sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Homem que Mudou o Jogo

O Homem que Mudou o Jogo
(Moneyball, 2011)
Drama/Comédia - 133 min.

Direção: Bennett Miller
Roteiro: Steven Zaillian e Aaron Sorkin

Com: Brad Pitt, Jonah Hill, Philip Seymour Hoffman

É corriqueiro a filmes de esporte que os fãs se divirtam bem mais que os não-fãs. Assim, acabam surgindo trabalhos descartáveis como Alta Velocidade e Gol!. É raro, portanto, que um filme desse subgênero dê mais atenção as pessoas envolvidas quê ao esporte em si. O roteirista Aaron Sorkin, recém Oscarizado pela obra-prima A Rede Social, resolveu investir nesse campo e adaptou, junto ao competente Steve Zaillian, a biografia Moneyball. Egresso de seu aclamado Capote, em 2006, o diretor Bennett Miller já tinha dois quesitos que o faziam  perfeito para o filme: dirigir seus atores com pulso firme e conduzir biografias com ritmo e interesse. Logo, era árdua a tarefa de transformar um calculado livro sobre os bastidores do baseball em um filme para todos.

E é com satisfação que se vê a competência com que o trabalho foi realizado. Especialista em tornar biografias algo especial, devido aos seus diálogos ágeis e seus personagens inteligentes, Sorkin cria aqui um interessante ensaio sobre o choque entre o Novo e o Antigo, o Inovador e o Obsoleto. Moneyball consegue se estabelecer como uma história não só cativante e povoada por situações emocionantes, mas também como relato do difícil caminho de vozes que querem ser ouvidas em seu mundo, que querem se fazer valer.

O homem está sozinho. No meio das arquibancadas vazias, Billy Beane se recosta na cadeira, com seu rádio de ouvido. Mesmo querendo estar lá para ajudar moralmente o seu time, ele não consegue. O nervosismo contido, que mistura um explosivo ódio e uma melancólica decepção, é refletido pela fisionomia, não mais jovial, de Brad Pitt. Sabendo que, mesmo que tenha levado um time pequeno como o Oakland A's até o topo da tabela, nada adianta se o último jogo é perdido. E, pela primeira vez, Billy sente o quê aquela indústria do esporte quer mais do que a vitória ou o amor ao baseball: dinheiro.




E é assim que o Homem, que mudaria todo o jogo mais tarde, recebe a notícia de que perdeu três dos seus maiores jogadores e começa sua reinvenção.

Moneyball trabalha em dois níveis de roteiro. Em um, temos a estrutura (provavelmente) de Zaillian, que cria seus arcos de narrativa baseado na temporada de baseball. Em outro, temos os diálogos e subtexto (provavelmente) de Sorkin, que elevam o filme a um estudo que vai da simples demonstração de amor ao esporte até o retrato de toda uma geração. Basicamente, Zaillian prepara o terreno até o final climático e Sorkin o recheia. Por isso a indicação ao Oscar é justíssima: Zaillian e Sorkin criam um roteiro tecnicamente perfeito, que se mostra igualmente excepcional tanto em criar seu mundo quanto em desenvolvê-lo e subvertê-lo.

A ambientação de mundo é essencial em projetos assim. Ciente de que deve apresentar com detalhes um universo que ocupará o imaginário dos personagens durante toda a projeção, Moneyball aposta em sua excelente introdução para fisgar o espectador e conduzi-lo ao estado mental dos que povoam a tela. Em uma comparação mais simples, essa introdução com cenas de Baseball serve para a narrativa como a cena de "hackeamento" dos facebooks das universidades funcionou em Rede Social. Aqui, porém, Miller não demonstra a sutileza de Fincher e investe em um clipe dos jogos, numa solução mais direta mas, surpreendentemente, não menos eficaz.




O realismo ao se referir ao esporte serve para concluir essa ambientação. A negociação de jogadores é humanizada com esmero (Billy conversa numa camaradagem curiosa com seus adversários), o relacionamento com os olheiros é pontuado pela cobrança por resultados, as conversas com o treinador são tensas devido ao choque de filosofias. Tudo isso enquanto, claro, Billy e Peter Brand são desenvolvidos com a destreza ímpar de Zaillian e Sorkin. Peter, vivido com presença pelo ótimo Jonah Hill, se demonstra impaciente na reunião inicial, o que chama a atenção de Billy. Já o protagonista acaba demonstrando domínio intelectual total sobre sua arte, mas não do consegue reagir sem ironia diante do novo marido de sua esposa (numa engraçada ponta de Spike Jonze). O enquadramento é claro: Billy está sozinho, ao lado de um retrato. Sua esposa é apenas um retrato do passado, mas sua filha é uma falta grande em sua vida (como demonstram as cenas deles juntos, em que Billy faz o que pode, com cuidado, para fazer a adolescente bem).

E é nessa construção precisa de personagens que Moneyball poupa um precioso tempo. O que, logo, dá espaço para o discurso, sobre os desacreditados, que os roteiristas trabalham.

Essa busca pela voz, há muito perdida (ou nunca obtida), permeia Moneyball durante toda sua metragem. Billy, tentando convencer a diretoria sobre sua nova estratégia de concepção para o time, acaba sendo desacreditado por todos ali. Muitos dizem que Billy está louco, que não tem capacidade para organizar o plantel. Não por acaso, Brad Pitt é o único jovem em cena.




No flashback sobre a carreira de Billy como jogador é protagonizada pelos mesmos olheiros velhos de hoje, que tentam passar a mesma conversa de antes. A mãe de Billy, filmada com um close estupendo, fala que não quer que o filho perca os estudos e todo um futuro promissor em nome de algo tão pouco substancial. Miller filma sua boca como algo importante. Ali, não é só uma mãe falando; é toda uma retrógrada geração. Os problemas começam quando Billy, seduzido por obsoletos e interesseiros olheiros, acaba trocando um retrógrado por outro. A frustração atual, após uma carreira de pouca expressão, não se deve á ousadia de Billy; se deve, sim, a um círculo que visa mais o jogo de poder que o bem estar dos jogadores.

 “Esse é o problema de romantizar o baseball", diz Billy em certa parte. O protagonista apanhou das regras por toda a vida, sendo jogado no ostracismo devido à falta de amor ao esporte dos poderosos dirigentes (e jogadores). Já que a ideia é subverter as regras afim de vencê-las, não poderia ser diferente: a estratégia de Billy e Peter consiste em captar jogadores competentes mas que, seja por suas vidas pessoais ou limitações físicas atuais, não são valorizados pelo mercado. Vozes que não são ouvidas. Como Billy e Peter, afinal.

Essas vozes que protagonizam instantes singelos e bonitos na projeção. Sabemos que uma história cumpriu seu papel em humanizar seus personagens ao causar emoção até no abraço de um jogador com sua família ou o agradecimento de Chad a Billy, demonstrando a gratidão pela chance dada. Sem contar que, só pela explosão e gratificação contida no clímax, Brad Pitt já merecia o Oscar.




E é nessa esperança de revitalizar a paixão da vida de Billy que Moneyball emociona. Bennett Miller, ciente da força do script, trabalha com ângulos imponentes e significativos (Pitt sozinho no campo, a queda dos banners, o home run no clímax, os surtos de raiva de Billy jogando a cadeira na parede) para edificar a jornada dos injustiçados. Isso pode ser sintetizado no belíssimo clímax, embalado pela linda música-tema e conduzido com maestria pelos estilosos enquadramentos de Miller e pela montagem impecável de Christopher Tellefsen. E até em seu design de som o filme merece atenção: os meses passam e o incômodo som no vestiário continua ali.

Esperançoso mesmo em mundo melancólico (como prova a fotografia do ótimo Wally Pfister, que aposta num granulado esverdeado que oprime aquele mundo e o deixa, ainda assim, otimista), Moneyball é preciso em sua carpintaria dramática e na construção dos homens de sua história. Ainda que possa ser visto como um manifesto "loser", o filme encontraria aí uma analogia preguiçosa e reducionista.  Assim como achar que Billy está ali só pela vitória e por interesse quando, na verdade, é pelo amor ao esporte. Tanto Billy quanto Peter seguram uma bola de baseball durante a projeção. É um carinho verdadeiro, que emociona tanto quanto a espetacular cena em que Pitt deita no gramado vazio do estádio. Tocante, a reação é espontânea, efêmera, mas simboliza o filme inteiro.

Ver um retrato sobre homens determinados por sua paixão pela vitória e pelo esporte poucas vezes foi tão poderoso quanto aqui. Moneyball entretém bastante com sua bem-humorada trama, mas é no que têm a dizer sobre o mundo a seu redor que se destaca. Se não é questionador, pelo menos é bonito em sua abordagem e pertinente no que tem a dizer.

E agora sabemos como seria uma variação simples e emocional de A Rede Social. Muito menos memorável, mas igualmente honesta.

Um comentário:

  1. Concordo bastante com a sua resenha, principalmente pelo fato de que você apontou bem que esse é um filme sobre pessoas envolvidas com o esporte e não exclusivamente ou primordialmente sobre o esporte em si. Gosto muito do ritmo, das atuações do filme, só acho que a história poderia ser reduzida e contada em menos tempo, mas, de resto, se trata de um filme muito bem executado.

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