domingo, 14 de novembro de 2010

Mulher Maravilha
(Wonder Woman, 2009)
Aventura - 74 min.

Direção: Lauren Montgomery
Roteiro: Michael Jelenic

Com as vozes de: Keri Russell, Nathan Fillion, Alfred Molina, Rosario Dawson, Oliver Platt e Virginia Madsen

A DC Comics tem três pilares que sedimentam a editora. Três personagens tão icônicos que quase todos os seres viventes na terra sabem reconhecê-los com o simples mencionar de seus nomes. Os nomes Batman, Superman e Mulher Maravilha são reconhecíveis por crianças e adultos dos quatro cantos da terra.
Porém, dentre os três a mais "maltratada" sempre foi a amazona. Se Superman teve 5 filmes de cinema, mais séries de TV e desenhos animados e o Morcego 6 filmes de cinema, seriados de TV e diversas séries animadas, a amazona se contenta com aparições no desenho Superamigos, uma série de TV e participações na série animada da Liga da Justiça. Nem sequer uma produção de cinema foi destinada a essa personagem tão importante para a história dos quadrinhos de super-heróis.
Por isso quando a DC Animation lançou Mulher Maravilha para o mercado de home-video a única expressão que me coube foi: "finalmente".


Só por ser a primeira "origem" da personagem contada nas telas já merece uma olhada. A diretora Lauren Montgomery trouxe - por razões óbvias - um olhar mais apurado sobre a feminilidade, o que num mercado essencialmente machista já é um tremendo avanço.

O filme narra os primeiros dias de Diana como a Mulher Maravilha. A origem da personagem em uma seqüência pré-creditos fabulosa é extremamente cinematográfica, apresentando uma batalha sensacional. Essa seqüência estrelada pela mãe de Diana, Hypollita, sedimenta o plot de maneira inteligente e ainda reserva surpresas para os não iniciados.

Lembrando muito o antigo Fúria de Titãs em sua abordagem mitológica, essa abertura é a forma mais do que ideal de iniciar o filme, que desde sua base é "maior que a vida", diretamente ligada aos mitos gregos.


De imediato também é possível perceber o cuidado quase artesanal para construir cada personagem com detalhes que as diferem entre si e uma adequação aos traços mais "comuns" aos gregos, como narizes alongados e retilíneos, rostos mais finos e "viris" e um maior cuidado com a anatomia, que tenta não transformar as amazonas em atletas de levantamento de peso ao mesmo tempo em que não as transforma em modelos de biquíni.

Existe um saudável equilíbrio entre o apelo sexual da civilização composta só de mulheres com a funcionalidade de suas armas - ou seja, seus corpos.

Outro destaque que permeia o filme e que já na abertura é notada, é sua trilha sonora que bebe na fonte dos épicos como Ben-Hur, Dez Mandamentos, Tróia, Senhor dos Anéis e afins. Orquestra completa cheia de cordas e com especial destaque aos instrumentos de sopro num trabalho de grande talento do compositor Christopher Drake.


Dessa abertura fulgurante, passamos a acompanhar a rotina na ilha e o plot que surge quando acidentalmente um piloto americano cai na ilha de Temyschera - lar das amazonas - e tem de ser levado ao "mundo dos homens" como as amazonas chamam o nosso pedaço do planeta. Ao mesmo tempo em que um antigo - e mitológico mal - é liberto de sua prisão.

De cara, a diretora Montgomery é feliz ao mostrar as incríveis diferenças entre o pensamento radicalmente feminista das amazonas e a do piloto acidentado, Steve Trevor. Desde sua chegada quando ele surpreende um banho das amazonas na cachoeira até seu contato com Diana, tudo é religiosamente feito para discernir os dois mundos. Porém, e esse é o grande mérito, tudo é feito com bom humor resultando em diálogos maliciosos e engraçados que ajudam ao público a não repudiar o comportamento quase fascista das amazonas.

Essa questão da óbvia abertura do mundo fechado das amazonas ao mundo externo é abordada com felicidade também. A constante tensão sexual ajuda a "quebrar o gelo" e transforma um assunto difícil em algo mais facilmente digerível por um público que não está - em sua maioria - interessado em nada mais do que uma boa aventura.


Esse talvez seja o calcanhar de Aquiles - pra ficar nos mitos - do filme. Sua primeira parte funciona maravilhosamente bem. Os discursos sexistas de Hypollita, que apesar de seus motivos para "odiar" os homens, é extremamente radical são discretamente fundamentados pela "pureza" que permeia a própria época em que a personagem foi criada. Lembremos que apesar de toda a "ousadia" de criar uma heroína nos anos quarenta, ela ainda vinha de uma sociedade somente feminina, sem contato com os homens, onde foi treinada quase como uma máquina para seu objetivo de ser uma amazona. Sem as eventuais "distrações" que geralmente ocorrem entre homens e mulheres, ao mesmo tempo em que as amazonas nunca foram apresentadas como homossexuais, o ideal de sua criação fica claro: a Mulher Maravilha é a heroína da família. Vence os inimigos com seu sexy visual, mas se mantém intocada e virginal.

O discurso de Hypollita tem a ver com essa idéia. Ao prevenir que Diana esteja propensa a enfrentar os "males" do contato com o homem, ela reforça o conceito obsoleto de que todos os homens são iguais ao mesmo tempo em que ignora o fato de que a mulher também tem escolha. Esse discurso fajuto de pseudo-igualdade feminista nunca funcionou já que não leva em conta dois fatores claros a qualquer discussão sobre o assunto: que a atração física é um fato da vida humana e que homens e mulheres são diferentes sim e cada qual com sua diferença devem aprender a conviver e a explorar suas qualidades e aprender a melhorar suas fraquezas, além de no fundo é machista ao não crer que uma mulher possa resistir aos encantos do "macho".


Esse discurso, que renderia uma beleza de segunda parte abordando com mais inteligência as diferenças entre o mundo mágico das amazonas e a realidade do mundo, é raso. Até existem momentos em que a história tenta mostrar isso, com destaque à cena em que Trevor e Diana tomam um porre num bar, mas é muito frágil e esqueçe de continuar o desenvolvimento de seus personagens iniciado anteriormente. O crescimento daqueles personagens fica no meio do caminho e a história caminha para a aventura cartunesca e de final risível que insere o governo americano - totalmente deslocado - e uma batalha num cartão postal da capital americana.

Apesar de tecnicamente correta e com senso de aventura "no talo" para a história a solução é simplista e superficial, que destrói o ritmo do filme. Parece, vendo de fora, que cortaram quinze minutos do filme onde os planos do vilão e o desenvolvimento dos personagens estavam inseridos.


O elenco de vozes do filme é estrelado: Kerri Russell (da série Felicity), Nathan Fillion (da série Firefly), Alfred Molina (Chocolate), Rosario Dawson (Alexandre, Sin City), Oliver Platt (2012) e Virginia Madsen (Sideways). Todos em papéis de destaque e com tempo para desenvolverem - na medida em que o filme permite - seus papéis.

A parte técnica e visual é deslumbrante perto dos dois filmes anteriores da casa (Gotham Knight não entra na conta por ser um anime). Desde a já citada caracterização crível dos personagens, passando pelos cenários e pela edição que é inteligente com a ação, camuflando a violência em excesso - como na abertura. Outro destaque é para a composição do "Inferno" que enfatiza a dubiedade de Hades.

Mulher Maravilha é mais um filme que sofre do "mal" dessas primeiras animações DC. Começa de maneira exemplar e vai perdendo força, quase como que se não soubesse se encerrar. Falha ao iniciar o desenvolvimento de seus personagens e deixá-los pelo meio do caminho, apostando numa batalha final simplista e que não convence. Um passo atrás frente aos bons, Morte do Superman e Liga: Nova Fronteira e uma introdução pálida da personagem nas animações em longa-metragem.


Nenhum comentário:

Postar um comentário