Oslo, 31 de Agosto
(Oslo, 31. August, 2011)
Drama - 95 min.
Direção: Joachim Trier
Roteiro: Joachim Trier e Eskil Vogt
com: Anders Danielsen Lee, Hans Olav Brenner, Ingrid Olava
É comum na cinematografia de Lars Von Trier os temas que tratam da
psique humana e de suas patologias. A depressão – que atingiu o realizador com
dureza durante uma boa parte de sua vida – é o eixo principal da maioria de
suas narrativas, tendo seus dois últimos filmes – O Anticristo e Melancolia –
como exemplos cristalinos dessa recorrência temática. Primo de Von
Trier, o cineasta norueguês Joachim Trier busca em Oslo, 31 de Agosto um
embasamento muito parecido com o do parente dinamarquês para falar da doença espiritual
que aflige tantos pelo mundo, mas consegue ir além.
Baseado no romance Le Feu Follet, de Pierre Drieu La Rochelle , Oslo conta a
história de Anders, um homem de 34 anos com histórico de vício, que está em
processo de alta da clínica de reabilitação em que se encontra. Vemos desde o
início, entretanto, que mesmo limpo - sem fazer uso de algum entorpecente há
meses – a saúde de Anders não apresenta um real estado de melhora. Ora, não
poderia ser diferente: o dilema do protagonista com as drogas não é a causa,
mas sim um efeito de seus problemas. Tratando de seu comportamento viciado, a
clínica apenas repara momentaneamente seus sintomas, mas não consegue alcançar
de fato a origem de sua enfermidade – sua mente.
Desde o princípio vemos a afinidade de Anders com a morte, e
mesmo que não esteja completamente decidido a efetuá-la, estar bem próximo
desta, flertando com a mesma, já é algo que demonstra sua total deterioração
por dentro. Trier mostra tudo isso com a frieza freudiana digna de um analista
sedento por entendimento, mas que não compartilha emoções ou almeja ajudar seu
paciente. Essa distância emocional do cineasta é ilustrada e reforçada pela
fotografia gélida e praticamente destituída de cores que o diretor opta por
utilizar. Esse tratamento direto e sem resquícios de sentimentalismo dá ao
realizador uma posição mui privilegiada para realizar e aprofundar suas
percepções sobre o tema.
Talvez seja justamente esse o cânion estilístico que separe os dois primos escandinavos. Enquanto Von Trier exibe constantemente o melodrama e as chagas sentimentais de seus personagens para comover o público, seu primo – distante que fique claro - tende a posicionar-se como mero observador, sem conexões afetivas com seu personagem. As duas abordagens são igualmente válidas, mas para um estudo comportamental – que é a proposta de Oslo – uma postura mais analítica abre mais opções de aprofundamento.
Talvez seja justamente esse o cânion estilístico que separe os dois primos escandinavos. Enquanto Von Trier exibe constantemente o melodrama e as chagas sentimentais de seus personagens para comover o público, seu primo – distante que fique claro - tende a posicionar-se como mero observador, sem conexões afetivas com seu personagem. As duas abordagens são igualmente válidas, mas para um estudo comportamental – que é a proposta de Oslo – uma postura mais analítica abre mais opções de aprofundamento.
O cineasta então pode dissertar sem receio de agredir as emoções
do espectador, ou mesmo as emoções do personagem. Somos levados desta forma ao
âmago do estudo, e diversos momentos do longa saltam aos olhos por sua
sinceridade. O diálogo entre Anders e Thomas resulta numa conclusão bastante
realista, mas amarga: a depressão é uma doença contagiosa. Ela pode ser transmitida
de um doente para quem estiver por perto e ousar trocar idéias com o mesmo.
Isso só gera mais isolamento para aquele que é atormentado pela depressão – e
não é a toa que depois de ouvir certas verdades indigestas sobre sua vida,
Thomas nem mesmo aparece de novo na película. Ironicamente, o isolamento só é
um fator que potencializa a doença. Ainda pior é ter a mensagem nas entrelinhas
que, além de ter sua vida destruída, o depressivo pode acarretar a desgraça de
seus entes queridos caso peça ajuda. Com tais convicções – verídicas na maioria
das vezes, infelizmente – realmente seria impraticável uma abordagem emotiva
com seus personagens.
E talvez o ponto que mais ressoe por todo o filme seja o momento
em que Anders
entra em conflito com o mundo a sua volta. Isso está latente em toda a
película e Trier é esperto por deixar essa indisposição gravada em imagens: em
diversos takes, o diretor toma a decisão de mudar o foco, primeiro deixando o
protagonista embaçado, com Oslo ao fundo, nítida. Depois o foco se inverte,
mostrando que o mundo ao redor de Anders nunca se mistura com ele, e que os
dois são estranhos, avessos um ao outro.
A insatisfação de Anders ganha corpo de fato na narrativa no
momento em que ele passa a observar a conversa de pessoas a sua volta no
bar. Muito inteligente e original da parte do roteiro, que ao invés
de focalizar o drama do protagonista ao chafurdar nos insucessos de seu próprio
passado, foca no desespero do mesmo ao perceber os diversos insucessos futuros
nas vidas de tantos anônimos. A menina que lista uma sequência irrealizável de
afazeres que pretende alcançar pela vida é a encarnação da depressão futura.
Nesse momento Anders sai do bar. Sua depressão entra em metástase e ele
autoriza a si mesmo a seguir rumo à destruição.
Oslo é um filme muito bem estruturado em seus núcleos, e ao
mostrar o atormentado protagonista passando por diversos pontos da cidade
tentando exorcizar seus males, ele disseca vários aspectos da depressão, e
remete-nos diretamente a filmes como Sozinho Contra Todos e até mesmo ao
recente Cosmópolis. Um trabalho maduro de um diretor que mostra ter talento
para fazer muito mais. A frase analítica de Proust que ecoa em nossa mente ao
pensar sobre o filme é digna da postura freudiana escolhida pelo realizador:
“Tentar entender o desejo como uma mulher nua é o mesmo que uma criança tentar
entender o que é tempo ao quebrar um relógio.” Talvez essa falta de compreensão
do que é o desejo seja um dos precursores da depressão vivida por Anders.
Abrir Puertas y Ventanas
(Abrir Puertas y Ventanas, 2011)
Comédia - 99 min.
(Abrir Puertas y Ventanas, 2011)
Comédia - 99 min.
Direção: Milagros Mumenthaler
Roteiro: Milagros Mumenthaler
com: María Canale, Martina Juncadella, Ailín Salas
Desde o primeiro frame da produção independente argentina Abrir Puertas y Ventanas, a curiosidade pelo que desconhecemos na narrativa nos intriga. O drama familiar sobre três irmãs desconexas pinta uma história que aparentemente discursa sobre uma família disfuncional, mas que na realidade trata de assuntos mais primitivos e complexos do que se imagina. O filme da estreante
O roteiro assinado por Mumenthaler
constrói a trama de três irmãs bastante distintas entre si – Marina, Sofia e
Violeta Tauss - que tentam superar a recente morte da avó que as criou. Cada
uma tem sua própria forte personalidade, e também seus segredos e
preocupações. O filme se desenrola inicialmente sem contar
explicitamente nenhuma história, mas na verdade, constrói aos poucos
personagens verdadeiros com conflitos que são demonstrados sutilmente, e que
crescem de maneira gradativa ao longo da projeção.
A justificativa para o título fica
evidente com pouco tempo de tela: numa apertada (e quente) casa que é habitada
por três mulheres, há muito que pode passar despercebido entre elas – mas não
para o espectador. Uma visita que ainda não foi embora e ouve a conversa é
observada pelo reflexo na janela; uma porta entreaberta permite que uma irmã
espione o guarda-roupa da outra; o barulho de cada uma pode ser aumentado ou
diminuído pela decisão de bater a porta ou não. Esses pequenos fragmentos que
se perdem no universo diegético do filme são importantíssimos na composição do
ambiente de constante desconfiança instaurado na casa. Com mão boa para a
direção, Mumenthaler não perde esses momentos, e auxiliada por um design de som
invejável, consegue deixa-los mais representativos para a platéia.
Tudo isso serve para ilustrar o
sentimento de cada irmã em relação à outra, e não são poucos. Sofia entra
sempre no embate com Marina, que é aquela que se sente responsável pelas
outras. Em contrapartida, Marina repreende as roupas decotadas de Sofia. Nesse
meio, Violeta assume uma postura mais reservada e cínica, e acaba se firmando
como a mais consciente do que ocorre entre os muros da casa. A grande
dificuldade nesse imbróglio é estabelecer o contato – seja ele visual ou físico
– entre as irmãs. É clássica a dificuldade de se relacionar para
aqueles que sofrem o luto, mas em Abrir Puertas y Ventanas o
objetivo não é em saber como esse contato se perdeu, mas de que forma ele pode
ser restabelecido.
Por isso mesmo o título faz ainda mais sentido no que tange o sentido figurado. É preciso que as irmãs abram as portas de suas almas para que a família volte ao equilíbrio. Durante o primeiro ato do longa, vemos que todas se escondem por trás de máscaras da fachada. Então, numa belíssima cena que serve de turning point para a narrativa, vemos as irmãs juntas, emocionando-se com uma música melódica. É o primeiro momento até ali em que as irmãs conseguem imprimir uma abertura. Ali elas se dão conta da perda, não só da avó, mas também da relação entre elas mesmas.
Por isso mesmo o título faz ainda mais sentido no que tange o sentido figurado. É preciso que as irmãs abram as portas de suas almas para que a família volte ao equilíbrio. Durante o primeiro ato do longa, vemos que todas se escondem por trás de máscaras da fachada. Então, numa belíssima cena que serve de turning point para a narrativa, vemos as irmãs juntas, emocionando-se com uma música melódica. É o primeiro momento até ali em que as irmãs conseguem imprimir uma abertura. Ali elas se dão conta da perda, não só da avó, mas também da relação entre elas mesmas.
A partir daí, o contato volta a ser
estabelecido, mas nada é tão fácil. Com o retorno da sinceridade, do diálogo,
voltam também os conflitos, as brigas. O momento em que Marina parte pra
cima da irmã; ou quando Sofia bate a porta repetidas vezes; ou naquele
onde Marina procura contato com outra pessoa: são momentos
simbólicos. Um processo natural e verossímil que compreende que antes do
entendimento, é necessária a catarse, para exorcizar o tempo de isolamento por
trás das máscaras de cada uma. A direção, muito perspicaz e segura, consegue
realizar em várias situações planos estáticos, mas também planos-sequência de
movimentação muitíssimo lenta, que configuram em tela o entendimento de que o
processo de reconciliação é gradativo e não automático.
Uma grata surpresa de orçamento baixo,
Abrir Puertas y Ventanas ainda impressiona pela qualidade de suas jovens
atrizes, que respondem ao chamado assim que se faz necessária uma postura mais
forte ou uma demonstração de carga dramática mais pesada. Atuam com
naturalidade e ajudam a construir personagens completamente tridimensionais.
Por ser um trabalho de estréia na direção de longas, perdoa-se um erro aqui ou
ali na montagem- algumas partes poderiam ser simplesmente suprimidas- ou na
decupagem, em detrimento de um belo trabalho narrativo que demonstra grande
sensibilidade ao tratar de relações humanas.
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