quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Moonrise Kingdom


Moonrise Kingdom
(Moonrise Kingdom, 2012)
Comédia/Drama - 94 min.

Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola

Com: Jared Gillman, Suzan Hayward, Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton, Jason Schwartzmann, Harvey Keitel


Existem diversos tipos de narradores no Cinema, na Literatura e nas Artes em geral. Obras calcadas em seus personagens, tem como recorrência a análise comportamental, enquanto outras são mais abrangentes e optam por criar um mundo antes de povoa-lo com os habitantes, caso bastante comum nas ficções-científicas conceituais. Wes Anderson, celebrado roteirista por conceber seus tipos cômico-dramáticos em um mundo fabulesco e diferenciado, é um caso raro de realizador que consegue ser bem sucedido nos dois espectros. Viagem a Darjeeling, Os Excêntricos Tenembaums, Três é Demais e até a sua animação stop-motion O Fantástico Senhor Raposo tinham uma visão particular sobre tudo á volta de seus personagens, com elementos que construíam um elegante realismo fantástico.

No primeiro travelling de Moonrise Kingdom, já se nota a personalidade de Anderson. O enquadramento milimétrico, sucedido por um movimento de câmera cuidadosamente planejado, revela a casa dos Bishop. A curiosa arquitetura do local ilustra com precisão a criação de um novo mundo. Os objetos estão dispostos de uma maneira que nos dá a impressão de que tudo ali é em miniatura. Logo depois, Anderson organiza um panorama sobre os escoteiros de New Penzance. Nos dois ambientes, falta alguém no quadro.

E Moonrise Kingdom parte do desaparecimento delas para criar uma mágica história de aceitação e inocência. É um conto fantasioso em sua ambientação, mas incrivelmente humano em seu desenvolvimento de personagens. Excêntrico e recheado de personagens atraentes por suas sutis nuances, o excelente novo filme de Anderson impressiona por seu equilíbrio emocional e uma honestidade característica.


A questão do conceito de ordem naquele encantador universo é curiosa, o que só reforça a fábula. Em certa passagem, o policial diz aos advogados para o chamarem, caso vejam algo fora do comum. Quando acontece o corte, vemos um plano aberto onde é revelada a estética de miniatura fantasiosa da casa. Além disso, uma casa da árvore, sustentada por um mísero tronco fino, surge em tela em outro momento, como algo vindo direto do mundo onírico. 

Em Moonrise Kingdom, o incomum é uma questão delicada: os escoteiros acham que são guerreiros (e são vistos como tal), são apresentados em um plano-sequência que parece um relatório de guerra e o exército de escoteiros parece vindo diretamente de Coração nas Trevas (até a estrutura da sub-trama lembra o livro de Joseph Conrad). E o respeitoso casal Bishop troca palavras de maneira mecânica, como se fossem apenas colegas de profissão.

Anderson apresenta o mundo de forma concisa, com uma direção de arte que consegue ser belíssima e criativa e, ainda assim, alcançar um nível teatral que só é reforçado pela estética do diretor, que sempre deixa claro que estamos em um universo à parte (como na cena em que o LP é desligado e a música não-diegética se torna diegética). E sua concisão ajuda o desenvolvimento de Sam e Suzy. O mundo é criado dessa forma para depois sabermos dos personagens – e nos aprofundarmos neles e entendermos seus conflitos.


O primeiro contato do casal é feito em uma situação infantil, mas o roteiro de Anderson e Roman Coppola constrói a cena com a maturidade característica dos pré-adolescentes que acompanhamos pelos lindos 95 minutos. A seriedade com que Sam aborda as meninas no camarim (na já clássica cena, presente no trailer) para, logo após, expressar com imponência seu interesse por Suzy é o que chama mais a atenção.

Ao procurar as motivações da fuga, o filme investe na expressiva montagem de Andrew Weisblum para mostrar a brilhante troca de cartas entre Sam e Suzy. A dificuldade da comunicação (que inclui cartas minúsculas, como “Quando? Sam.” “Onde? Suzy.”) é divertidíssima e a aproximação do casal nesse flashback é sensível de forma marcante, despertando uma leve nostalgia romântica no espectador. E o encontro no campo, aliado a essa breve demonstração de afeto e confiança entre as cartas dos dois protagonistas, serve como preparação para a imersão total nas ambições e expectativas dos maduros personagens. 

Na praia, Suzy lê seus livros e conversa com seu parceiro sobre sua relação complicada com as outras pessoas do seu círculo social. Já Sam trabalha com suas ferramentas de escoteiro e pensa no diferenciado gosto e temperamento de sua personalidade em comparação aos outros. Ambos interagem com um grande carinho que só é ressaltado pela expressividade do que pensam e transmitem um com o outro as nobres intenções que tem para suas vidas (o amor os motiva, afinal). Nisso, as soberbas atuações dos estreantes Jared Gilman e Kara Hayward são precisas: a sisudez dos dois nos passa uma ideia ainda maior da maturidade de seu relacionamento.


Seria estreito, porém, pensar no roteiro de Anderson e Coppola como um mero coming-of-age, ainda que muitos traços da tal chegada da idade apareçam. A peculiaridade do mundo ao redor de Sam e Suzy faz com que ambos se sintam atraídos a desfrutar dele, fugindo da sociedade um tanto repressora de New England. Outsiders mesmo em um mundo fabulesco onde Anderson é autor inquestionável, os dois jovens constroem seu próprio paraíso onde podem ser os ícones que quiserem, sem deixar de possuírem seus pensamentos. Sam é um herói de guerra que fuma cachimbo e bebe cerveja, Suzy é uma Lolita pintora que reage com naturalidade a conversas sobre depressão. Os dois dançam música francesa, pulam no mar e dormem juntos em uma barraca como se fossem dois artistas naturalistas dos anos 50. Ali, até o primeiro contato com a sexualidade (a cena do beijo na praia é ótima e engraçadíssima) acontece. E a divertida situação só não se destaca mais do que a reação deliciosamente sisuda de Suzy.

Como narrador Anderson também impressiona devido à estrutura interessante do roteiro. A citação inicial ao furacão dá um caráter urgente ao ritmo da narrativa, algo que só se exacerba no, acredite, tenso clímax da película. Se em O Fantástico Senhor Raposo Anderson exibia um olho especial para apresentar seus primeiros atos, mas falhava ao decair o ritmo no terceiro ato, aqui o diretor demonstra firmeza ao creditar na força de suas imagens (a face chamativa de Hayward registrada no final, na igreja, é marcante, com uma expressividade ímpar) concebidas com a fotografia precisa de Robert Yeoman. 

Mantendo a sua essência de mesclar com ternura a comédia e o drama, o diretor exibe sua estética com destreza e age como se estivesse na melhor forma de seu próprio gênero, bem característico a si. E os enquadramentos milimétricos aqui são impressionantes, já que funcionam para diferentes registros. Se Suzy e Sam são filmados assim por serem complementares, o take milimétrico que separa Sharp da outra voz no telefone é o mesmo na conversa com duas autoridades diferentes, o que só mostra que a reação passiva do policial é comum aos dois casos, o que é brilhante na sutileza.


Em certo ponto, Sam é questionado. “Por que a pressa?”, dizem ao menino. É uma necessidade bem contemporânea, essa de ter urgência em realizar tudo o que quer. É um conceito antigo o de que é com o tempo que se consegue as coisas, que o imediatismo não leva a nada. O que torna os heróis de Moonrise Kingdom diferenciados é que o desejo de ser adulto é acompanhado da maturidade necessária de um adulto formado. Maturidade essa que falta, curiosamente, aos personagens de mais idade no filme. O Capitão Sharp de Willis é amargurado e inseguro, o Escoteiro-Chefe de Norton diverte justamente pela sua rigidez exacerbada no posto, o casal de advogados vivido por Frances McDormand e Bill Murray se tratam como colegas de trabalho (mesmo casados), a atendente social é unidimensional em sua alma megera. E mesmo vivendo nesse realismo fantástico, onde nada é comum, os adultos são imaturos e as crianças que impressionam, o conflito da inocência do fortíssimo sentimento do casal é vista com inadequação perto da sociedade.

Não é questão de saber seu gosto e odiar o do outro por se julgar superior (nosso casal não é hipster). É um auto-questionamento sobre as diferenças que tornam o casal mais maduro que o resto. Em certo momento, Suzy diz que rouba livros apenas por saber que aquilo seria manter um segredo. É uma procura extremamente coerente, essa de buscar um sentido para suas ações em uma sociedade que, mesmo fabulesca, segue presa a convenções. Impõe um julgamento raso a crianças apenas pela sua idade, o que não poderia ir mais contra nossos protagonistas.

Na ótima cena da enfermaria (onde a tensão, por sinal, é pontuada por um aparelho de saúde), Sam questiona o porquê do outro escoteiro não gostar dele. A resposta não poderia representar mais o filme.


“Ninguém gosta. Por que eu deveria gostar?”

É por brigar contra o comum que Sam e Suzy conseguem um objetivo diferenciado. Mais ou menos o que procura Wes Anderson com seus filmes: abolir o normal com sua encantadora fantasia.


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