sexta-feira, 12 de agosto de 2011


Árvore da Vida
(Tree of Life, 2011)
Drama - 139 min.


Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick


Com: Brad Pitt, Jessica Chastain, Hunter McCracken e Sean Penn

Árvore da Vida é uma carta de amor a humanidade, ao planeta Terra e uma constatação de nossa infinita incapacidade de compreensão de nossa existência. Por mais de duas horas, Terrence Malick nos leva a um passeio pela história do planeta, ao mesmo tempo em que discute nossa pretensa finitude e as sempre complicadas e tensas relações entre esses seres que cismam em complicar suas vidas.

É difícil descrever com propriedade o que é Arvore da Vida. Podemos dizer , no entanto, que Malick é brutalmente pretensioso quando fala sobre a humanidade. Que o diretor a partir do microcosmo de uma típica família americana expõe tudo o que sente pelo ser humano e suas reações a seus irmãos e ao planeta. Que no meio de seu filme, Malick coloca em quadro uma preciosa e inesquecível versão para a origem do universo e da criação da terra. E que em cada fotograma de seu novo filme Terrence Malick faz uma obra prima.







Descrever a mais completa perfeição de imagens, tons e idéias em película é um trabalho árduo. Dizer que Malick fez aqui sua obra prima talvez até seja um exagero, mas é impossível negar que a experiência cinematográfica proporcionada por Arvore da Vida é a mais intensa que este crítico participou em muito tempo.

Desde o inacreditável uso do som, que ecoa pela sala nos envolvendo em um casulo sonoro (sendo fundamental para a construção de algumas seqüências do filme), passando pelas excelentes atuações de todo o elenco, culminando no desbunde visual que Malick apresenta. Não existem palavras para exemplificar as sensações que o diretor consegue emular em seu mais recente filme. Tudo funciona além da perfeição, com uma fluidez que beira o inacreditável. 

Como foi possível ao diretor mostrar sua história de forma elíptica e ainda sim emocionar a platéia? Ao nos apresentar a história da família comum norte-americana dos anos 50, os O'Brien, consegue a proeza de se comunicar diretamente com nossas emoções, já que cada um de nós de uma forma ou de outra, já esteve no papel de um dos O'Brien. Brad Pitt encabeça o elenco, com sua mais impressionante interpretação em muitos anos. Como o rude, porém amoroso pai dessa família (identificado apenas como Sr. O'Brien o que reflete sua rigidez com o mundo e sua família). Crente na teoria de que o mundo é uma selva espinhosa e sem espaço para a derrota, faz da vida de sua família (e de seus filhos mais especificamente) uma interminável maratona de testes com o intuito de prepará-los para uma existência árdua. Pitt consegue, quase magicamente, fazer de um personagem abertamente complexo e facilmente detestável, um sujeito por quem nos importamos e que sinceramente torcemos, quando exemplifica seu carinho abraçando - mesmo de forma rude - seu filho mais problemático, transmitindo um amor tão intenso quanto suas inesgotáveis cobranças.






Jack por sua vez, tem dois intérpretes igualmente fabulosos. Na maior parte da projeção - que se passa nos anos 50, como já citei - o papel do garoto é vivido com grande naturalidade por Hunter McCracken (anotem esse nome). Representando, na minha interpretação, o homem que ao começar sua caminhada pelas planícies da vida vai gradativamente perdendo sua inocência, fé e esperança, Jack é a alma do filme. A opção, brutalmente corajosa, de escalar um garoto sem qualquer experiência cinematográfica anterior, só amplia a noção da força interpretativa que esse garoto apresenta. Sendo responsável por um escopo inesgotável de variações dentro da alma de seu personagem, Jack responde por toda a jornada de crescimento, amadurecimento e maturidade que é visto em cada um de nós. Quando surge mais velho, Jack tem os olhos, o andar e a mente marcada por seu passado. Sean Penn, mesmo inferiorizado pela vulcânica interpretação do garoto Hunter, faz do Jack "velho" a versão completa e cheia de neuroses e vazios existenciais que só começavam a serem percebidos em sua infância.

Malick é sutil ao ir e voltar no tempo, apresentando de forma pretensamente desordenada os fatos e os efeitos de pequenos eventos, e grandes traumas que marcam a vida de Jack. Jack talvez seja o reflexo de Malick, ou sua visão do homem comum, falível, cheio de inseguranças, mas profundamente bom em sua essência e em busca de respostas que ele sabe que não encontrará. A jornada de Jack - lindamente retratada no filme - é a quintessência de nossas duvidas. Uma longa peregrinação pelos territórios inóspitos de nossa mente em busca de soluções para nossos traumas e medos mais secretos.






Se O'Brien e Jack representam o homem,  a brutalidade da terra em formação ou mesmo a natureza (como disse Jessica Chastain, interprete da Sra. O'Brien, em entrevistas) os outros dois garotos e filhos do casal representam, cada um a sua maneira, a inocência perdida, a tal graça que Malick faz questão de citar quando aponta a forma com que Jack foi ensinado. Se minha memória não estiver em péssimo estado, em determinado momento do filme, Penn surge em dos inúmeros voice overs do filme para dizer algo próximo a isso: "fui criado entre a natureza e a graça". A graça é representada por seus irmãos, em especial RL (Laramie Eppler) que tem seu nascimento e primeiro meses retratados com uma beleza impar na história recente do cinema. RL é doce, luminoso e parece sempre estar nutrido por uma espécie de luz extraterrena que faz do personagem uma personificação da graça em estado diluído. 

A graça em estado bruto é a já citada Sra. O'Brien (Jessica Chastain) que além de ser mais do que belíssima, é a alma caridosa e bondosa que faz o contraponto as explosões do personagem de Pitt. Chegando a ser sublime em diversos momentos do filme, é nela que o filme e os garotos se apóiam quando estão ainda decidindo a qual "rei" devotarão suas vidas: a natureza (Pitt) ou a graça (Chastain). RL nitidamente é um seguidor da graça, enquanto o pequeno - e de participação limitada no filme também - Steve ainda está decidindo-se sobre qual caminho seguir. Jack é um adorador da natureza, abraça sua virulência e sua imprevisibilidade com as duas mãos nuas, sem medo de se queimar com as intempéries. 





Por isso sua relação com a mãe é tão intensa e visceral, pois enxerga nela algo que jamais poderá ser, assim como sua relação com o irmão, que representa sua nêmese, seu oposto, seu yang. Chastain é a graça que se une a natureza para gerar a humanidade.

As comparações a 2001 começam ai, Kubrick assim como Malick é um humanista. Embora seus filmes sejam todos de uma rigidez que beira (às vezes ultrapassa) o sadismo, Kubrick tinha fé no estado bruto do homem e o representava com vigor e força. Em 2001, sua intensa necessidade de respostas encontrou seu ápice, ao mostrar a historia da humanidade sem ter a menor intenção de premiar-nos com alguma mágica resposta tirada de um livro esotérico ou de auto - ajuda. Kubrick fez de 2001 seu testamento para as estrelas. Malick, faz de Arvore da Vida a sua versão desse mesmo testamento. Ambos parecem apresentar suas visões pessoais sobre a mesma pergunta, e ambos não se sentem dignos de serem os responsáveis por apresentarem respostas para seus magnânimos questionamentos.






Malick é humilde ao admitir que não sabe as respostas para suas perguntas e ao fazer isso tem a exata noção de sua infinita pequenez diante da incomensurável pujança do universo. O magnífico interlúdio em que somos apresentados ao universo é a mais perfeita representação da sabedoria de uma deidade que já surgiu em tela. Os seguidos momentos de união entre átomos e elétrons, com o surgimento de nebulosas, o fogo que brota da cáustica terra virgem, os mares que rompem as pedras, a chuva que torrencialmente limpa e hidrata planícies destruídas, tudo representando o ato da criação. Malick faz uma das mais profundas declarações sobre fé que vi em muitos e muitos anos numa tela de cinema. Isso tudo sem apelar para os misticismos, os símbolos óbvios (embora o filme comece com a citação do livro de Jó, que é uma inspiração clara para as muitas voice overs do filme e para o evento caótico que transforma a vida dessa família, e a aparição de símbolos cristãos que surgem para ilustrar uma crítica a religião organizada) e o discurso religioso. Malick não fala de religião, fala de algo muito mais intenso, verdadeiro e real: fé. 

Somente a mente de um gênio poderia unir dinossauros e um discurso abertamente sobre fé e deidades em uma mesma narrativa, sem soar exagerado. Pelo contrário, a união das duas forças parece - no filme de Malick - jamais ter precisado brigar, parecem velhos amantes que se encontraram e estão papeando em um café, tentando entender como puderam viver tanto tempo longe um do outro. Fé e ciência para Malick parecem uma coisa só. Misturar as mais precisas e cientificamente corretas pesquisas sobre a criação do universo e ainda assim defender abertamente uma força superior, é uma tarefa hercúlea e praticamente impossível. Eu disse, praticamente, já que Malick prova ser possível, prazeroso e visceral.






Há anos, o diretor é um notório mestre das imagens, fazendo de cada um de seus filmes uma experiência visual inesquecível. Correndo o risco de mudar de opinião amanhã, digo a vocês que Arvore da Vida apresenta as imagens mais impressionante da carreira do diretor. Sua opção por manter sua câmera sempre próxima aos atores, ao mesmo tempo em que faz da mesma, uma gentil dançarina que vaga pelos corredores de casas, bosques e ruas sempre pronta a mostrar de forma singela e visceral (por mais contraditória que pareça) o melhor de cada um em cada cena.

A fotografia é assombrosa. Emmanuel Lubezki é orgânico em sua abordagem. Como a natureza, a fotografia é fluida, intempestiva e inesperada. Segue o fluxo de rio, o barulho de passos na grama, o som de uma profunda respiração. Entende que a natureza deve apontar a forma como deve ser vista, e a obedece de forma humilde e sincera.






A montagem é um caso a parte. Notório por seus filmes serem seguidos de hiatos cada vez mais longos, Arvore da Vida foi montado por cinco pessoas diferentes. Miraculosamente não se nota variação alguma de estilo em trecho algum do filme. É claro que o interlúdio tem toda uma dinâmica diferente, assim como o trecho em que o personagem de Sean Penn aparece, mas mesmo assim o trabalho de Hank Corwin, Jay Rabinowitz, Billy Weber, Mark Yoshikawa e do brasileiro Daniel Rezende mantém a mesma linha de pensamento e a tal fluidez tão presente no filme.

E quais adjetivos seriam dignos de descrever mais uma obra de arte produzida por Alexandre Desplat? Além de conseguir igualar a perfeição visual de Malick, consegue amplificar as emoções que o druida dos efeitos visuais Douglas Trumbull em parceria com Dan Glass criou. A já inesquecível sequencia "espacial" é amplificada pela delicadeza e sensibilidade que Desplat coloca em cada acorde, em cada nova nota que rompe a tela, em cada novo tema que retrata a naturalidade cósmica inerente aos eventos retratados. É glorioso, magnífico e desde já um dos maiores trabalhos de uma trilha sonora da história recente do cinema. Como já citei, impossível esquecer de falar sobre os efeitos visuais que são em sua maioria realizada da mesma forma que Trumbull realizava quando Kubrick o chamou para realizar 2001. Manualmente e com ajuda dos mais diferentes elementos, o mosaico de efeitos que ilustram a criação do universo foi surgindo. Muito pouco de computação gráfica - por incrível que pareça - foi utilizado no filme.






Árvore da Vida é um filme complexo - isso só pra usar uma palavra popular. Desafia-te a pensar não só no filme, mas principalmente em que ele discute. Te choca com a beleza estonteante de cada plano e com sua pretensão desmedida em se fazer ouvir em uma momento do cinema em que poucos - muito poucos - tem alguma coisa dizer.

Malick não faz concessões. Se o espectador/leitor conhecer a filmografia do diretor, terá aqui uma experiência inesquecível, digna de contar para os netos: "eu vi Árvore da Vida no cinema", da mesma forma como muitos dizem ter visto uma série de clássicos eternos na sala escura. São experiências que marcam nossas vidas.

Mas, pelo mesmo motivo, muitos leitores/espectadores talvez se sintam ofendidos e profundamente frustrados, com o fato de Malick ter a petulância de não facilitar em nada o nosso "trabalho". Ele pode te ofender com sua plena falta de vontade de lhe premiar com respostas. Pode lhe enfurecer com a perspectiva de mais de duas horas de questionamentos metafísicos e espirituais e pode lhe fazer questionar a sanidade até mesmo desse crítico tão empolgado e devotado a escrever os porquês de seu profundo amor (a palavra não soa exagerada nesse caso) pelo filme.






Não se preocupe, sua reação é perfeitamente normal e compreensível. Apenas sugiro, que mesmo que tenha detestado com todas as suas forças o filme de Malick, lhe de outra chance, daqui a algum tempo. Arvore da Vida é daquele tipo de filme que cresce cada vez mais que é revisto e que jamais será possível ser inteiramente decifrado ou compreendido. É o desfio de Malick a humanidade: decifra-me ou devoro-te, tal qual uma esfinge encravada em nosso inconsciente.

Eu, de minha parte, jamais tentarei decifrá-lo, prefiro ser devorado em minha profunda ignorância, consumido por suas imagens, sons e idéias. Fazer parte do cosmo, digerido pelas estrelas e sublimado aos céus, onde quem sabe consiga responder se Malick tinha razão.

2 comentários:

  1. Então,achei um filme excelente, principalmente visualmente, incrível mesmo.Mas acho que para por ai um pouco, sei que todo mundo fala que é um filme complexo,cult,cool e outras derivações, pra mim faltou mais coesão,algo mais pra ser mais simples,a respeito da história em si.

    Preferi o Melancolia, que é oposto do arvore da visa...

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  2. O filme da minha vida até agora. Saí do cinema extasiado com as músicas, as imagens, as relações...TUDO lindo.

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