sábado, 18 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro

A Dama de Ferro
(The Iron Lady, 2011)
Drama - 105 min.

Direção: Phyllida Lloyd
Roteiro: Abi Morgan

Com: Meryl Streep, Jim Broadbent e Richard E. Grant

Meryl Streep conseguiu. Durante as quase duas horas de duração de A Dama de Ferro, a brilhante atriz conseguiu me fazer simpatizar com uma das personalidades mais detestáveis do século XX. A primeira mulher ocidental a comandar um país é uma figura tão complexa e criticável que mereceria toda uma coluna só para analisar seus anos no governo britânico.

Porém, como o foco é o filme, a dramatização de fatos e momentos de sua vida passadas através do filtro de um realizador, basta dizer que segundo a diretora Phyllida Lloyd, Thatcher foi uma mulher dura, mas comprometida com seus princípios, que acima de tudo queria um país melhor. Certo?

Nem tanto. Se analisarmos a personagem real fora do filtro é praticamente impossível concordar com a aura quase de conto de fadas que o filme de Phyllida tem. São diversas sequencias de dança, de apreço de Thatcher pelo filme O Rei e Eu (o que não esconde as raízes musicais da diretora, que dirigiu Mamma Mia), de discursos pseudo-feministas, tudo para no fim dizer que ela salvou a Inglaterra de uma barbárie iminente. Sempre que uma figura polemica é biografada, esse tipo de problema surge. Se por um lado os conservadores aplaudem sua heroína tendo a chance de contar "sua história", os demais vêem o filme, como mais uma tentativa de reescrever a historia, ignorando todos os problemas da administração Thatcher.


Thatcher foi uma mulher dura, quase uma ditadora em sua postura para com o país e seus pensamentos, e que tem suas características explicadas aqui, como resultado do fato dela ser a única mulher no meio da corja de lobos (segundo o filme) que formavam  os muitos níveis do governo britânico. Portanto, era necessária que sua postura fosse igualmente agressiva e virulenta na lida com aquele mundo de homens.

Além de ser uma explicação quase misógina (e pior, vindo de uma mulher) já que quer dizer nas entrelinhas, que para uma mulher sobreviver no mundo da política ela precisa ser mais agressiva do que os homens, afastando no caminho todos a sua volta, é simplista, já que não leva em consideração - isso no filme é mostrado com uma preguiça enorme - a formação pregressa da garota.

Seu pai, visto em sequencias curtas, era um líder político de sua cidade, e Margaret a enxergava com muita admiração, mas é curioso que o discurso do pai da futura primeira ministra, seja quase o oposto ao da já primeira ministra Thatcher. Além disso, quando Thatcher encontra seu "verdadeiro amor", na figura de Denis (na versão jovem interpretado por Harry Lloyd e na versão idosa por Jim Broadbent) diz que não queria terminar sua vida lavando xícaras, o que rende uma rima visual pobre e óbvia, quase no final do filme.


De outro lado, Phyllida Lloyd parece que até tentou (e falhou assim como Clint em J.Edgar) dizer: "mas olha eu também mostrei o outro lado da história", incluindo uma serie quase sem muito sentido de manifestações - que basicamente são mostradas como um bando de cabeludos e barbudos batendo no carro de Thatcher, sem grandes explicações quanto à motivação por trás dos protestos - de discursos na câmara dos deputados (novamente sem grandes explicações sobre os motivos de tanta revolta, se perdendo em números e mais números) e - talvez a única vez que acerta nesse quesito - quando coloca um chilique da personagem, já fragilizada, quando lhe é apresentada a proposta da União Européia que ela refuta, dizendo que aquilo seria o fim da independência da economia da Inglaterra. 

Curiosamente, com a crise econômica dos últimos anos, esse discurso - impossível negar que é político - tenha ganhado um megafone gigantesco para ser ouvido. Mais um prova da intenção política de um filme como esse, a beira de eleições no país.

Streep, apesar do personagem anacrônico e cheio de problemas, faz de Thatcher, em especial quando surge mais velha e cansada pela vida, uma senhora austera e até agradável, apesar de marcada profundamente por sua doença e por suas escolhas na vida. Uma coisa muito complicada de ser vista e uma performance magnética e intensa, ajudada claro, por uma maquiagem magnífica que lhe dá recursos para ir de mulher jovial e poderosa do passado, a senhora acabada e quase enlouquecida no presente. Um trabalho verdadeiramente poderoso e que mimetiza de tal forma a pessoa de Thatcher que consegue a proeza de nos fazer identificar e até criar afeição por uma pessoa tão mesquinha e desagradável.


Lloyd, em um dos únicos momentos inspirados do filme (e que rendeu algumas risadas que honestamente não compreendi, na sessão que vi) coloca sua personagem dizendo algo próximo a isso: "Vivemos em uma sociedade que se importa mais com o que sentimos do que com nossos pensamentos e as ideias". Bonito, não?

Esse retrato de Thatcher é claro sobre sua mentalidade. Uma mulher fria, dura e que prefere morrer por uma ideia ruim, do que admitir seus erros e pensar "com os sentimentos". Fico feliz em perceber, que hoje, muita gente vem abandonando o "thatcherismo" e pensando na complexidade dos seres humanos, que não podem ser comandados baseados em conceitos abstratos, em ideias que não meçam seu impacto na vida cotidiana das pessoas. Esse foi o erro de Thatcher, e o erro de Phyllida, que por todo o filme tenta justificar de forma melodramática, conceitos que de nada tem de humanos ou emocionais. É pura bobagem racionalista.

3 comentários:

  1. Não sei se lamento ou festejo essa anunciada baixa qualidade do filme (ainda não assisti). Seria interessante ver a vida de Thatcher contada de maneira complexa, com muitas nuances, algo que com certeza valorizaria ainda mais a interpretação de Streep. Por outro lado, como detesto o que essa senhora representou politicamente, fico feliz que essa tentativa de santificá-la tenha sido frustrada. Mas também, quem mandou escolher a diretora de MAMMA MIA! pra essa tarefa, não é?

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  2. Comparado com J. Edgar, o trabalho de Clint Eastwood é de uma obra prima. Phyllida Lloyd desconhece o tema da biografia esperando que escusassem o seu trabalho por se tratar do ponto de vista da mulher sobre si mesma. A verdade é que desde os conflitos das ilhas Malvinas (quando esconde a raiz eleitoreira da guerra) até os comentários superficiais sobre o Thatcherismo, Lloyd falha incrivelmente tornando a mulher vítima de um universo machista. Só Meryl Streep se salva.

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  3. Pois é Márcio, se fizesse uma comparação entre ambos, J.Edgar seria uma "obra prima" perto de Dama de Ferro. O que fez a nota subir para algo além de Fraco, foi Meryl que consegue me convencer a votar nela, tamanha capacidade de sua interpretação. Mas é muito pouco.

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