sexta-feira, 9 de março de 2012

Guerreiro


Guerreiro
(Warrior, 2011)
Drama - 140 min.


Direção: Gavin O'Connor
Roteiro: Gavin O'Connor, Anthony Tambakis e Cliff Dorfman


Com: Tom Hardy, Joel Edgerton e Nick Nolte


O MMA - as famosas artes marciais mistas - não é recente, e tem uma história que vem através do século XX, ganhando uma grande organização em um campeonato mundial no início dos anos 90, com a formação do UFC.  Dentro desses quase 20 anos de evento, o UFC ganhou muita popularidade - em escala mundial - principalmente nos últimos anos. Grandes astros formados, incríveis campeões, muitos deles brasileiros, como Anderson Silva, José Aldo, etc. Por se tratar do "esporte que mais cresce no mundo" e possuir um índice de aprovação muito grande em nossas terras, é de se perguntar por que Warrior, filme que retrata o mundo do MMA com estilo e energia, não tenha estreado nos cinemas no Brasil.

Largado por aqui em Home Video, não é apenas por seu apelo diante do público que ficamos intrigados por seu não lançamento nas telonas brasileiras - de fato, trata-se de uma inacreditável falta de faro comercial a perda de uma oportunidade como essa - mas principalmente pela impressionante qualidade do filme dirigido por Gavin O'Connor. Warrior possui qualidades inegáveis que elevam o longa quando comparado com alguns similares do gênero. Com um elenco fortíssimo e um roteiro bem arquitetado, a produção revela-se muito interessante por tratar de um drama familiar delicado através da temática  de MMA.

A envolvente história nos apresenta a  Paddy Colon (Nick Nolte) um simpático senhor com um passado em frangalhos por seu antigo alcoolismo. Regenerado, ele reencontra o filho , o ex-marine e antigo lutador Tommy Riordan (Tom Hardy), que o convida pra voltar a treiná-lo, para o "Spartan" um torneio internacional de MMA que dará ao campeão 5 milhões de dólares. Enquanto isso, o outro filho de Paddy, Brendan Colon (Joel Edgerton) vive como um pacato professor de física com sua família, até o momento em que a hipoteca de sua bela casa vence, fazendo com que ele busque lutas clandestinas para angariar a renda necessária para quitar a dívida da residência. Com a notícia do torneio e a possibilidade de participar para conquistar o valioso  prêmio, o ex-lutador de UFC que lecionava em escolas volta aos ringues. Na disputa, ele, o irmão Tommy e o pai, que são elementos do campeonato, voltam a se relacionar, e reavivam velhos fantasmas do passado que atormentou um dia a devastada família.




O roteiro escrito a seis mãos por Gavin O'Connor, Cliff Dorfman e Anthony Tambakis é inteligente e bem construído, criando uma narrativa que, em essência, retrata um grande drama familiar através da didática do "filme de lutador".  David O. Russel fez isso de maneira muito esperta em O Vencedor, em 2010, dando vida a personagens-esteriótipo, colocando-os em situações familiares rotineiras, com um olhar íntimo nesse ambiente, além de focar a reunião da família em torno do objetivo de seu caçula: o sucesso como pugilista.

Warrior trás, entretanto, personagens muito mais realistas em suas cargas dramáticas, passando emoções  bem mais verossimilhantes que as do filme estrelado por Mark Wahlberg. Não por acaso o conflito familiar em Warrior é muito mais melindroso: aqui os personagens são afastados pelo tempo, por atitudes erradas, e vivem em um constante isolamento sentimental. Se em O Vencedor a família se unia atrás de um objetivo e lutava junto, nesta película a dissonância reina. O pai é odiado pelos filhos por ter sido um calhorda quando bêbado, por isso nunca é recebido verdadeiramente de braços abertos; a mágoa entre os irmãos não permite diálogos tranquilos - por mais que um tente iniciar o contato, o orgulho e o rancor impedem a criação de um vínculo.

Esses problemas nos trazem aos ringues. O diretor Gavin O'Connor usa o octógono como uma terapia, e utiliza da lógica de que a melhor maneira de se conseguir uma reconciliação em um caso tão grave é através da catarse.  Uma rede de ressentimentos tão fortes  só pode ser destruída de forma catártica. Ora, para que possamos construir novos sentimentos, ou recuperar antigos, é preciso despejar a mágoa entalada na garganta, limpar a sujeira e recomeçar a relação "descarregado". Nenhum lugar pode ser melhor para extravasar um rancor de anos do que no ringue, num saco de pancadas, no corpo-a-corpo e no grito. A cena onde o personagem de Nick Nolte volta a se embriagar é um exemplo claro do extravasar pelo qual os membros daquela família passam.




E, é claro, devemos citar a cena da luta dos irmãos. Neste caso, o duelo entre Tommy e Brendan ultrapassa uma mera catarse. À medida que os personagens trocam golpes, se ferem e travam uma batalha corporal, percebemos que não ocorre apenas o "descontar" de uma raiva encubada. Os socos, chutes e estrangulamentos executados nada mais são do que a transmissão do afeto que um sente pelo outro. Quando o orgulho é maior, e não temos  a capacidade de dar um abraço e pedir desculpas, então damos o carinho através da pancada, estabelecemos o contato pela dor. A cena explicita isso de forma clara, e produz uma sequência  profundamente emocionante.

Obviamente requisita-se certa suspensão de descrença quanto ás anormalidades dentro do universo das lutas (como dois ex-lutadores, há muito parados, vão derrotar campeões mundiais em pleno ritmo e vigor físico?) mas como o fator crucial é mesmo a resolução das questões familiares,  é possível relevar tais exageros sem forçar a barra . A cada confronto, a energia do longa renova-se, e fica muito bem ilustrada nas feições de cada personagem a "purificação" que cada luta faz para seu corpo, queimando sua raiva.  E para encarnar tais sensações, sem dúvida, precisa-se de um elenco afiado. É por isso, justamente, que Warrior consegue sucesso: tem atores talentosos, mas que possuem principalmente a presença de cena necessária para interpretar a explosão que cada persona desenvolve durante a projeção. Joel Edgerton possui muito bem essa presença, e Tom Hardy, além de transfigurar-se como a revolta em pessoa, é a mais clara encarnação da fúria, apenas confirmando sua habilidade, principalmente para papéis desse tipo.

Mas o grande destaque é mesmo Nick Nolte. Incorpora um sujeito aos cacos, que, apesar de tentar mostrar força e determinação pela voz, demonstra fragilidade e fraqueza absoluta quando frente a frente com os filhos. Revelando a tristeza e arrependimento pelos olhos, Nolte consegue criar um Paddy Colon tridimensional e realista, atraindo o foco do filme para si a todo o instante. Ajuda também na atmosfera a funcional fotografia, que, saturada, simboliza bem o desgaste de cada elemento da família, além de criar um ar documental quando assistimos às lutas, o que facilita a imersão naquele universo.




Com uma direção repleta de closes sangrados, fato que promove o dissecar das emoções de cada personagem, Gavin O'Connor entrega aqui um filme profundo, porém nunca aborrecido, que se mantém enérgico e inclusive divertido. Com cenas inesquecíveis, Warrior é um louvável estudo sobre reconciliação - beirando a antropologia em certos momentos - com análise perfeita das reações humanas, e defendendo a tese de que, para certas situações, a catarse é a melhor solução para um problema sentimental.


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