentes por não saber o que é consequência. 

Se o foco fosse inteiro em Graham, o filme não precisaria nem da ironia de Ellis para ser realmente bom. Se soubesse reconhecer isso na sua pífia narrativa (se já sabemos o papel das drogas naquela sociedade, pra quê serve o segmento do cantor de rock?), The Informers mereceria crédito. Como acerta apenas nesta, das muitas narrativas em questão, merece o ostracismo. 

Um interessante espelho mostrado á toda uma geração é quebrado pelos esforços de um incompetente diretor. 









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