quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O Artista

O Artista
(The Artist, 2011)
Romance/Comédia/Drama - 100 min.

Direção: Michel Hazanavicius
Roteiro: Michel Hazanavicius

Com: Jean Dujardins, Bérénice Bejo, John Goodman e James Cromwell

Quando o ator entra no palco, ele é agraciado. Sua dança é contagiante, seus trejeitos são inspirados. A atuação é muito mais corporal e carismática do que comovente. O nome do ator tem mais destaque que o do filme. Desde o sapateado preciso ao sorriso despreocupado, George Valentin é a síntese perfeita dos atores de toda uma geração. Aquela época onde o espetáculo era mais artístico que financeiro, menos cínico e mais deslumbrado. Quando a Meca do Cinema era uma terra de sonhos. Onde vivia o diretor bem vestido e bonachão, a diva loira do Cinema, o público galante e feliz. Todos os retratos de sua época, sendo caracterizados com o respeito de um profissional apaixonado por toda uma mitologia.

O francês Michel Hazanavicious, em seu quarto filme nos Cinemas, traz um pouco da metalinguagem atual para retratar a angústia de seu protagonista. Encaixando metáforas para enriquecer sua produção, Hazanavicious eleva sua homenagem a outro patamar. Sendo assim, O Artista se consagra de uma forma interessante. Não depende somente de suas referências; mas tampouco sobreviveria sem elas.

Os histrionismos típicos da época, promovidos com felicidade (e orgulho) por Valentin simbolizam bem a discussão ideológica presente no filme. Discussão essa imortalizada pela obra-prima de Billy Wilder, Crepúsculo dos Deuses. "Nós não precisávamos de diálogos. Nós tínhamos expressões", dizia Norma Desmond. Exatamente como a atriz vivida por Gloria Swanson, Valentin tem a plena convicção que não merece ser esquecido. O carisma de sua persona, que não parece saber (ou melhor: querer) diferenciar seus personagens de si mesmo, conta muito para compor a jornada do protagonista. Olhando com admiração para um quadro de si mesmo, Valentin poderia ter demonstrado um arroubo narcisista em primeira instância. Porém, ao longo da projeção, a análise fica mais profunda. O astro não admira a si mesmo; admira o que representa.




E o quê o francês representa?

A felicidade nos olhos de Valentin, nos momentos em que se vê diante do público, é emocionante. Ver a sua arte tomando forma parece ser a maior das glórias para o ator. Mas quando Al Zimmer (John Goodman), o diretor, o chama para assistir uma cena na esfumaçada cabine de projeção, tudo muda. A ótima fotografia de Guillaume Schiffman troca de tonalidade, se tornando mais pesada. Aquela atriz naquele microfone não aparenta, mas mudará uma indústria para sempre. A partir dali, o fim do Cinema Mudo parecia ter sido apresentado de forma abrupta. Mas ao privilegiar o Artista, Hazanavicious começa a contar a ruína do obsoleto, através das já citadas metáforas.

A passagem do protagonista assistindo seu Tears of Love, nas sombras junto com seu cachorro Uggie, é formidável por representar uma virada na trama sem fazer muito alarde. Superficialmente, é apenas a cena onde nosso herói percebe que seu filme será um flop. Porém, é nas sutilezas que as nuances dramáticas d'O Artista são descobertas. Brilhantemente composto por Jean Dujardin, Valentin vai gradualmente descobrindo sua ruína. Não por acaso, a areia (o chão do protagonista do filme fictício) começa a cair. É Valentin assistindo a si mesmo, sucumbindo.




E a queda só poderia ser representada daquela maneira. A estrutura do filme chama a atenção a partir dali por conciliar, com a mesma competência que encaixou as referências, o fim de George Valentin com o fim do Cinema mudo. O ator anda com um modesto terno na rua e, ao fundo, o Cinema sutilmente anuncia o filme de hoje: "Lonely Star". Quando Dujardin olha, triste, para a bancada após a reunião com Zimmer, ele observa diversos aspirantes a ator. Todos fotogênicos, mas sem a mesma presença do artista. Não é por acaso que Hazanavicious encaixa diversos atores para substituir Valentin; é como se ele fosse único, só podendo ser substituído por vários. Um só não seria suficiente.

Mas antes fosse apenas competência o quê Valentin tinha. Reconhecendo a paixão que o ator tem por sua profissão, se torna duro assistir ao fim de uma Era. No mundo atual, as informações passam tão rápido que tudo se torna antigo com o tempo. O Artista, nesse singelo jogo de metáfora, acaba tendo o que dizer sobre isso. Valentin abre a porta e sai. O passado deixa a sala, literalmente, para abrir espaço para o futuro. E é justamente pela atuação de Dujardin (e pela honestidade do amor do roteirista pelo tema) que o competente pensamento, ainda que simples e inocente, se torna extremamente relevante.

E se há alguma dúvida sobre o quê é a vida de George Valentin, não resta mais perto do fim. Mesmo que indiretamente, até a situação de mais perigo foram os filmes que provocaram.




Logo dizer que O Artista é um exercício meramente estilístico seria um pouco estreito. Para ficarmos no Cinema recente, seria como dizer que Super 8 é apenas uma brincadeira sem fundamento com os filmes de Steven Spielberg. É por conciliar tão bem a homenagem com a narrativa que o filme se mostra excelente.

Obviamente, porém, Hazanavicious demonstra seu apreço pelas referências, encaixando inúmeras ao longo da metragem. Desde emular os takes da época (como a direção na escadaria) até prestar tributo aos clássicos (Dujardin vendo suas mobílias antigas é Cidadão Kane puro, a trilha utiliza Bernard Herrmann, o filme de espadachim parece Zorro), passando pelos números musicais da saudosista trilha de Ludovic Bource, o diretor esbanja segurança para conduzir o seu roteiro e elenco. Criando passagens excepcionais tanto na metalinguagem (a já memorável cena do sonho audível de Valentin, o título BANG na tela próximo ao final) quanto em sua técnica (o brilhante quadro da mesa com whiskey entornado e as estátuas da casa de Valentin, ora juntas ora separadas), Hazanavicious ainda se diverte com a época de sua produção ao tornar obstáculos reais como problemas para o protagonista, como a Crise de 29.

E o respeito aquela Era é contagiante. Mesmo sem dinheiro para sustentar suas casas, a fila para o Cinema continua grande. Hazanavicious mostra Peppy pela primeira vez atrás de um cenário de filme, repete diversas vezes o eterno take da dança dos protagonistas. Desde a forma solene com quê o diretor francês filma o letreiro "Hollywoodland", não há dúvida sobre o quê o move.




Porém, se Dujardin cai com os mudos, Peppy Miller está no outro espectro. A odisséia da atriz vivida com energia por Berénice Bejo se alterna com a jornada de Valentin. O cuidado da produção em recriar a época acaba mais evidente aqui, com uma direção de arte que acerta nos mínimos detalhes (repare como em sua primeira aparição em filmes, Peppy está escrito como "Pepi", o que sugere com elegância o papel irrelevante da atriz). Interessante descobrir que, mesmo que eleja como protagonista o Artista, o filme homenageia mais o Cinema no segmento de Peppy, o que vai de total encontro a quem esperava uma mera película nostálgica.

E mesmo falando sobre Peppy, Hazanavicious dá um jeito de aproximar mais a saga de seu Artista com a do Cinema mudo. Até na carta de despedida da enraivecida esposa, Valentin acaba sendo confrontado pelo mundo novo.

Por esses pequenos toques que se nota que O Artista não é um filme exclusivamente nostálgico e fetichista. Tampouco, uma homenagem inócua similar a Cantando na Chuva. De Cidadão Kane a Rede Social, raramente se errou ao contar a mais bonita das historias: a ascensão e queda de um homem. A saída da zona de conforto para um homem é uma história antiga e utilizada em diversas produções, mas quando somada á recaída de um cidadão, não poderia ser mais bela.

Apaixonado e cheio de referências, sim. Mas um digno retrato da Arte. Ou do Artista.

Ou até do Homem.

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