Diferente de outros diretores que surgiram em sua geração, Terrence Malick tem uma cinematografia completamente peculiar: não se entrega a qualquer projeto, não faz qualquer filme, tem personalidade forte - quase excêntrica - e se apega fortemente á mensagem. Mas não existe mensagem cinematográfica particular de cada um de seus filmes - como muitos outros cineastas fazem - mas sim, uma mensagem que quer passar em toda sua carreira, em sua existência como artista . É o raro caso do diretor americano que tem um discurso tipicamente europeu, e talvez seja por isso, por essa combinação do melhor de dois mundos, que Malick seja tão admirado e ovacionado, mesmo tendo uma carreira tão diminuta em número de longas .
E a principal mensagem que Terrence Malick se apega para transmitir, ao longo de sua carreira, talvez seja o tema clássico do Homem X Natureza . Desde seu primeiro filme, o excelente Badlands (1973), a mensagem já existia nos seus trabalhos. E se em Badlands, a mensagem foi um tanto quanto irônica - o homem, presumidamente equilibrado, era selvagem; a natureza, tida como selvagem, demonstrava puro equilíbrio - e inusitada - a psicose de Kit e Holly gerava risos nervosos - em seu longa de retorno (após cerca de 20 anos longe das câmeras) Malick trouxe um tema simplesmente perfeito para retratar sua citada dualidade: A Guerra. Desse modo, em 1998, Terrence Malick faz - tanto tempo depois de seu último trabalho até então, Cinzas no Paraíso - Além da Linha Vermelha, um filme contando a história da companhia C, na Segunda Guerra Mundial, no eixo do conflito no Pacífico.
A escolha de tema é genial por poder implantar a dualidade no longa a todo o momento. Ao mesmo tempo em que podemos ver a loucura dos seres humanos grifada em tela - e a guerra é um dos temas que faz isso melhor - temos sempre a natureza como plano de fundo literal. Afinal, o que está formando o cenário dos eventos? Onde os soldados estão? A natureza está em todo o lugar, e as cenas da Segunda Guerra permitem destrinchar ao melhor estilo Malick, toda a gama de interpretações e subtextos que aquela combinação pode gerar.
A partir dessa conclusão, Malick já inicia seu filme, logo no fotograma de abertura, com uma sacada genial. Um take único, simples e de breve duração: Um crocodilo adentra as águas de um lago escuro, desaparecendo lentamente enquanto submerge. Ou seja, através de elementos legítimos da fauna e da flora, podemos captar a insegurança e o temor humanos presentes na guerra. O crocodilo entrou no lago. A tensão instaurou-se. Uma bela mensagem inicial para abrir o espetáculo que virá a seguir. Após isso, somos apresentados, aos poucos - com takes de beleza singular - aos diversos personagens com os quais lidaremos ao longo da exibição. Todos integrantes da já citada Companhia C, que se dirige às proximidades do Japão, para seguir com os conflitos norte-americanos no Pacífico. Não demora muito para que os personagens se agrupem nos barcos que os levarão até uma ilha, ilha essa onde se desenrolarão as batalhas.
Desde já, somos acostumados a lidar com um recurso muito típico de Malick, que funciona incrivelmente bem em seus filmes, o que na mão de outros poderia virar didatismo incorreto: narrações em off. Aqui, elas permitem ouvir os pensamentos mais internos e melancólicos dos soldados, o que denota uma possibilidade de entender a Guerra em questão, por uma dimensão maior, mais aprofundada e imersiva - e por conseguinte, também mais dramática .
E quando começam as batalhas, o estudo da mensagem de Malick também começa: a cada vitória, há também o terror e o questionamento perante a violência. A sanguinolência, os horrores da guerra em cada um de seus milímetros são capturados pelas lentes sensibilíssimas do diretor. Cada soldado reage de um jeito, mas quase todos revelam a mesma incompreensão, o mesmo desespero frente à insanidade humana. Um retrato perfeito desta insanidade é construído, e ele só se destaca mais, frente á perfeição e equilíbrio da natureza. Em tela, essa dualidade (homem X natureza) é traduzida em takes imortais, como aquele em que borboletas azuis voam despretensiosamente sob uma mina que explode; ou no caso em que um jovem soldado, a beira da morte, encontra o fim do seu desespero ao contemplar uma singela vegetação na contraluz... São detalhes, mas que constroem uma belíssima crítica á humanidade, através de um desbunde, tanto em simbolismo, quanto em excelência técnica - os planos abertos de Malick e a fotografia sublime de John Toll , quando combinados á paisagem, geram arrepios.
A obra só não é impecável por um fator: ao utilizar a guerra como artifício para construir sua mensagem, Malick acaba se perdendo dentro do tema, e torna a própria guerra - por si só - um tema a ser abordado no filme. Aí brotam muitos personagens desnecessários, - verdadeiro excesso de estrelas, por conseqüência - sequências que tratam de hierarquia dentro do batalhão, e toda uma gama de assuntos que são pertinentes á didática geral da guerra, mas não ao foco principal - a crítica aos humanos e seu paralelo frente à natureza. Desse modo, talvez imbuído de uma vontade de criar um grande épico de guerra , Malick deixa uma duração gigante - 170 minutos - e dilui sua mensagem com excesso de arestas que poderiam - e deveriam - ser aparadas. Mistura o essencial - sua mensagem - com o meramente descartável e acidental - todas as dinâmicas de guerra dispensáveis. Diluindo conteúdo, Além da Linha Vermelha perde um pouco de sua força. Não foi aqui que Malick conseguiu a perfeição, porém, chegou muito perto.
Mas mesmo estando um pouco diluída , a mensagem vital permanece lá . E se prestarmos atenção ao desfecho do longa - que é genial e incrivelmente emocionante - podemos aprender muito com ele. Se ele nos fisga no início com o discurso do soldado Witt, (Jim Caviezel , o verdadeiro protagonista, se há algum) - repare no conto de Witt sobre sua mãe, logo no começo do filme - o seu final só nos permite entender que ainda há homens que aprendem com a sabedoria da natureza, com o equilíbrio da vida. E se é possível possuir tais sentimentos provenientes da natureza dentro de nós, ora, então ainda há esperança. Para todos nós.
FICHA TÉCNICA
Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998) 170 min.
roteiro: Terrence Malick
fotografia: John Toll
trilha sonora: Hans Zimmer
direção de arte: Ian Gracie
montagem: Leslie Jones, Saar Klein e Billy Weber
estrelando: Jim Caviezel, Nick Nolte, Sean Penn, Elias Koteas, Ben Chaplin, John Cusack, Adrien Brody, John C. Reilly, Woody Harrelson, Miranda Otto, Jared Leto, John Travolta, George Clooney, Nick Stahl e Thomas Jane
FICHA TÉCNICA
Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998) 170 min.
roteiro: Terrence Malick
fotografia: John Toll
trilha sonora: Hans Zimmer
direção de arte: Ian Gracie
montagem: Leslie Jones, Saar Klein e Billy Weber
estrelando: Jim Caviezel, Nick Nolte, Sean Penn, Elias Koteas, Ben Chaplin, John Cusack, Adrien Brody, John C. Reilly, Woody Harrelson, Miranda Otto, Jared Leto, John Travolta, George Clooney, Nick Stahl e Thomas Jane
Filme único e inesquecível.
ResponderExcluirBelo roteiro e fotografia genial.
Atuações pequenas e marcantes.