segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1
(Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 1, 2010)
Ação/Fantasia - 146 min.

Direção: David Yates
Roteiro: Steve Kloves

Com: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Alan Rickman, Bill Nighy, Helena Bonham-Carter, Ralph Fiennes

Não é difícil imaginar o que passou pela cabeça de J.K.Rowling quando esta começou a saga de sete livros de Harry Potter com um pré-adolescente diante de um mundo inteiro novo a descobrir. A jornada do pequeno bruxo , é - e isto é óbvio - uma metáfora para a vida adolescente, e por isso talvez o produto criado por Rowling faça tanto sucesso e seja tão bem aceito mundialmente. Ao passo que o tempo chega, entretanto, adolescentes crescem, amadurecem, ganham responsabilidades e saem da escola. Não é diferente, portanto, o que acontece com o bruxo inglês criado pela escritora. O último livro da série, lançado há três anos, colocava um ponto final épico na história. Os nossos heróis por fim arranjavam uma solução para seus problemas, saiam da escola , e desafiavam seus inimigos. Neste último livro, que tem grande qualidade por sinal, os garotos que ''vimos'' crescer se tornavam enfim, o mais próximos de adultos o possível.

E se a série foi transformada sem pensar duas vezes em franquia cinematográfica, era preciso empregar a mesma sensação no último capítulo da série de filmes. O tom adulto já foi sendo aplicado a partir do quarto filme, para ser definitivamente explorado no quinto. Assim como nos livros, que passaram por uma sofisticação narrativa a partir do quarto volume, tomando um rumo mais sério do quinto em diante. Agora, no capítulo final, a série iria precisar de mais um ajuste - e ele seria a transformação definitiva de ''meninos'' em ''homens''. Talvez nem tanto na forma literal - eles na história tem apenas 17 anos - mas no modo de se ver o mundo. Tal modo de se ver o mundo também será, querendo ou não , compartilhado por quem assiste ao filme. Muito lógico, portanto, que Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 , seja o mais dramático e sério dentre todos os precedentes.


E devido à grande quantidade de informação contida no livro e também por essa mudança de rumo, o episódio final do bruxo nas telas teve que ser dividido em duas partes. Tal atitude tem conotações variadas, tanto para o estúdio quanto para o público. Para o estúdio, dividir o filme em dois é positivo, pois, na lógica capitalista, dois filmes valem obviamente mais que um . Para quem assiste, pode-se dizer um pouco dos dois. É bom por um lado, pois a adaptação terá mais tempo e espaço para transferir todo o conteúdo da obra literária. Por outro, temos um problema que parece até inesperado - a obra isolada perde um pouco de sua força.


A trama segue , como sempre, os nossos três heróis determinados. A diferença é que dessa vez eles estão em posição de xeque - Voldemort (Ralph Fiennes) está com força e influência total para capturar e matar Harry Potter. Isto fará com que ele e os dois amigos - Rony e Hermione - se distanciem da família para a segurança destes. A partir daí, eles precisam por em prática a última esperança que restou para derrotar O Lorde das Trevas - achar as Horcruxes que faltam ser destruídas.


A narrativa em si é deveras diferente das que foram desenvolvidas em filmes anteriores . Apesar do mesmo roteirista (Steve Kloves) estar presente desde o primeiro filme, desta vez ele tem não mais a tarefa de cortar as partes desnecessárias e enxugar as histórias dos calhamaços de Rowling em um longa de no máximo 2 horas e 30 minutos. O estúdio dessa vez deu luz verde para que o filme adaptasse o livro com a maior fidelidade possível, afinal, haveriam dois filmes, e não apenas um. O receio era obviamente apertar muitos acontecimentos e muitas emoções em pouco tempo, e portanto é compreensível e, até certo ponto, sensata a decisão dos realizadores. O resultado, pelo menos para quem leu o livro, é um prazer glorioso de ver páginas e páginas que você passou horas imaginando se concretizando na frente de seus olhos . Diálogos inteiros foram transcritos para o script, e as partes que precisavam ser cortadas ficaram muito bem adaptadas. Até aqui, sem a menor dúvida, é o filme mais fiel á obra da escritora inglesa. Tanto visualmente quanto em estrutura narrativa, há uma fidelidade quase obsessiva com o livro, coisa que só vi em algumas adaptações de HQs. E isso é muito bom.

É também muito bom ver que o roteiro é mais focado no drama, como deveria ser. O rumo da história a partir daqui, deve ser para algo mais adulto, maior e mais sério, sem dúvidas. Assim foi com o livro, e assim segue no filme. A maior parte do filme se passa com poucas pessoas sendo filmadas - basicamente os três protagonistas - em paisagens desertas, como montanhas ,florestas, pradarias. O drama neste ponto é intimista, interessante e muito necessário para a preparação de espírito dos personagens para o que vem a seguir. Como na vida real, é a fase de casulo que vai separar o adolescente do adulto. O livro baseia grande parte de sua história nesse momento, e no filme ele tem essa parte representada com justiça.


Entretanto, se o filme perde em alguma coisa, é na sua divisão. Não é por reclamar de falta de ação - afinal o filme tem seqüências de ação - mas é que o cerne da história, as grandes viradas e grandes revelações se concentram na última parte, que vai demorar ainda um pouco para chegar. Não que este filme tenha menos importância, mas é fato que a parte mais épica fica mais próxima do final, ou seja, na segunda parte. Isso gera , mesmo que num volume quase homeopático, um empalidecer da primeira parte. Ossos do ofício, um problema que nem se baseia no próprio filme em si, mas na expectativa gerada em cima dos dois.

E o papel de David Yates no filme não pode ser ignorado. As seqüências na mata , nos ambientes mais isolados , são quase dignos de filmes independentes, e , portanto, é preciso o mínimo de talento para carregar a narrativa sem perder o ritmo ou deixar o caldo desandar. Yates mostra que tem o necessário para fazer o filme se manter vivo nesse período, e mesmo sem grandes arroubos, demonstra que faz o que é simples bem, e que consegue variar entre o drama de câmera na mão com os close-ups nas correrias. É a sua direção mais comum até aqui, mas mesmo assim continua muito boa. E o que continua muito boa é a trilha sonora. A entrada de Alexandre Desplat não poderia ter sido mais saudável, e mesmo fazendo o que já foi testado - som de violino no grau que indica grandiosidade - ele demonstra ser diferenciado. Ponto para quem o escolheu.



Está cada vez mais próximo o fim da franquia de Harry Potter. E é muito bom saber que ocorreu, como qualquer adolescente, o amadurecimento final, tão necessário. Ele era algo anunciado, e enfim se concretiza. Por fim, resta a nós esperar pelo o último filme da série, que vem daqui a aproximadamente seis meses. Continua. Em breve.


A série Harry Potter é, sem dúvida, a maior da História do cinema, tanto em termos lucrativos como em amor do público. Como o cinema blockbuster ainda se apóia nos adolescentes, espectadores médios que querem apenas diversão, muitas franquias surgem com tramas aventurescas e limitadas, com única e exclusiva função de obter lucros. Transformers é uma delas e, ainda que tenha começado bem, teve uma segunda parte que fez jus a essa ideologia de cinema que só vê lucro. E Harry Potter começou como só mais um filme de aventura, discípulo de Star Wars, baseado numa série de livros que visava apenas um entretenimento passageiro e diversão voltada para o público infanto-juvenil. Porém, quando a escritora J.K. Rowling percebeu que o público que a acompanhava não iria gostar tanto de seqüências desnecessárias que eram apenas "mais do mesmo” (como as séries atuais Crepúsculo e Percy Jackson), resolveu amadurecer. Aproveitando sua competência adquirida com os 3 primeiros livros, J.K. criou O Cálice de Fogo com uma pegada um pouco mais séria. E isso fez um sucesso tão grande que ficou viável criar os 3 últimos livros com um clima bem mais denso.

Como não li nenhum dos livros e apenas vi o 1, o 3 e o 6, não posso afirmar que HP foi muito melhor nos livros que nos filmes (até porque sou a favor de uma pegada mais dramática e adulta no gênero fantasia, como Sandman), mas é fácil constatar que J.K. começou a virar escritora de verdade, romancista, a partir de A Ordem da Fênix. E mesmo que os fãs tenham reclamado tanto dos problemas de fidelidade dos filmes anteriores, é desnecessário comentar que nenhum deles deixará de ir conferir a nova aventura no cinema e encher os cofres da Warner. Mesmo tendo esse pensamento em mente, os executivos da Warner conseguiram unir o útil ao agradável, depois de mais uma bilheteria astronômica no sexto filme (que na minha visão, é bem legal): dividiram HP 7 em dois filmes visando mais lucro e menos sessões de cinema por dia, devido à quantidade grande de informações contidas no livro. E já que é pra dividir, criou uma adaptação literal, segundo meu amigo e co-editor Joaquim, leitor dos livros. Sendo assim, os fãs ficarão satisfeitos ao sair da sessão.


Mas e os não-fãs, como o escritor dessa crítica? Depende do tipo de público. Com certeza os leitores de HP não gostariam do filme se ele não fosse... um HP. O tom sombrio, quieto e bem solitário do filme só funciona com os jovens que acompanharam a série desde 1998(ou 2001, no primeiro filme) por ser baseado no livro do personagem preferido dos juvenis. Praticamente um Road movie com tons de fantasia e umas duas parcas seqüências de ação, HP e as Relíquias da Morte Parte 1 é um passo gigantesco a franquia, se tornando algo a mais que o alegre balé de vassouras dos 3 primeiros, os dilemas dramáticos do quarto e a fantasia séria dos 2 filmes anteriores. Numa análise mais profunda, sem contar com a vindoura segunda parte, o filme poderia até ser considerado como um estudo da solidão de 3 recém-adultos, os limites deles e os dramas de suas vidas. E nesse drama o filme ganha mais pontos, afinal os personagens de HP podem até ser bem-desenvolvidos, mas são em sua maioria, arquétipos com dramas de mesma categoria.

A trama começa com a ameaça de Lord Voldemort (Ralph Fiennes) ganhando proporções épicas, forçando Harry, Ron e Hermione a tomar providências para proteger seus familiares. Com o inimigo se tornando cada vez mais forte, é preciso esconder Harry Potter, que se torna a última esperança da resistência dos bruxos para impedir o reinado de Voldemort. Com a queda do Ministério da Magia e sua posterior reestruturação pelo inimigo, a situação se complica. E os três amigos partem em busca dos únicos artefatos que podem parar de uma vez por todas esses eventos: as horcruxes.


Ressalto novamente que não li o livro, mas quem leu diz que a fidelidade foi obsessiva. Deixando isso de lado, avaliarei apenas como filme. O roteiro, pela sexta vez adaptado por Steve Kloves (depois de uma entrada mal-sucedida de Michael Goldenberg no quinto, fazendo os fãs chiar), é vitorioso em diversos pontos. Sua estrutura é completamente diferente dos anteriores e puxa mais pro lado dramático, quase se esquecendo de toda a desenfreada trocas de magias atiradas pelas varinhas. Há sim os confrontos, todos se encaixando perfeitamente na narrativa, mas eles são praticamente sufocados pelo isolamento que ocupa 75% do filme.

Esse isolamento, presente no livro, se faz necessário justamente para haver o desenvolvimento aprimorado de personagens e a quantidade grande de detalhes que HP 7 oferece. Se o sexto filme apostava num ritmo fluente e drama conciso porém pouco maduro (Hermione chora por Rony, sendo que o Mal está presente no mundo da magia), a coisa se torna muito mais séria aqui. Não só tendo que se preocupar com a ameaça de Voldemort, os 3 amigos agora tem que lidar com os problemas pessoais, que acabam culminando em tocantes sacrifícios, como o feitiço de Hermione em seus pais.


Algumas sacadas do contexto daquele universo colocadas em tela também são interessantes, como a bolsa infinita de Hermione, uma inteligente saída para uma possível falta de continuidade futura, com alguns objetos podendo aparecer sem explicação em tela. Quanto ao ritmo do roteiro, Kloves foi meticuloso. Esse drama todo usado para a construção de personagem, nunca visto na série, é espetacular e torna o ritmo desse filme muito melhor que o dos outros. Essa jornada existencial é interessantíssima e parece retirada de um road movie europeu. A utilização de ambientes abertos, entupidos de natureza em sua forma selvagem, se fazem necessária também como saída narrativa (Hermione imagina os lugares pra onde os 3 vão) e como uma belíssima metáfora da natureza sufocando as personalidades perdidas do trio. E se 75% do filme são nessas partes esplendidamente construídas, os outros 25% são muito bons também, mas é onde residem os típicos problemas da franquia. A memorável seqüência no Ministério da Magia é organizada de forma ágil e tem cortes sucintos, com informações brotando na tela sem soar gratuitamente, porém tem os conhecidos alívios cômicos da série, um verdadeiro abismo de contraste em relação aquela solidão.

As poucas seqüências de ação empolgam, sem atrapalhar as partes dramáticas e acrescentando tensão á película. Nas florestas, sempre existem alguns guardas procurando o trio, o que torna tudo mais realista e natural. Há sim batalhas épicas, como a que abre o filme, um duelo de magias no meio da cidade, mas parece que o roteirista deixou todo o tom exageradamente épico no trailer para a Parte 2. Sendo assim, é fácil constatar que essa Parte 1 só é apreciada e vista no cinema por ser baseada no livro tão amado pelos adolescentes. Com certeza, se não houvesse a presença do bruxo ali, várias pessoas tachariam o filme de chato, modorrento e sem clímax. Não é o meu caso, que mesmo sem ser fã adorei, mas é instigante o fato de que o público a quem se destina o filme, simplesmente não gostaria isoladamente. Até mesmo os fãs estariam reclamando dessa falta de clímax e do ritmo lento se não fosse a fidelidade absurda. Mesmo sem final, sem ação e com pouco ritmo, HP 7 agrada bastante pelo drama ali colocado, mesmo que ele não seja todo esse abismo choroso.


Se o roteiro de Steve Kloves impõe ao filme um tom digno de filme indie como Valhalla Rising, a direção caprichada de David Yates entende isso e faz um trabalho seguro. Na pouca ação existente, a condução é interessante e competente, tendo destaque a já citada batalha no Ministério da Magia e o espetacular confronto na floresta, acompanhado com o mesmo filtro de câmera de Robin Hood, que auxilia a movimentação. Além disso, a seqüência é registrada apenas pelo barulho dos personagens e o som abafado dos "tiros", o que traz uma elegância nova aos confrontos da saga.

Nas partes dramáticas, Yates conduz normalmente, ainda que erre alguns enquadramentos e deixe de trocar o foco dos zooms. Mesmo assim, os erros são perdoáveis vistos perto da interessante saída que o diretor arrumou para as seqüências de impacto: A câmera na mão. Tremida, a câmera dá certo desconforto e surge logo que os personagens estão tendo um conflito verbal ou sentimental. É uma solução manjada em certos filmes, mas quando visto numa série com direções de aluguel e drama pouco atrativo (por ser tipicamente adolescente) nos capítulos anteriores, é de se reconhecer a inteligência do competentíssimo diretor.


A fotografia de Eduardo Serra, depois da saída do indicado ao Oscar Bruno Delbonell, é interessante, ainda que perca grandiosamente para o esverdeado clima do filme anterior. Ainda que nas seqüências urbanas a fotografia não passe da média, nas seqüências de natureza é linda a percepção do fotógrafo em deixar o clima mais sombrio. Uma solução inteligente e que torna o filme esteticamente belíssimo, como na seqüência de neve. A trilha sonora de Alexandre Desplat mantém o nível ótimo de compositores que a série teve e cria notas grandiosas, ainda que siga o estilo fantasioso de John Williams em alguns pontos. Nas partes dramáticas, porém, a trilha se sobressai e se distancia do resto das melodias que permearam a saga. A edição de Mark Day é sucinta e auxilia bem a direção, mesmo sem se destacar.

Nas atuações, pouco a se falar, mas é notável de que Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint aprenderam a atuar e melhoraram as atuações animadinhas dos primeiros capítulos e os tiques dos dois episódios anteriores (Emma sempre chorosa, Grint só servindo como alívio cômico). Agora o negócio é mais sério e os atores captaram a essência do roteiro, fazendo com que os 146 minutos passem tranquilamente.

No geral, Harry Potter 7 agrada bastante e consolida os novos (e certos) rumos que a série tomou. Que a seriedade continue na Parte 2, que tem promessa de bastante ação e onde residem todos os clímaces que faltaram a essa Parte 1. Talvez o ritmo maravilhoso desse dramático episódio desande, mas já fica a certeza de que a espera continua, mais amplificada. Um excelente filme sobretudo e um gigantesco passo rumo à maturidade absoluta da antes boba série que agora entra no panteão das melhores obras juvenis da história.


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