quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Machete
(Machete, 2010)
Ação - 105 min.

Direção: Robert Rodriguez e Ethan Maniquis
Roteiro: Robert Rodriguez e Álvaro Rodríguez

Com: Danny Trejo, Jessica Alba, Robert De Niro, Steven Seagal, Don Johnson, Michelle Rodriguez, Jeff Fahey, Lindsay Lohan, Cheech Marin, Tom Savini

Robert Rodriguez não deve ser levado a sério. Em sua carreira, o diretor mezzo chicano, mezzo texano nunca tentou fazer nada que fosse digno de premiação ou de elogios efusivos de crítica. Sua praia sempre foi a diversão descompromissada. Sua filmografia é quase um paralelo chicano com Woody Allen (não me xinguem ainda fãs) que também situou a imensa maioria de suas histórias em seu quintal, falando sobre quem conhecia e sobre si mesmo. Rodriguez, muito longe de ter o talento e a sagacidade de Allen, tenta fazer o mesmo desde sua estréia com El Mariachi. Mesmo quando saiu da fronteira Estados Unidos/México, aventurando-se em Sin City e na fantasia dos Pequenos Espiões sempre guardou alguns fetiches e elementos comuns a seus demais filmes. Em Sin City por exemplo, a violência cartunesca do quadrinho é ideal para um cineasta que construiu sua carreira sobre a "casadinha": violência explícita e humor negro, e em Pequenos Espiões estão alguns atores fetiches do diretor: Banderas e Danny Trejo (que segundo li interpreta um envelhecido Machete num dos longas da série).


Em seus demais filmes Rodriguez parece não saber - ou não querer - sair da zona de conforto e inovar ou ousar em alguma coisa diferente. Seria interessante ver o cineasta fugindo da paisagem arenosa e da bebida barata e se aventurando em outras freguesias.


Por enquanto, Rodriguez parece feliz e continua interessado em revisitar - novamente - sua "mitologia". Em Machete é a vez da história do ex-policial mexicano que após ser traído se vê perseguido por policiais corruptos, matadores de aluguel e senadores psicopatas.

O problema de Machete é que ele se leva a sério demais, e talvez por isso Quentin Tarantino - que tem um gosto para cinema bastante peculiar - tenha conseguido "enfiar" o filme no festival de Veneza. Tendo a desculpa de que por baixo de todo sangue, tripas e peitinhos havia uma discussão sobre o preconceito com os imigrantes na fronteira dos Estados Unidos.

Ao se levar a sério demais, o filme perde a chance de ser divertido ou, ao menos, exibir algumas seqüências violentas e sem o menor compromisso em serem plausíveis, em suma, em manter o clima de El Mariachi, Desperado, Drink no Inferno e em menor grau Era uma Vez no México.


Machete se perde também ao não conseguir segurar o ritmo alucinante - e mentiroso - de seus primeiros quinze minutos. Nessa abertura imunda, vemos a primeira das duas traições que nosso herói sofre. Nele estão presentes os elementos mais esperados pelos fãs e por aqueles que não conseguem enxergar Rodriguez como um cineasta com "algo a dizer". Estão lá, a técnica propositalmente tosca, diálogos canhestros, nudez e sexismo gratuitos, violência explícita e humor negro. Se Machete mantivesse o ritmo de sua abertura teríamos um dos filmes mais divertidos do ano, sem a menor dúvida.

Rodriguez no entanto, talvez seduzido pelo elenco estelar, tenta dar algo a dizer a todos os personagens minimamente importantes no filme. Isso acarreta num festival sem graça de diálogos risíveis, de atores atuando - ou não - com o carisma amarrados por um fiapo de roteiro que apesar de não ser confuso é frágil e tem desfecho irregular e enfadonho.

Rodriguez ainda peca ao não apresentar o que o trailer falso de Grindhouse indicava. Danny Trejo, no trailer, aparecia como o maior dos bad-asses que mutila e transa com a mesmíssima habilidade. A exceção de uma bizarra e hilariante sequencia que envolve intestino delgado, Machete parece uma variação de outros personagens criados e interpretados por Stallone, Chuck Norris e afins. No quesito nudez gratuita, a exceção da cena de abertura já citada, tudo é muito "American Pie". Um peitinho aqui, uma camuflagem digital ali e nada mais.


Machete é filmado como um filme b, apesar de orçamento razoável, tem créditos de abertura muito interessantes e trilha sonora (da banda Chingon) que amplifica o clima de imundice da história.

Os atores - uma seleção de gente interessante ou falida - são heterogêneos assim como o resultado de suas aparições em tela. Se Don Johnson está excepcionalmente caricato como o policial doentio Von Johnson, Jeff Fahey é medíocre (tendo direito a uma das piores frases de efeito da história: "Eu odeio é a queda de lucros"), De Niro se esforça para ser ainda pior do que seu papel e Michele Rodriguez repete pela enésima vez o mesmo papel de vigilante masculinizada (dessa vez de tapa olho). Jessica Alba - virtualmente pelada - tenta fazer alguma coisa sendo a única personagem razoavelmente realista na fauna de personagens bizarros de Rodriguez, sendo dela o papel de ser a ligação entre o espectador e o filme. Não consegue, sabotada pelo acumulo de personagens e de atores que precisam dizer alguma frase de efeito infeliz para a câmera.


São os casos de Lindsay Lohan - como todos sabem, interpretando quase a si mesma -, Steven Seagal, que além de limitado por seu físico não consegue convencer ninguém de que um dia foi o monstro que impressionou a todos em clássicos da força bruta como Marcado para a Morte, Fúria Mortal, Nico - Acima da Lei, A Força em Alerta, Difícil de Matar entre alguns outros, Tom Savini (uma das figuras do underground mais interessantes) que não tem tempo para fazer muita coisa e Cheech Marin, que é figurinha fácil nos filmes de Rodriguez, mas que é um ator limitado e que sempre é lembrado por Cheech e Chong (se não viu, corra e procure).

E Danny Trejo?

Pessoalmente sempre achei Trejo uma figura sensacional. Medonho, com seu bigodinho cafajeste e seus cabelos de vocalista de metal melódico e uma quantidade insana de tatuagens de cadeia, o ator (que já comeu o pão que o diabo amassou) é um dos mais prolíficos na profissão, com cerca de duzentas participações como ator (contando ai pontas) em diversos filmes variando de Fogo contra Fogo (do mestre Michael Mann), Desejo de Matar 4, Marcado para a Morte entre muitos e muitos outros.


Machete é a coroação merecida. E ele está muitíssimo à vontade no papel, criado para ele por seu chapa Rodriguez e talvez seja por isso que Machete não é insuportável de ser visto. Uma pena que o "chapa" maltrate seu herói, transformando-o em mais um personagem a partir da metade da narrativa, fazendo a batalha de um homem só se transformar numa infeliz guerra de cowboys contra "índios".

Muito longe de ser um exemplar legitimo - ou mesmo inspirado em - exploitation, o filme parece ter sido feito como medida para os adolescentes revoltadinhos americanos. A esses recomendo irem a fonte original da devassidão e imoralidade em pérolas como a trilogia de Ilsa, os filmes do blaxploitation, Cannibal Holocaust e dezenas de outros que entregam aquilo que prometiam: violência, sexo e diversão escapista.


Nenhum comentário:

Postar um comentário