quarta-feira, 7 de outubro de 2009

1492 - A Conquista do Paraíso
(1492 - Conquest of Paradise - 1992)
154 min. - Drama

Direção: Ridley Scott
Roteiro: Roselyne Bosch

Com: Gérard Depardieu, Armand Assante, Sigourney Weaver, Michael Wincott, Tcheky Karyo, Kevin Dunn, Frank Langella

Esse é um filme subestimado. Sem dúvida entre todos os filmes históricos que ví está entre os melhores e mais humanos.


A história básica é conhecida por todos aqueles que cursaram pelo menos até a quinta série do primário. Trata-se da história do descobrimento da América por Cristovão Colombo.


Essa é a história básica, o cerne da questão digamos assim, nas entrelinhas é uma história sobre sonhos, sobre enfrentar seus medos, sobre encontrar seu caminho e fazer sua própria história.


Ridley Scott, que admito é um diretor irregular, conseguiu (e não sou historiador para confirmar ou julgar as "verdades" do filme) me transportar para 1492 e me levar em sua viagem rumo ao desconhecido.


Esse filme é genial desde sua abertura, quando Colombo está com seu filho e numa cena emblemática (e dotada de sensível inteligencia) apresenta o personagem como um sonhador, um idealista capaz de tudo para conseguir vencer e conquistar.


Tratando basicamente da estrtura narrativa, Scott dividiu-a em três atos rigidamente montados.
Analisarei o filme por esse viés, e como trata-se de um filme mais antigo soltarei alguns spoilers aqui e ali.


A primeira parte, que dei o nome (metido eu não ?) de o sonho, trata do convencimento da nobreza espanhola de que é possível circunavegar a terra de modo que a viagem ao oriente tornaria-se mais rápida e eficiente.


A fotografia é naturalista, com ecos de Barry Lyndon na construção da fotografia, amparada pelo uso das velas como fonte natural de luz.


A minha impressão do ínicio do filme , e faço questão de compartilha-la com os leitores, é a de torpor intelectual. Explico: Hoje, em plena era da informação, onde os bites, megabites e terabites cruzam as nações como pássaros em migração, é incrível notar que a 500 anos (uma idade ridiculamente curta em termos da evolução do planeta) o homem sequer tinha noção do tamanho de seu próprio mundo.


Nota-se também como as ditas instituições de saber (aqui representada pela universidade de Salamanca, uma das mais antigas da humanidade) eram supersticiosas, religiosas e antiquadas.


Outro detalhe importante é toda a gama de politicagem implícita na escolha de uma viagem e todo o "jogo de cintura" de Colombo tem de fazer para conquistar votos.


Gerard Depadieu tem seu grande momento na telas vivendo com intensidade e volúpia o navegador italiano. Nessa primeira parte é perceptivel seu olhar sonhador, sua visão de mundo e a que jogos ele se presta (numa legítima "puxação de saco") para conseguir realizar seu real objetivo: a pura descoberta. O privilégio de ver um mundo novo e intocado sem as amarras da velha Europa. Um mundo onde não existam pessoas que são queimadas em praça pública,por exemplo.


Nessa parte somos apresentados a Sanchez, o tesoureiro real , numa atuação serena e segura de Armand Assante. Sanchéz é um titeteiro que manipula nas sombras a situação a seu favor.


Tcheky Karyo (um de meus atores favoritos) surge como Pinzón, que ao lado do banqueiro Santangel (Frank Langella numa ponta) propoem-se a bancar o sonho do Colombo, intermediando um encontro entre ele e a rainha Isabel da Espanha.


Sigourney Weaver é a rainha. A musa de Ridley Scott, e constrói sua personagem como uma alma perturbada e decidida a ser mais do que é. Nisso a identificação com Colombo é imediata e a fagulha de paixão é visível, e ela decide patrociná-lo.


Até aqui, a trilha é sensível, tocante, mais a primeira mostra da genialidade de Vangelis acontece no fim do "primeiro ato", com a magnificamente bem orquestrada cena do embarque dos marinheiros rumo ao desconhecido. Eles caminham como se indo em procissão rumo ao destino, rumo a descoberta de algo novo.


Todo o primeiro ato é escorado na apresentação dos personagens, suas motivações, virtudes e defeitos. Ao mesmo tempo que vimos Colombo como um visionário, o próprio filme trata de mostrar sua ambição e sua vontade de vencer a qualquer custo.


A segunda parte, intitulada pelo meu enorme ego de O Barco, trata da viagem até (pensava-se) as Indias.


De primeira é facilmente identificável a excepcional reconstrução de época, com um salve especial a direção de arte, que se na primeira parte era muito boa, aqui atinge quase a perfeição.


O navio é retratado como a visão da pobreza, da imundice e da dificuldade extrema da conquista.


Nesse "segmento" somos apresentados a novas facetas de Colombo. Ele é um gênio tecnológico, criador de novas técnicas de navegação e dotado de sabedoria e bom-humor. Também é um obcecado. Um obcecado pela conquista, pelo prazer da descoberta, pela sensação de ser o primeiro.


O navio se transforma em uma caldeira fumegante, onde a desconfiança, o medo e a raiva se misturam.


Colombo sente-se perdido e precisa de um milagre para evitar um motim.


E ele acontece.


Ridley Scott entrou para a história do cinema ao criar o Alien (a criatura mais aterradora do espaço, com arte de H.R. Giger) e a de imaginar o futuro escuro e sombrio em Blade Runner (que terá resenha no blog em breve). Sempre senti falta da inclusão de momentos simplesmente mágicos de 1492 na lista, momentos onde o cinema nos ilumina com sua poderosa capacidade de criar imagens que se fixam em nossa retina e mente para sempre.


Um desses momentos é o momento da descoberta. A espetacular sequencia, brilhantemente conduzida pelo "maestro" Scott. Visualizamos a tensão extrema e as condições sub-humanas a que os marinheiros estavam se submetendo. Numa noite especialmente quente, Colombo é mordido por um mosquito e (por questões mais que óbvias) imagina que a tão sonhada terra esteja perto.


Na manhã que se segue a névoa envolve a todos. O barco, os marinheiros e nós somos envolvidos como a um véu matutino a espera da grande revelação. Vangelis compõe o tema ideal e pontual para a situação, marcando a cadencia dos olhares de Colombo e da tripulação.


E então ... o verde.


Numa das mais belas cenas do cinema. O olhar de Depardieu, num close, define tudo. O frescor da novidade e o alívio e não alegria imediata com o sucesso.


Aplausos a Ridley Scott.


As âncoras descem, as bandeiras tremulam, os marujos descem nos botes.
E então Colombo desce do bote, rompendo as águas, passando por sobre a terra virgem.
Ele para.
Ajoelha-se, orando e agradecendo pela ajuda divina com a plena sensação de que finalmente alcançara seu objetivo.


A sequencia é magnifica, onde tudo (absolutamente tudo) funciona. Vangelis compõe seu tema mais poderoso, sensível, mágico.


O terceiro, mais longo e último ato começa com:
" Pela graça de Deus em nome de sua majestade Clemente de Castilla e Aragão, por todo o poder conferido a mim, tomo posse desta ilha e a denomino San Salvador".


E então avançam rumo ao verde.


Para aqueles que ainda não viram o filme, me perdoem pela descrição da cena, mas imagino que a imagem é tão poderosa e impactante que mesmo que fizesse uma minuciosa leitura dos fatos, mesmo assim, a imagem ainda seria inacreditavelmente pungente e magnífica.


O que segue-se a essa maravilhosa sequencia é o óbvio. O homem branco, vendo-se em um território completamente intocado, surpreende-se com a imperturbável força da natureza.


Essas sequencias iniciais (acho que devem ter cerca de 10 ou 15 minutos) da descoberta são icônicas e definem-se sem diálogos. O poder da imagem é absoluto.


O segundo momento de real poder do filme é quando há a o primeiro encontro entre o homem branco e o nativo. Novamente Scott recria a tensão palpável quase tangível, um objeto de força e forma poderosa, representada pelo encontro entre duas culturas e duas formas de ver o mundo.


A descoberta de uma nova civilização surpreende aos espanhóis. São quase quinze minutos de espetáculo de som e imagem, onde a voz humana é substituido pelas imagens do "paraíso". Cinema puro.


As impressionantes imagens registradas (e aqui cabe uma homenagem ao diretor de fotografia Adrian Biddle, o mesmo de Aliens, Thelma & Louise, V de Vingança, Regras da Atração, Reino de Fogo, A Múmia entre outros) podem ser resumidas na primeira sentença após o espetáculo proporcionado por esse genial inglês: "21 de Outubro de 1492, acho que voltamos ao paraíso". Definitivamente Scott nos deu um filme para todo o sempre.


Colombó é mostrado como um amante dos índios (historicamente correto ?) e que contrói as primeiras relações, conflituosas é verdade, com os habitantes.


Após estabelecer uma "base" ele volta a Espanha, sem o ouro desejado pela coroa, mas rico em experiencias e desejando voltar o mais breve possível.


Então surge o grande problema do filme, que até então levaria um 9,5 fácil, que é a criação de um vilão. Surge Adrian de Moxica, vivido com a habitual competência por Michael Wincott (conhecido por inúmeros papéis coadjuvantes em: Nascido em Quatro de Julho, The Doors, Robin Hood [seu papel mais conhecido], O Corvo, Dead Man, Basquiat, Alien: A Ressureição entre outros) mas que surge do nada e apenas cria um obstáculo cinematográfico e incorpora todos os vicios e trejeitos vilanescos mais caricaturais. Ele é mau com os índios, ignorante, estúpido, arrogante e etc. Junta-se a isso a uma desnecessária "batalha final" entre os índios e os espanhóis que só serve (espero que essa tenha sido a idéia de Scott) para quebrar o encanto de Colombo com seu paraíso. De qualquer forma, faltou sutileza ao retratar o fim do sonho e a criação da exploração maciça dos "homens brancos" sobre os índios e futuramente dos negros.


A uma sequência que ilustra bem essa visão. O índio que servia de interprete a Colombo e que havia sido "esbranquiçado" foge correndo para a floresta após um início de tornado/furacão na ilha (outro ponto falho e desnecessário) e antes de sumir para sempre na imensidão verde é interropido por Colombo que grita: "Fale comigo" e o índio rebate "Você nunca soube falar a minha lingua". Isso define o sentimento comum ao homem branco. Ele nunca compreende o espírito da floresta.


Apesar disso Colombo é mostrado como um homem traído por seus companheiros que não compartilhavam sua visão de paraíso. Queriam explorar e usar os índios como escravos e não construir uma nova civilização.


Após a revolta, Colombo perde seu comando e é preso (historicamente correto ?) e tem seus registros históricos apagados. Suas conquistas e vitórias ficam relegadas apenas aos que viveram as situações e compartilharam de sua paixão.


Tudo isso é emblematicamente mostrado na (quase) sequencia poética que redime as bobagens do terceiro ato. Nela após ser libertado pela rainha de sua prisão ele encontra o "verdadeiro vilão" Sanchez o tesoureiro e trocam esse diálogo:


"Sanchez: Você é um sonhador
Colombo: Me diga, o que você ve ? (apontando para uma janela aberta que dá a visão de parte dos terrenos do castelo e da cidade)
Sanchez: Eu vejo telhados, eu vejo palácios, eu vejo torres, eu vejo espirais tão altas que alcançam o céu.
Colombo: Todas elas contruídas por pessoas como eu. Não importa o quanto viva Sanchez, uma coisa nunca mudará entre nós. Eu fiz. Você não."


Colombo, em definição é isso. Um visionário, um homem que como todos os sonhadores (e me incluo nessa categoria) se permite viver perseguindo sua verdade, seu verdadeiro lugar nesse mundo e que ao alcançar esse objetivo, nos inspira e nos ilumina com o poder de seu sonho.

TRAILER:


















8 comentários:

  1. Ridley com certeza é um dos diretores que tinham tudo pra estourar, mas volta e meia dão um tiro no pé!

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  2. Filme importantíssimo para sala de aula, é impossível falar de grandes navegações e conquistada América Espanhola sem citar esta maravilha com Gérard Depardieu.

    Obs: vou contar meu segredo sobre as fotos (rs), procuro em blogs não nacionais, e as vezes fotografo o próprio filme.
    Fique a vontade para pegar as fotos que precisar

    bjao

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  3. Assisti a este filme há muito tempo atrás, para fazer um trabalho de História pro colégio. A obra é um primor do ponto de vista técnico e histórico. Entretanto, acho o filme um tanto cansativo.

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  4. Interessante sua crítica!
    Acho que falando sinceramente, um filme com essa temática ou tende a ser muito bom ou a ser muito ruim.

    Gostei da abordagem do filme, dos ramites desde na europa até aqui e fiquei curioso quanto as duas primeiras cenas que citou: avistando a terra e o primeiro contato com o indio!

    Muito bom a sua resenha e gostei quando voce falou que mostra o desenrolar da historia no próprio Brasil! Talvez seja um film bom para entender historia do brasil, nao é?!

    Abraços, amigo!
    Valeu pela dica!
    http://awardmovies.blogspot.com

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  5. 1492
    Oi, Alexandre
    Interessante o filme, sinceramente não tinha conhecimento do filme, mas me despertou quando li que ele te transportou ou "levou" para 1492! LEGAL! E ainda mais simbolizando luta e sonhos. Não conhecia e vou adorar conhecê-lo! É isso ai!
    ABRAÇO AO PESSOAL DO FOTOGRAMA

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  6. Muito obrigado mesmo pelos elogios !

    Deu bastante trabalho escrever mas fico muito feliz que vocês gostaram.

    Júnia, sobre as questões históricas... o filme é correto ?

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  7. Rondendo a sua pergunta sobre o filme ser correto historicamente:


    Lógico que como toda produção cinematográfica existe certo exagero em algumas coisas, isso é necessário para que o telespectador fique preso a história. Mas no total, esse é um dos filmes mais fies ao expansionismo espanhol europeu.
    Ele é utilizado ou indicado por TODOS os professores quando vão trabalhar o assunto.
    Pode-se dizer que o filme é 98% fiel ao contexto historiográfico.
    Como disse antes, impossível da uma aula sobre expansionismo da península Ibérica sem este filme como apoio pedagógico.

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  8. Faz tempo q vi esse, acho q gostei, e concordo com a Kamila, meio cansativo, e na época tbm vi para trabalho escolar..rs..
    Abs! Diego!

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