segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Opinião: A Orfã

(Nota do Editor: Antes da postagem, algumas consideraçãos. Gostaria muito de que todos os leitores lessem esse post com especial atenção, pois além de marcar o retorno da Erika as nossas "páginas" é tremendamente verdadeiro e poderoso.)


Caro leitor,

ALERTA!!! Se você está esperando uma resenha sobre o filme A Órfã sinto que te decepcionarei. Digo isso pois após assistir o filme, fiquei com uma louca urgência de colocar certas coisas em pauta que fogem um pouco de uma resenha crítica. Posto isso às claras, vamos ao que interessa.
Acabo de assistir A Órfã do diretor Jaume Collet-Serra, um espanhol da Catalúnia, cujo début se deu em solo ianque com o dispensável Casa de Cera. Apesar das raízes hispânicas, sem mencionar a pouca idade – apenas 35 anos- e uma amizade com o produtor Joel Silver, ele conseguiu seu ticket de embarque rumo à Cidade dos Sonhos. Mas nem tudo são águas mornas.


Minha intenção ao chamar Hollywood de Cidade dos Sonhos não é mero acaso. Com seu surrealismo tortuoso, David Lynch e seu Mulholland Drive (traduzido no Brasil como Cidade dos Sonhos), trouxe à luz o que nos é ocultado através dos rostos cheios de pancake das lindíssimas estrelas de cinema e dos óculos de design dos cineastas.


Não quero justificar o trabalho de Jaume nem para o bem nem para o mal, pois isso realmente não importa posto o que vou lhes dizer. Hollywood é uma indústria e para ela funcionar e ter uma marca de qualidade e, mais importante que isso, familiaridade com seu público, ela precisa seguir algumas regras de conduta. Estas são determinadas por quem empresta seu logo ao projeto, ou seja, a produtora. É ela a detentora do como tudo vai funcionar. No caso de A Órfã, estamos falando da Dark Castle, que se consolidou com filmes de baixo orçamento como: A Casa da Colina, Os 13 Fantasmas, Navio Fantasma, Na Companhia do Medo e (surpresa!) Casa de Cera.


A Órfã vem para marcar a entrada da produtora num mundo um pouco mais maduro. O diretor, ao que me parece, ganhou a confiança dos produtores depois de uma primeira empreitada. No entanto, não acontecem milagres na terra hollywoodiana, e o filme ainda possui vícios próprios de seu berço. O diretor tenta, mas, até onde esta obra é dele, é minha dúvida. O roteiro, apesar de não desgostar - ao contrário, penso ter muito potencial - cai em armadilhas típicas do gênero: frases de impacto, pontos de virada que, aparentemente são criativos, mas no fundo são só uma saída desesperada de quem quer impressionar, mas não inovar. Ouso dizer que se este filme tivesse suas origens na terrinha hispânica do diretor, veríamos o roteiro ser usado em todo o seu potencial e poderia, de fato, ser um marco na categoria “anjo mau”, já tão batida no cinema norte-americano.


O ponto de partida do enredo do filme é a perda do filho do casal Kate e John, enquanto ele ainda estava sendo gestado na barriga de Kate. A união dessas duas pessoas, abaladas pelo desastroso destino da criança, só é mantido pelos filhos do casal: Daniel e Maxine, uma garotinha surda-muda. Resolvem então, adotar uma criança. É aí que aparece a órfã Esther. Eles ficam encantados com sua boa educação e modo peculiar de se vestir – ela parece uma daquelas antigas bonecas de porcelana. Porém, o dia-a-dia irá se encarregar de mostrar à família a verdadeira natureza por trás da aparência da menina.


O que me agrada, e por isso digo que esta é uma produtora em processo de maturação, é o fato de eles terem abandonado por completo o uso de efeitos especiais – uma espécie de muleta para esconder a falta de coesão e espírito inovador dos filmes atuais – e investido num roteiro que, apesar de não ser um sopro de ar fresco, convence.


Poderia também dizer ao leitor que o elenco é mais uma razão pela qual o filme funciona, o que não é mentira. A atriz Isabelle Fuhrman, a órfã do título, é uma revelação e sustenta desde uma delicada inocência à uma loucura digna de atores tarimbados. Aliás, tem uma cena em particular que ocorre numa cabine de banheiro em que ela lembra muito a histérica e caótica Charlotte Gainsbourg de Anticristo. Todavia, apesar do brilhantismo da menina, gostaria de partilhar minha preocupação com o leitor sobre a utilização de crianças em frente às telas. Há uma condenação por parte da maioria das pessoas sobre o uso de trabalho infantil, mas isso parece não valer quando se trata da telona (ou telinha). Ter um emprego exige maturidade para entender a pressão que com ele vem, isso em qualquer idade. No entanto, na infância, por mais incrível e madura que uma criança possa parecer, ela não está pronta para assumir tamanha responsabilidade. O pior de tudo é que não estou falando de um Harry Potter, estamos tratando de A Órfã, um trabalho pesadíssimo.
Gostaria realmente de saber qual foi o método que o diretor utilizou para fazer a menina acessar lugares tão obscuros. Como profissional da área lhes digo que é possível chegar ao nível que ela obteve de forma saudável. Para isso é preciso técnica e, com ela, uma consciência de que tudo o que você procura está dentro de você. Isso é muito difícil de se olhar, posto que temos cantos dentro de nós mesmos que são tão feios que não queremos mostrá-los à ninguém – nem à nós mesmos. Tendo isso, imaginem o caminho que essa menina tomou para entrar em contato com esse seu lado. Não só isso, o elenco inteiro de crianças, principalmente a garotinha Max, surda-muda também na vida real, testemunha os requintes de crueldade de Esther, tornando-se cúmplice de seus crimes.


No cinema temos muitas crianças que conheceram esse lado negro e nunca mais conseguiram sair dele. Tome Linda Blair, a garota de O Exorcista, como exemplo. Aliás, elas têm um perfil profissional bem parecido. Ambas começaram trabalhando em publicidades com pequenas aparições em filmes e seriados até conseguirem uma oportunidade real. O destino de Linda, como alguns de vocês sabem, foram as drogas, o álcool e (!) o anonimato. Os exemplos são tantos que eu poderia ficar citando nomes por horas, mas acho que o leitor já compreendeu o meu ponto.


Existem jeitos de se guiar a carreira de uma criança de forma saudável, se essa realmente for uma opção, como prestar atenção no tipo de trabalho que ela realizará ou até ter um acompanhamento psicológico, como é o caso da cantora Sandy. Isso porque estou partindo do princípio que todo pai e mãe zela pela trajetória de vida (artística ou não) de seu filho mas que, por falta de entendimento de como as coisas funcionam, acabam se posicionando de uma maneira que não é interessante. Isso é compreensível e humano, mas infelizmente a realidade não é sempre assim. Eu mesma já presenciei situações desagradabilíssimas. Em uma delas uma mãe espancou o filho porque ele não queria mais dizer as falas do personagem, o que implicou somente numa chamada de atenção por parte da produtora do filme; na outra, esta com várias crianças, as mães comparavam seus filhos com base em quem havia feito maior número de comerciais. A mãe cujo rebento estava ingressando na carreira artística sentiu-se mal por seu filho estar tão atrasado em relação aos outros.


Crescer não é fácil. Em frente às câmeras ou atrás delas. Tanto para adultos como para crianças, a exigência é sempre aumentar em estatura, em grandeza. O tempo urge. E, numa gana de fazer o máximo, acabamos passando por cima de premissas básicas. A frase que vende o filme A Órfã está corretíssima em sua colocação: “Há algo de errado com Esther”. Assim como há algo de errado com esses valores injetados pelo capitalismo. Porém o que se diz é que é assim que as coisas funcionam, e se você não se adaptar está fora do jogo. Não necessariamente. Acredito haver muito comodismo e todos temos nossa parcela de culpa, pois sair da área de conforto é sempre mais trabalhoso. Então abrimos excessões e excessões e excessões. E quando menos percebemos um vazio toma conta da boca do estômago. Nos sentimos órfãos. De cuidados, de respeito, de moral. Órfãos do bom senso.


Erika Zanão
Atriz e Roteirista

4 comentários:

  1. Quando eu assisti ao clássico "O iluminado", o filme de terror mais bonito da história do cinema, fiquei pasmo com a atuação da criança. Como é que o Kubrick, gênio, fez para que o garoto falasse com o dedo e num tom de voz bizarro? Como fazer ele correr assustado de um homem com um machado querendo matá-lo? Há um doc sobre o filme que mostra tudo isso, e aí podemos entender a magia do cinema nas mãos dos grandes diretores. Em momento algum, o menino soube que estava fazendo um filme de terror. Só ficou sabendo disso no dia da estreia! Durante todo o tempo, Kubrick apelava para uma atuação lúdica, como o "play", o jogo cênico, deve ser interpretado. O resultado é brilhante.

    Não vi "A orfã", mas acredito que a técnica usada para que a protagonista passe força ao personagem seja mais ou menos a mesma: buscar o "play", o jogo da interpretação.

    Abs!

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  2. Dudu ... esse doc é o sobre o Kubrick não é , Imagens de uma vIda ?

    Enfim, um brilhante trabalho e realmente revela esse excelente artista.

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  3. Ainda ñ vi esse, mas futuramente eu ei de vê-lo!
    Abs! Diego!

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  4. Aparentemente fiz um comentário enorme e perdi tudo graças ao brilhante IE...muthafucking Microsoft!!!

    Enfim qto aos traumas infantis....eu não creio que isso seja a culpa do conteúdo dos filmes ou no que a criança é submetida (ÓBVIO QUE ISSO PODE AJUDAR E MUITO PARA ALGUNS PROBLEMAS).....Porém não é a causa principal. Vale ver o exemplo clássico que aconteceu com as crianças daquele seriado pré histórico que passa no SBT, o Arnold!!!

    As 3 crianças que participaram tiveram sérios problemas de ajustes sociais, drogas, álcool, violência...inclusive a menina morreu há alguns anos atrás devido a uma overdose de Heroína!!!

    Enfim, mal posso esperar pra ver esse filme....

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