quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Melancolia
(Melancholia, 2011)
Drama - 136 min.

Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier

Com: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Alexander Skarsgard e Stellan Skarsgard

O filme irmão bastardo e bem comportado de Anticristo é a nova aposta do polêmico diretor Lars Von Trier, tão conhecido por seus filmes e por sua propensão a polêmica. Quem imagina que Von Trier tenha atraído os holofotes apenas no último festival de Cannes, talvez não se lembre de Os Idiotas, filme que provocou escândalo ao apresentar uma historia em que um grupo de pessoas finge ter deficiências mentais como forma de causar choque nas ditas pessoas "normais". Isso sem contar com a profusão de nudez e de sexo explicito que Trier encaixou no filme. Anos mais tarde, ousou ao criar dois filmes "esquecendo-se" dos cenários para analisar a nossa incapacidade de compreender e nos importar com o outro, mesmo que estejam a poucos metros de nós. Podemos julgar - de forma veemente - sua continua propensão a apontar o dedo para a humanidade e dizer que não valemos absolutamente nada, o que para mim, teve amplificações sem precedentes no complicado - e abominável - Anticristo, um filme que não se sustenta em momento algum, servindo-se apenas do choque gratuito que causa no espectador. Falta coesão em sua história, personagens que compreendam quem são e principalmente (por mais absurdo que pareça) uma história propriamente dita.

Chegamos então a 2011, e Von Trier abre a boca e causa a polêmica em Cannes, quando promovia a indicação de seu filme para a Palma de Ouro. Muito se disse sobre o diretor e pouco foi dito a respeito de Melancolia. Já passou da hora de percebermos que Von Trier adora um microfone e que é um caçador de confusões, mesmo que o faça sob as bases de um discurso que beira o adolescente revoltadinho com o mundo.


Mas ao analisarmos cada um de seus trabalhos é necessário esquecermos a figura humana e nos concentrarmos no diretor, em seu trabalho e seus resultados em tela. E felizmente, Melancolia é um grande trabalho, mesmo que tenha problemas em suas duas partes tão energicamente divididas (tal qual o citado "irmão bastardo" Anticristo), que funcionam como dois médias metragens estrelados pelos mesmos personagens.

O roteiro (escrito pelo próprio Von Trier) apresenta a personagem de Justine (Kirsten Dunst) que sofre de uma mistura de bi-polaridade com depressão e profunda melancolia. Quando o filme começa, ela está a caminho da festa de seu casamento (Von Trier um fanático por criticar os rituais da sociedade aqui se furta de apresentar o casamento religioso) em que tem de conviver com uma família complacente a seus problemas, mas que vive em constante estado de tensão devido a sua aparente enfermidade. Sua irmã Claire (Charlotte Gainsbourg) é a co-estrela do filme e divide as atenções com a vencedora de Cannes, sendo nessa primeira parte a principal coadjuvante. Na segunda parte, Von Trier apresenta a história do fim do mundo, a partir da chegada do planeta Melancolia que possivelmente se chocará com a Terra exterminando toda a vida no planeta.


Von Trier não faz segredo do desfecho de seu filme que já apresenta na primeira sequencia a colisão entre os dois planetas, além de plantar pistas sobre a personalidade dos personagens que serão exploradas no decorrer do filme. Aqui temos a primeira, de muitas provas, da qualidade excepcional da fotografia de Melancolia. Um trabalho de grande qualidade de Manuel Alberto Claro, que mesmo seguindo a estética Von Trier de filmar (muita câmera na mão, zooms automáticos, um certo desleixo nos enquadramentos, quando é necessário apresentar uma cena em movimento) consegue resultados impressionantes, em especial na segunda parte, que pretende ser mais contida e atmosférica. Isso é claro, sem esquecer a sequencia de abertura que é magnífica e que dialoga diretamente com Anticristo em sua forma.

Esse talvez seja o filme mais estelar de Von Trier, repleto de grandes interpretes, tal qualidade de atuações dá muito resultado em tela. Kirsten Dunst (na primeira parte do filme, intitulada Justine) consegue transmitir a exata sensação de deslocamento sem no entanto forçar a barra rumo à insanidade, ou a qualquer tipo de demência ou problema mais sério. Esse limiar, em uma condição de profunda tristeza auto infligida, ou talvez resultado de uma criação distante, têm reflexo na personalidade sempre apreensiva de sua irmã Claire (nome da segunda parte do filme que tem foco em sua personagem). Charlotte Gainsbourg apresenta aqui um desempenho igualmente impressionante, numa marcha sem trégua pelo fio afiado de uma navalha sabendo claramente que tem de tomar a rédeas da situação, enquanto sua irmã vive em seu próprio mundo. Na segunda parte, no entanto, despe-se de todas as máscaras e sucumbe ao inevitável apocalipse.


Completam o elenco principal, o brilhante Kiefer Sutherland, tendo uma chance rara de sair da zona de conforto dos personagens durões. Ele interpreta o marido de Claire, John, um rico empresário que é o responsável pela suntuosa festa de casamento de Justine. A princípio chega a ser impossível não se identificar com John, que parece o único são diante de uma família disfuncional e complicada. Mas com o decorrer do filme, em especial a segunda parte, vemos sua pretensa perfeição e integridade ir se desfazendo em nossa frente, culminando em um ato chocante, mas que faz todo sentido diante do crescente individualismo do personagem.

John Hurt e Charlotte Rampling (Dexter e Gaby respectivamente) são os pais da noiva, que vivem um casamento que não existe e cada qual se refugia em seu próprio mundo de sonho. Hurt é um senhor metido a conquistador que se esquiva de toda e qualquer responsabilidade sobre a vida das filhas e da mulher. A personagem de Rampling por sua vez é a quintessência da amargura. Amarga com seu casamento e com sua vida, servindo como espelho de uma possível versão da personagem de Dunst, que claramente herdou traços da personalidade da mãe. Com menor destaque temos o sempre talentoso Stellan Skarsgard, aqui interpretando o frio e mesquinho patrão de Justine, e seu filho na vida real Alexander Skarsgard, que vive o patético e profundamente apaixonado noivo, Michael.


Melancolia é repleto de mensagens subliminares inteligentes e instigantes. A mais interessante delas é a da festa de casamento como reflexo da vida, ou mesmo uma analise sobre a própria condição do ritual do casamento. A primeira parte do filme começa e termina com uma festa de casamento, que é adequada a analise da convivência humana. No inicio - segundo a cartilha de Von Trier - o filme parece dizer, que a ansiedade pelo desconhecido nos move para frente, em busca de respostas que talvez não sejam possíveis de serem respondidas. Com o passar do tempo (e da festa) percebemos que as cores não são tão brilhantes e que somos envolvidos por uma profunda apatia e que realizamos certas atividades como se fossemos obrigados pela sociedade, mesmo que na verdade não tenhamos nenhum interesse nela. Essa grandiosa festa, culmina na melancólica percepção de que a vida passou e que no fundo ela não importa de verdade, já que somos destinados a infelicidade e a tristeza.

Esse discurso profundamente niilista apesar de soar adolescente é bem fundamentado pelo filme. Apresentando uma série de rituais profundamente valorizados pela sociedade - aqui vistos de forma ácida pela lente sempre agressiva do diretor - o filme funciona muito bem entre suas personagens na primeira parte.


A personagem de Dunst apresenta os grandes diálogos do filme quando tenta manter-se sã em meio a seu profundo estado de apatia. Em especial quando conversa com sua irmã e diz sentir-se presa por um fio de lã cinzento, que o espectador mais atento talvez tenha visto na primeira e belíssima cena do longa.

Porém, nem tudo "são flores" no mundo perturbado de Von Trier. O segundo segmento, que aborda de maneira mais óbvia o fim do mundo, peca por abolir praticamente a personagem de Dunst, que caminha trôpega pela tela, dando espaço a intensa interpretação de Charlotte Gainsbourg e de Kiefer Sutherland, que tem um dos finais de personagem mais cheios de mensagens subliminares do cinema recente.


O discurso de Von Trier também parece um pouco vago, e sua excessiva tentativa em mortificar todo e qualquer ritual social surge de forma exasperada em todos os seus filmes, que satirizam e até ofendem a humanidade sem muita dó. Mas essa, não deixa de ser a opinião pessoal desse crítico, que não crê nessa visão escurecida de Von Trier sobre os seres humanos. Se o leitor talvez for um defensor ou simpatizante da visão de humanidade, como algo desprezível e que não faria falta em um planeta tão bonito e rico como o nosso, talvez aproveite melhor o discurso de Von Trier.

Por não ter comprado a discurso e ter entendido que o filme de Von Trier sofre com sua divisão tão rígida em dois atos que não funcionam da maneira deslumbrante com que as imagens que a ilustram poderiam demonstrar, é que Melancolia não leva um conceito maior. Embora seja impossível esquecer seus últimos planos, onde a escuridão e o som nos fazem companhia.



Um comentário:

  1. ESSE FILME SIM É UMA OBRA PRIMA...!!!
    Posso parecer meio parcial, muito por causa pela identificação pelo filme e personagens, mais esse filme que o oposto do Arvore da Vida (classificado como obra prima aqui) ele é emocionante, depressivo, cativante e que ainda tem a peladona da Kristen Dunst....

    ResponderExcluir