Moonrise Kingdom
(Moonrise Kingdom, 2012)
Comédia/Drama - 94 min.
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola
Com: Jared Gillman, Suzan Hayward, Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton, Jason Schwartzmann, Harvey Keitel
Existem diversos tipos de narradores no Cinema, na
Literatura e nas Artes em
geral. O bras
calcadas em seus personagens, tem como recorrência a análise comportamental, enquanto outras são mais abrangentes e optam por
criar um mundo antes de povoa-lo com os habitantes, caso bastante comum nas ficções-científicas conceituais. Wes Anderson, celebrado
roteirista por conceber seus tipos cômico-dramáticos em um mundo fabulesco e
diferenciado, é um caso raro de realizador que consegue ser bem sucedido nos
dois espectros. Viagem a Darjeeling, Os Excêntricos Tenembaums, Três é Demais e
até a sua animação stop-motion O Fantástico Senhor Raposo tinham uma visão
particular sobre tudo á volta de seus personagens, com elementos que construíam
um elegante realismo fantástico.
No primeiro travelling de Moonrise Kingdom, já se nota a personalidade
de Anderson. O enquadramento milimétrico, sucedido por um movimento de câmera
cuidadosamente planejado, revela a casa dos Bishop. A curiosa arquitetura do
local ilustra com precisão a criação de um novo mundo. Os objetos estão
dispostos de uma maneira que nos dá a impressão de que tudo ali é em miniatura. Logo
depois, Anderson organiza um panorama sobre os escoteiros de New Penzance. Nos
dois ambientes, falta alguém no quadro.
E Moonrise Kingdom parte do desaparecimento delas para criar
uma mágica história de aceitação e inocência. É um conto fantasioso em sua
ambientação, mas incrivelmente humano em seu desenvolvimento de personagens.
Excêntrico e recheado de personagens atraentes por suas sutis nuances, o
excelente novo filme de Anderson impressiona por seu equilíbrio emocional e uma
honestidade característica.
A questão do conceito de ordem naquele encantador universo é
curiosa, o que só reforça a fábula. Em certa passagem, o policial diz aos
advogados para o chamarem, caso vejam algo fora do comum. Quando acontece o corte, vemos um
plano aberto onde é revelada a estética de miniatura fantasiosa da casa. Além
disso, uma casa da árvore, sustentada por um mísero tronco fino, surge em tela
em outro momento, como algo vindo direto do mundo onírico.
Anderson apresenta o mundo de forma concisa, com uma direção
de arte que consegue ser belíssima e criativa e, ainda assim, alcançar um nível
teatral que só é reforçado pela estética do diretor, que sempre deixa claro que
estamos em um universo à parte (como na cena em que o LP é desligado e a música
não-diegética se torna diegética). E sua concisão ajuda o desenvolvimento de
Sam e Suzy. O mundo é criado dessa forma para depois sabermos dos personagens –
e nos aprofundarmos neles e entendermos seus conflitos.
O primeiro contato do casal é feito em uma situação
infantil, mas o roteiro de Anderson e Roman Coppola constrói a cena com a
maturidade característica dos pré-adolescentes que acompanhamos pelos lindos 95
minutos. A seriedade com que Sam aborda as meninas no camarim (na já clássica
cena, presente no trailer) para, logo após, expressar com imponência seu
interesse por Suzy é o que chama mais a atenção.
Ao procurar as motivações da fuga, o filme investe na
expressiva montagem de Andrew Weisblum para mostrar a brilhante troca de cartas
entre Sam e Suzy. A dificuldade da comunicação (que inclui cartas minúsculas,
como “Quando? Sam.” “Onde? Suzy.”) é divertidíssima e a aproximação do casal
nesse flashback é sensível de forma marcante, despertando uma leve nostalgia
romântica no espectador. E o encontro no campo, aliado a essa breve
demonstração de afeto e confiança entre as cartas dos dois protagonistas, serve
como preparação para a imersão total nas ambições e expectativas dos maduros
personagens.
Na praia, Suzy lê seus livros e conversa com seu parceiro sobre
sua relação complicada com as outras pessoas do seu círculo social. Já Sam
trabalha com suas ferramentas de escoteiro e pensa no diferenciado gosto e
temperamento de sua personalidade em comparação aos outros. Ambos interagem com
um grande carinho que só é ressaltado pela expressividade do que pensam e
transmitem um com o outro as nobres intenções que tem para suas vidas (o amor os
motiva, afinal). Nisso, as soberbas atuações dos estreantes Jared Gilman e Kara
Hayward são precisas: a sisudez dos dois nos passa uma ideia ainda maior da
maturidade de seu relacionamento.
Seria estreito, porém, pensar no roteiro de Anderson e
Coppola como um mero coming-of-age, ainda que muitos traços da tal chegada da
idade apareçam. A peculiaridade do mundo ao redor de Sam e Suzy faz com que
ambos se sintam atraídos a desfrutar dele, fugindo da sociedade um tanto
repressora de New England. Outsiders mesmo em um mundo fabulesco onde Anderson
é autor inquestionável, os dois jovens constroem seu próprio paraíso onde podem
ser os ícones que quiserem, sem deixar de possuírem seus pensamentos. Sam é um
herói de guerra que fuma cachimbo e bebe cerveja, Suzy é uma Lolita pintora que
reage com naturalidade a conversas sobre depressão. Os dois dançam música
francesa, pulam no mar e dormem juntos em uma barraca como se fossem dois
artistas naturalistas dos anos 50. Ali, até o primeiro contato com a
sexualidade (a cena do beijo na praia é ótima e engraçadíssima) acontece. E a
divertida situação só não se destaca mais do que a reação deliciosamente sisuda
de Suzy.
Como narrador Anderson também impressiona devido à estrutura
interessante do roteiro. A citação inicial ao furacão dá um caráter urgente ao
ritmo da narrativa, algo que só se exacerba no, acredite, tenso clímax da
película. Se em O
Fantástico Senhor Raposo Anderson exibia um olho especial
para apresentar seus primeiros atos, mas falhava ao decair o ritmo no terceiro
ato, aqui o diretor demonstra firmeza ao creditar na força de suas imagens (a
face chamativa de Hayward registrada no final, na igreja, é marcante, com uma
expressividade ímpar) concebidas com a fotografia precisa de Robert Yeoman.
Mantendo a sua essência de mesclar com ternura a comédia e o drama, o diretor
exibe sua estética com destreza e age como se estivesse na melhor forma de seu
próprio gênero, bem característico a si. E os enquadramentos milimétricos aqui
são impressionantes, já que funcionam para diferentes registros. Se Suzy e Sam
são filmados assim por serem complementares, o take milimétrico que separa
Sharp da outra voz no telefone é o mesmo na conversa com duas autoridades
diferentes, o que só mostra que a reação passiva do policial é comum aos dois
casos, o que é brilhante na sutileza.
Em certo ponto, Sam é questionado. “Por que a pressa?”,
dizem ao menino. É uma necessidade bem contemporânea, essa de ter urgência em
realizar tudo o que quer. É um conceito antigo o de que é com o tempo que se
consegue as coisas, que o imediatismo não leva a nada. O que torna os heróis de
Moonrise Kingdom diferenciados é que o desejo de ser adulto é acompanhado da
maturidade necessária de um adulto formado. Maturidade essa que falta,
curiosamente, aos personagens de mais idade no filme. O Capitão Sharp de Willis
é amargurado e inseguro, o Escoteiro-Chefe de Norton diverte justamente pela
sua rigidez exacerbada no posto, o casal de advogados vivido por Frances
McDormand e Bill Murray se tratam como colegas de trabalho (mesmo casados), a
atendente social é unidimensional em sua alma megera. E mesmo vivendo nesse
realismo fantástico, onde nada é comum, os adultos são imaturos e as crianças
que impressionam, o conflito da inocência do fortíssimo sentimento do casal é
vista com inadequação perto da sociedade.
Não é questão de saber seu gosto e odiar o do outro por se
julgar superior (nosso casal não é hipster). É um auto-questionamento sobre as
diferenças que tornam o casal mais maduro que o resto. Em certo momento, Suzy
diz que rouba livros apenas por saber que aquilo seria manter um segredo. É uma
procura extremamente coerente, essa de buscar um sentido para suas ações em uma
sociedade que, mesmo fabulesca, segue presa a convenções. Impõe um julgamento
raso a crianças apenas pela sua idade, o que não poderia ir mais contra nossos
protagonistas.
Na ótima cena da enfermaria (onde a tensão, por sinal, é
pontuada por um aparelho de saúde), Sam questiona o porquê do outro escoteiro
não gostar dele. A resposta não poderia representar mais o filme.
“Ninguém gosta. Por que eu deveria gostar?”
É por brigar contra o comum que Sam e Suzy conseguem um
objetivo diferenciado. Mais ou menos o que procura Wes Anderson com seus
filmes: abolir o normal com sua encantadora fantasia.
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