Infratores
(Lawless, 2012)
Drama - 116 min.
Direção: John Hillcoat
Roteiro: Nick Cave
com: Tom Hardy, Shia LaBeouf, Jessica Chastain, Guy Pearce, Mia Wasikowska, Gary Oldman
A lei seca
americana talvez tenha sido uma das medidas políticas mais infelizes do mundo ocidental
no século XX. Além de não "resolver o problema", criou uma serie de
grupos e grupelhos, mafiosos e "pés-de-chinelo" que criavam,
produziam, distribuíam, lucravam e se mantinham apenas da bebida
ilegal. Nomes famosos como Al Capone, criaram um império sobre a
ilegalidade, que por sua vez só existiu a partir de uma ideia infeliz e
conservadora (palavras que quase sempre andam lado a lado).
Infratores, novo
filme do diretor John Hillcoat (do estupendo A Estrada) é um retrato pouco
visto no cinema americano, que em geral posiciona suas câmeras sobre o tema nas
grandes cidades e mafiosos poderosos. A trama acompanha a família Bondurant, formada
pelo sombrio e calado Forrest (Tom Hardy), pelo assustado e ainda ingênuo Jack (Shia
Labeouf) e pelo vigoroso e colérico Howard (Jason Clarke). Forrest é o mais velho e líder da família
que comercializa bebida caseira em sua região.
Seguem sua vida
pacata, centrada e bastante cautelosa graças à visão "de negócio" do personagem de Hardy, um sujeito simples e que em suas poucas palavras deixa claro sua visão de
mundo. Jack é um garoto intenso e ansioso por se provar tão importante
para a família quanto à sapiência de seu irmão mais velho. A vida da família
muda quando a procuradoria do estado da Virginia (onde o filme se passa) envia
um corruptível e maldoso promotor para conseguir garantir mais algumas notas de
suborno, com a ameaça de acabar com a brincadeira familiar caso a mesma não
aceite a chantagem oficial.
O filme então
acompanha essa disputa politica-social-moral entre os corruptos de gravata e os
- no momento em que o filme se passa - bandidos. Ao lado da família de
contrabandistas de fundo de quintal, chega à belíssima Maggie (Jessica Chastain),
que assim como Bertha (Mia Wasikowska) tornam-se os interesses amorosos dos dois
personagens principais da trama.
Hillcoat apesar de
tocar em um assunto sério e rechear seu filme de imagens muito violentas, que
incluem degolação, castração, tiroteios e muito sangue na cara, consegue - por
mais absurdo que pareça - manter o filme com uma levada pop, beirando uma
historia em quadrinhos, principalmente pela caracterização dos personagens
principais.
Se Tom Hardy emula
o vingador solitário, personagem clássico de quadrinhos e dos westerns, Labeouf
é quase um sidekick, mas que precisa assumir "o manto do herói" em
determinado momento. Já o personagem de Guy Pearce é a mimetização de um vilão
de quadrinhos. Seu visual absolutamente excêntrico, com suas luvas, sobrancelhas
quase inexistentes e seu cabelo rigidamente repartido ao meio, além da
interpretação de Pearce exagerada, remonta aos bons psicopatas dos
quadrinhos. Claro, que quando digo quadrinhos, imagino que o leitor tenha
compreendido que não estou apontando relação entre o filme de Hillcoat e a
Turma da Mônica, por exemplo. A relação é com os chamados quadrinhos adultos, e
o clima do filme que é muito menos engajado e politizado do que poderia ser.
Lembra o que DePalma fez com Intocáveis (no quesito clima, que fique claro),
acrescido de uma boa dose de violência.
O grande destaque
é realmente seu elenco estelar. O cada vez melhor Tom Hardy com seus grunhidos,
olhar denso e presença cênica intensa, a deslumbrante Jessica Chastain, capaz
de criar um magnetismo digno dos mais poderosos imãs, mesmo quando tem em mãos
uma personagem que apesar de marcada, não tem um grande arco dramático. Ela
funciona como mais uma motivação para a vingança dos irmãos Bondurant e para servir
como elo emocional para o travado Forrest. Guy Pearce constrói com desdém seu
promotor, uma mistura perversa de afetação e psicopatia. Mesmo o quase sempre limitado Shia Labeouf está bem no papel,
conseguindo empregar seriedade e emoção em um personagem com um arco dramático
completo, que se transforma durante a projeção, indo do garoto impetuoso e ingênuo
a um homem que precisa arcar com as consequências de seus atos impensados.
Completam o elenco,
Jason Clarke, como o irmão do meio que funciona como o braço armado da família, o
sujeito irritável e que não tem medo de resolver as coisas na base da bala. Mia
Wasikowska surge singela e bela como a inocente filha do pastor que se vê
seduzida pelo galã malfeitor. E Gary Oldman, cuja participação é bem menor ao
que o trailer e a divulgação do filme fazem crer. Quase como uma ponta de luxo,
o ator é um mafioso da cidade grande que age como tal, vociferando (sim, Oldman
grita, o que sempre é divertido) e ditando regras a todos, mas nada que
realmente se destaque.
Hillcoat vai bem
na condução da ação e na orientação de seus atores, sendo voyeuristico quando
necessário e intrusivo nos momentos mais intensos do filme, como durante um
violento atentado. Porém, apesar de não ter receio de mostrar a violência dos
atos, é contido e até respeitoso quando seu filme aborda um tema muito mais
tenebroso e com consequências psicológicas eternas. Ali, ele é inteligente ao
não precisar mostrar nada, apenas sugerir e informar o espectador do que
aconteceu.
A montagem do
filme é outra qualidade do filme, embora a sequência de ação final do filme, me
pareça confusa em
excesso. Caracterizados até então como personagens inteligentes
e seguros, os irmãos agem como amadores e a montagem só amplifica essa
sensação, embora mesmo com esses problemas a mesma ainda mantenha-se vigorosa e
tensa. Tanto a trilha
sonora quanto o roteiro tem a assinatura de Nick Cave, que já havia composto a
trilha atonal e perturbadora de A Estrada. Dessa vez, embebido do folk, Cave
consegue realizar um trabalho mais doce e muito mais melancólico do que o
desespero auditivo da trilha anterior. Um dos trabalhos mais fortes e bem
realizados do ano.
Outro ótimo
trabalho é o do time do design de produção e figurinos, que misturam ternos
elegantes e carros possantes, com fazendas castanhas e douradas, construções
simples de madeira, figurinos humildes (como o chapéu medonho de Forrest e sua
predileção por um casaco quase feminino como vestuário) e um clima de desolação
típico das cidadezinhas encravadas no interior americano, elemento já usado por
Hillcoat (embebido do apocalipse) no citado A Estrada.
Infratores não
pretende ser uma historia definitiva sobre a lei seca (embora seja baseada na
historia real dos irmãos Bondurant), mas uma interpretação pop e violenta de um fenômeno
americano e da vida de gente simples que não se curvava aos desmandos dos
corruptos de gravata.
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