terça-feira, 2 de outubro de 2012

Lay the Favourite - Verão em Red Hook



Lay the Favourite
(Lay the Favourite, 2012)
Comédia - 94 min.

Direção: Stephen Frears

Roteiro: D.V. DeVincentis

com: Bruce Willis, Rebecca Hall, Vince Vaughn, Catherine Zeta-Jones, Laura Prepon, Joshua Jackson


O interessante de festivais de Cinema é a grande quantidade de material à disposição. Muitas vezes, os filmes podem ser decididos por algum elemento em especial apenas: seja o diretor, a presença de certo ator ou uma história interessante. Sem saber muito sobre, fui acompanhar o novo filme de Stephen Frears. E logo nos primeiros minutos de Lay the Favorite, se percebe que uma atmosfera cômica se instala. Diversos tipos olham para o corpo de Beth, a protagonista. Cada um parece representar o estereótipo do americano médio: um é o almofadinha, o outro é o fanático por armas etc. Logo após, a fotografia de cores fortes acompanha nossa protagonista sair da vida de "stripper", em busca de algo mais consistente. Sua ideia, compartilhada com seu pai (numa boa ponta de Peter Mullan), é virar garçonete em Las Vegas. 


A comédia, derivada da atmosfera atingida por Frears, só fica mais evidente com a atuação way-over-the-top de Rebecca Hall, irreconhecível por trás de um visual amalucado e uma voz irritante. As ambições tão inusitadas da personagem também divertem pelo absurdo e são cruciais na hora em que o timing cômico se revela através do espírito farsesco de cada situação. O estranho game de Beth; a casa de apostas cheia de telões; as casas com gramados enormes; as roupas de Zeta-Jones. E Las Vegas é vista com olhar ensolarado, como se desse uma estética não-realista ao ambiente, o que ajuda a emular esse teatro. O playground da América, afinal, é o conjunto de vários monumentos no planeta. Uma cidade de mentira, em síntese. O jogo de absurdos atinge seu ápice quando a surpreendentemente histriônica Hall cai no choro: é tão surreal que Bruce Willis mal segura o riso em cena.

Se permanecesse ao debochar da farsa, Lay the Favorite poderia até render alguns frutos. Porém, é preciso timing perfeito para segurar uma comédia por muito tempo. Ao adotar a estrutura de romance cômico, o filme não se livra dos cacoetes e viradas típicas do gênero. Até o didatismo está presente: Zeta Jones dá um azar imediato a Willis, que o faz exclamar "você me dá azar!". Na ausência de trama, o roteiro de D. V. DeVincentis se envereda por outros gêneros, outros arcos. Desenvolvendo personagens de maneira um tanto desleixada, o roteiro se esquece de manter uma trama firme em prol das experiências das mais diversas possíveis. Logo, o filme de Frears acaba por se transformar em um romance, para virar um drama, para virar um coming-of-age, para virar um policial barato, para voltar ao coming-of-age.





As emoções mais dramáticas acabam um tanto perdidas. Frears usa um suspense final para criar a cena derradeira da película, o que acaba funcionando dentro da narrativa. Porém, ao comparar com outros filmes, acaba soando bem simplório. O recente Moneyball, por exemplo, tinha uma cena semelhante, mas bem mais harmoniosa entre direção, atuações e trilha. Ao menos, a comédia do projeto se consolida bem. Os méritos ficam pro bom elenco, com destaque para Willis e Hall, e para a já citada farsa da narrativa.

Se a afirmação de um tema coerente não funciona, muitos significados que o roteiro acha acabam opacos. O jogo e o amor se demonstram bem próximos (Beth larga os dois ao mesmo tempo), as lições de amadurecimento (quem é responsável por quem cativa?) aparecem, prezar por bons valores (como a amizade) se torna um lema. E as elipses ficam tão desfocadas (pobre Joshua Jackson; some do nada pra voltar só pro clímax) que me ocorreu, pouco antes do final da sessão: personagens são dispersos, as situações são quase de auto-ajuda, vários segmentos parece reduzidos ou ocultados. Será que é baseado em um livro?

Nos créditos finais, um letreiro diz que a protagonista virou escritora. Lay the Favorite é baseado nas memórias escritas de Beth Raymer.



Verão em Red Hook
(Red Hook Summer, 2012)
Drama - 121 min.

Direção: Spike Lee
Roteiro: Spike Lee e James McBride

com: Jules Brown, Thomas Jefferson Bird, Toni Lysaith

Spike Lee sempre se apoiou em temas fortes para contar suas histórias. Muitos deles (a maioria) falavam sobre a comunidade negra. Mas o que mais chamava a atenção em Lee era a maneira coerente com quê trabalhava esses temas nos seus bons trabalhos. Até em seu filme de assalto, o excepcional O Plano Perfeito, o diretor encaixava com louvor uma poderosa discussão étnica e política no meio da trama. Porém, Lee também se tornou instável como realizador. Se no início o diretor contava historias sobre a difícil vida dos negros em alguns locais, a aventura por outros gêneros rendeu frutos como o já citado Plano Perfeito, mas também gerou problemáticos filmes como She Hate Me e Milagre em St. Anna.

Natural, portanto, que Leigh volte a um local habitado essencialmente por negros para contar a sua história, como eram Faça a Coisa Certa e Malcolm X. Parecendo possuir traços autobiográficos, Red Hook Summer já começa com o retrato de Lee cheio de ternura com o ambiente onde se situará a história. Quando o menino Flik vai filmando os locais em sua chegada, o diretor faz uma introdução parecida com o que Woody Allen fez em seu Meia-Noite em Paris. Ao chegar, o menino é apresentado por seu avô para diversas pessoas da comunidade (em um plano bem manjado, de praxe em projetos desse tipo), naquele ambiente de cores fortes e movimentos naturais. Algo como um paraíso disfarçado.

Era de se esperar que o filme fosse abordar a questão do menino inadequado com o local de suas férias de verão, mas o roteiro escrito pelo diretor e James McBride leva isso á exaustão. Enfileiram-se as vezes que Flik diz que sente falta de seu "quarto em Atlanta" e que "quer ir pra casa". Para prosseguir com essa inadequação e tentar controla-la, o lugar comum se torna onipresente. O padre avô tenta ajudar, moldando o menino nos padrões da religião; a vizinha de bloco começa a conversar com nosso protagonista; os rappers são do mal e dão uma dura em Flik; o menino conhece mais sobre outros moradores curiosos, como o Diácono, cada um com uma historia pra contar; e os cultos sempre se demonstram preparados para enriquecer seus visitantes.




Nessa estrutura, onde nada parece ir pra frente e o panorama começa a se sobrepor aos atos, Lee tenta criar uma obra que tem um charme justamente na diversidade das figuras em tela, algo como Amacord. A cena em que o Diácono fala sobre as ações da Apple nada acrescenta e só reforça a ideia de colcha de retalhos operística. Os cultos se alongam por mais de dez minutos, em umas três oportunidades. E a ambição de Lee entra em metástase: o padre Enoch discursa sobre os jovens, sobre a internet, sobre o mundo em mudança, sobre o tempo; sobre tudo. Se ao menos essas cenas (com ritmo bom, diga-se de passagem) estivessem a serviço de uma historia, fariam sentido. Mas como todas terminam abruptamente e Lee chega a filmar uma com um flare imponente, as cenas ali só servem para ilustrar a paixão do diretor por aquilo.

Se no começo se parecia um coming-of-age, Red Hook Summer não parecia mais nada além de discursos e pensamentos dispersos.

O que, lá para o minuto 105, faz com que Lee invente uma reviravolta para finalizar seu ensaio com certa satisfação. E quando ela chega, não poderia ser de maneira mais deslocada. O tal plot twist, que, apesar de verossímil, em nada condiz com o que o filme estava contando até ali, só dilata a narrativa e cria um clímax para a desgastada história; o que foge de vez da temática de amadurecimento de Flik. Se a cena em questão, com certo personagem filmado em close (e em cima do trilho), não fosse tão poderosa por si só, o filme terminaria um desastre completo e sem sentido. Até nos momentos com certa carga dramática, tem algo de errado: a trilha sonora de Bruce Hornsby é tão intrusiva que torna o culto cômico (as notas no órgão no meio de um sermão?) e o drama, irrelevante (como na cena da tortura, perto do final).



Esperava-se algo mais maduro de Lee, que ainda insiste em adotar tradições para evoluir seus personagens. As crianças questionam Deus, aprendemos que certo profeta talvez seja falso, mas a salvação só vem através da palavra Dele? Quando Enoch prega com louvor e fúria contagiantes, abrindo seus braços ao céu, se observa a cruz nos olhos dele. Seria a salvação? Seria a condenação?

Red Hook Summer consegue ser disperso a ponto de ser moderno e antiquado, afirmativo e incoerente, acomodado e revoltado. Ao menos, se caiu tão forte, não foi por pular do baixo.



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