quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Alber Nobbs


Albert Nobbs
(Albert Nobbs, 2011)
Drama - 113 min.


Direção: Rodrigo Garcia
Roteiro: Glenn Close, John Banville


Com: Glenn Close, Janet McTeer, Mia Wasikowska, Brendan Gleeson, Pauline Collins e Aaron Johnson


A grande engrenagem que move a vida dos seres humanos - não importa seu gênero - são seus sonhos, suas metas, seus objetivos - e também sua liberdade. Albert Nobbs é uma obra que debate a repressão da mulher em uma sociedade arcaica e revela que por trás da fêmea travestida de homem, existe, na verdade, uma fonte inesgotável de força. Estamos em pleno século XIX, e não é novidade que ser mulher num ambiente desses não nada é fácil: são criaturas sem expressão política, com um papel social praticamente nulo e que dificilmente vão se virar na vida sem depender de um homem. As poucas que conseguem são viúvas que herdaram algo do falecido companheiro. Neste contexto, se o movimento feminista organizado ainda não possuía forças, talvez a única saída para uma mulher almejar sua sonhada independência fosse fingindo ser alguém do sexo masculino.

É justamente isso que a personagem-título de Albert Nobbs faz. Escrito por Glenn Close e John Banville, adaptado do livro "The Singular Life of Albert Nobbs" de George Moore, o roteiro conta a história dessa mulher (Glenn Close) que se passa por homem para desempenhar o papel de garçom  num hotel da Dublin do século XIX.  Nobbs é um  funcionário discreto, mas extremamente eficiente, que junta dinheiro para um dia conseguir montar seu próprio negócio. Quando Nobbs conhece Hubert Page (Janet McTeer), um pintor do hotel que esconde o mesmo segredo - é também uma mulher travestida -  seu sonho parece ganhar contornos mais sólidos: constituir um casamento e se tornar dona de uma tabacaria, com uma esposa trabalhando no balcão, como se fazia antigamente. Nobbs pretende se casar com uma empregada do hotel, Helen Dawes (Mia Wasikowska), mas a tarefa não será tão fácil já que Helen é apaixonada por Joe Mackenzie (Aaron Johnson).

O script de fato não possui rebuscamento suficiente para figurar entre os pontos altos do longa - há uma esquematização típica e uma divisão de arcos simplória que transforma sua narrativa previsível e também bastante modorrenta - mas sua mensagem central possui pontos bastante notáveis. Toda a abordagem acerca da saga de suas protagonistas - Albert e Hubert - possui momentos mui valiosos. É um filme que toma suas personagens principais por seres fortes e dispostos a lutar tortuosamente por seus sonhos, sua vida digna. Muito diferente de Histórias Cruzadas - filme que deve levar justamente as duas indicações de Albert Nobbs, atriz e atriz coadjuvante - em Albert Nobbs, não se subestima a classe em desvantagem . Não há nenhum homem rico e bondoso que realiza caridade para ajudar mulheres coitadas que se fantasiam de machos. Como símbolos de mulheres fortes, elas resolvem seus próprios problemas , e encarnam um tipo de ativismo feminista.




Aqui, nada vem de graça, e a briga diária engrandece as fêmeas que acompanhamos a cada frame. Há a questão sobre a sexualidade de Albert e Hubert: ao se tornarem homens, será que não ocorre a perda de reconhecimento como mulher para ambos? A melhor resposta vem com uma imagem: a interessante cena em que Janet McTeer, vestida de homem, levanta sua blusa e mostra seus seios. Ambas ainda são mulheres, porém, são exemplares fortes, que não desistem do seu ideal. Mas fica claro que o sonho de Nobbs, antes de qualquer prazer derivado de sua sexualidade, é sua independência econômica, mas principalmente, sua liberdade social: poder viver sem ser julgada, condenada pela sociedade, com a plenitude que todo ser merece.

Mais do que o mero prazer carnal, é sua condição como humano - não importa seu gênero - que interessa a ambos. Direitos universais que pela história foram sendo tirados das mãos da classe feminina. O sonho da dupla é amplo, e reflete demandas legítimas, com uma carpintaria dramática muito bem respaldada. O sofrimento de alguém que clama por independência é grande, e a importância desta conquista é tamanha, que supera suas “escolhas sexuais” - as duas não se importariam em viver como maridos para o resto da vida, se isto fizesse com que fossem donas de seus próprios narizes.

Ajuda muito na composição de seus personagens as atuações de Glenn Close e Janet McTeer. A primeira dá um banho compondo uma personagem que trabalha em vários níveis, fechada e extremamente complexa, que não se abre facilmente, e demonstra introversão para a maioria das pessoas. Close consegue capturar a fratura dentro dos desejos de Albert Nobbs: é um sujeito perturbado - e tem motivos - que consegue ser completamente absorvido pela competente atriz, que desaparece no papel.  McTeer tem sucesso em fazer transparecer o outro lado da moeda deste dilema, transmitindo a plenitude de uma personagem que já se acostumou e obteve certo êxito na sua vida "travestida". Atua com naturalidade, distante de qualquer exagero, passando tridimensionalidade admirável.




A parte ruim é que o foco em seus personagens principais é vez ou outra tirado para dar valor às figuras de Mia Wasikowska e Aaron Johnson, atores que representam suas personas com esforço, mas que não conseguem conferir alguma profundidade ou relevância a elas. Desse modo, a mensagem contida em algumas passagens de Albert e Hubert  acaba sendo diluída. Esquemático, mas possuindo fortíssimas atuações e um "ativismo" respeitável como mensagem, Albert Nobbs é um filme que mostra a força feminina legítima, que pode ser representada de vários modos, até mesmo no ato corajoso de se vestir de homem.


Nenhum comentário:

Postar um comentário