sábado, 27 de novembro de 2010

Scott Pilgrim contra o Mundo
(Scott Pilgrim vs the World, 2010)
Ação/Comédia - 112 min.

Direção: Edgar Wright
Roteiro: Michael Bacall e Edgar Wright

Com: Michael Cera, Mary Elizabeth Winstead, Kieran Culkin, Alison Pil, Mark Webber, Johnny Simmons, Ellen Wong, Anna Kendrick, Brandon Routh, Chris Evans, Jason Schwartzman


Falar sobre cultura pop e atingir ao público que devora games, quadrinhos, tecnologia, música e cinema nos anos 2000 é um trabalho hercúleo. Saber quais botões apertar sem parecer desesperadamente deslocado e conseguir a atenção de uma geração que foi criada - e até nascida - sob as asas da "novidade da semana" é cada dia mais raro. São chamados geração Y.

Scott Pilgrim contra o Mundo é - e não tenho o menos medo de afirmar categoricamente isso - o melhor exemplar cinematográfico para essa geração geek. Curioso que num mesmo ano, dois filmes tiveram a audácia de assumir descaradamente que eram dirigidos ao mesmo público ruidoso. O primeiro foi o já comentado por aqui - e em milhões de outros lugares - Kick Ass. Diferente de Kick Ass que parodiava os heróis sem grande pretensão de adequar sua linguagem visual a seu público, Scott Pilgrim, além de rechear suas duas horas de ação ininterruptas com cultura pop na veia, teve a inteligência de apresentar-se visualmente interessante para seu público.

Cortes secos, passagens "estúpidas", efeitos visuais integrados diretamente as seqüências de ação e uma fabulosa habilidade de transformar uma premissa risível (garoto tem de enfrentar os sete namorados super poderosos de sua atual namorada) em uma cativante história, nada pretensiosa, mas extremamente eficiente.


Sobram elogios a toda equipe de produção. Bill Pope é um monstro. Simples assim. O que ele consegue fazer em termos visuais é verdadeiramente impressionante. É daqueles filmes que seu queixo vai cair a cada dez segundos com o trabalho monumental de efeitos visuais, design de produção (Marcus Rowland) e afins.

A começar pela impagável seqüência ao som de um Nintendinho oito bits no logo da Universal, passando pela inacreditável cena da batalha de bandas emulada com avatares monstruosos e as diversas referências aos games e quadrinhos. Outra questão fundamental é sua montagem magnífica (Jonathan Amos e Paul Machliss) que atinge no peito seu público alvo. Rápida e bastante inteligente, ela não perde tempo expondo nada mais do que ele - filme - julga ser necessário.

Mas nada dessa impressionante apresentação valeria de nada caso a história - aparentemente boba e nonsense - não funcionasse e fosse minimamente interessante. Ela é. E, além disso, recheada de um bom humor e de um timing único na recente safra de filmes blockbusters. A relação quase obsessiva de Scott por Ramona - sem nenhuma motivação lógica - é um simulacro nerd do que conhecemos como paixão. E sua curva dramática - chamemos assim - é sim perceptível. Um rapaz que surge em tela como um rapaz pós-adolescente com medos e traumas em suas relações termina conhecendo melhor a si mesmo e sabendo lidar com esses problemas. Nada verdadeiramente profundo, mas ideal para a geração a que se dedica.


A geração Y, entre muitas outras características, é conhecida por seu desprendimento dos detalhes e sua ansiedade quase doentia. Natural então mostrar as relações de forma - apesar de caricatas - ágil e apresentar as trocas de parceiros como algo natural e que - em especial no caso de Ramona e Scott - acrescentam valores e criam marcas e cicatrizes.

Os atores desempenham seus papéis com segurança. Michael Cera é a âncora que nos faz fincar os pés na terra firme. Seu trabalho contido é deslumbrante. Seu Scott Pilgrim é o verdadeiro herói de uma geração, sem as horas "perdidas" em academias, ou a pseudo virilidade dos heróis de ação dos anos 80. Gostando ou não, o ator representa seu público e é encarado assim pelos estúdios. Além dele, desfilam pela tela uma infinidade de participações especiais inteligentes e divertidas. Desde Brandon Routh - num mix de emo com Goku de Dragon Ball - a Chris Evans - divertindo-se muito como o astro de ação skatista - e o sempre (ou quase) eficiente Jason Schwartzmann como o empresário bad-ass Gideon. Isso sem contar Kieran Culkin, hilário como o companheiro de quarto gay de Scott (um detalhe interessante e que merece comentários é a normalidade positiva com que o filme encara o homossexualismo), a engraçadíssima Ellen Wong, como a maluca Knives, Mary Elizabeth Winstead como a mais que deslocada Ramona Flowers e a hilariante Alison Pil como a baterista Kim.


A trilha sonora (Neil Gordich) é genial e uma das mais empolgantes do ano. O fato de Scott fazer parte de uma banda ajuda muito, mas de qualquer jeito, as músicas e a forma como a trilha é usada no filme é outro acerto colossal. As músicas da banda tem a assinatura de Beck (aquele mesmo).

Scott Pilgrim, apesar de não querer ser encarado como nada mais do que uma diversão descompromissada e leve, é uma excelente maneira de uma parcela cada vez maior de jovens se identificarem com um casal na tela. Seja pelas roupas, o som ou mesmo a forma natural com que os relacionamentos são apresentados na trama. Fugindo do óbvio melodrama das comédias românticas açucaradas e destinadas a donas de casa entediadas ou a namoradas sonhadoras, Scott Pilgrim é a comédia romântica mais pop da história do cinema. Romântica e pop na medida exata para seu público, diferente de todas as gerações anteriores.


Por que?

Vivemos num mundo onde pouquíssimas pessoas namoram e casam com apenas uma pessoa. Vivemos num planeta interconectado com todos. A vida virtual deixou de ser virtual há muito tempo, e cada vez mais nos vemos usufruindo as redes sociais da mesma forma que nossos pais aguardavam por telefonemas, e nossos avós por cartas. Faz parte da evolução da sociedade e das tecnologias criadas pela mesma. Negar isso, e dizer simplesmente que os jovens trocaram suas vidas reais pelas virtuais é - além de um argumento que nega completamente a afirmação sobre a frivolidade de seus relacionamentos, ou esses jovens namoram e transam com robôs? - uma mentira. Somos ligados a uma rede de conexões que nos permite viver em contato com quem quisermos da forma mais ágil e incrível do que em qualquer outro momento da história.

É claro que existem excessos. Mais eles existem na história da sociedade em todos os lugares e sobre todas as mídias. Quando a TV surgiu, pipocavam "teorias" dizendo que a exposição maior do que determinado número de horas prejudicaria eternamente os olhos ou coisa que o valha. O mesmo foi feito com os games, e num passado longínquo com os quadrinhos e numa eternidade sombria e esquecida, com os livros e o conhecimento.


Apurem a sensibilidade de seus ouvidos para ouvirem ao fundo a nova geração. Eles chegaram, e venceram. E Scott Pilgrim contra o Mundo será uma de suas bandeiras.

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