Jogos Vorazes
(The Hunger Games, 2012)
Ação/Drama - 142 min.
Direção: Gary Ross
Roteiro: Gary Ross, Suzanne Collins e Billy Ray
Com: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Wes Bentley, Stanley Tucci, Toby Jones, Donald Sutherland, Liam Hemsworth
Jogos Vorazes é uma ideia muito boa. Mesmo. Misturar mitos gregos (no caso, o do Minotauro), com uma versão anabolizada e contemporânea do Império Romano, ao lado de uma crítica aos reality shows e a violência na TV. Parece bom não? Uma pena, no entanto, que o desenvolvimento da historia seja raso e deficiente, apostando em deixar essa critica (muito) subentendida, de não desenvolver com mais afinco os personagens e em um ritmo de videoclipe que não combina com a quantidade de ideias jogadas na tela.
Em resumo, Jogos Vorazes fala de um futuro pós-apocalíptico onde a - hoje - América do Norte, se transformou em um grupo de distritos (curiosamente 13, assim como as 13 colônias fundadoras dos Estados Unidos) que juntos formam uma espécie de país chamado Panea. Depois de uma guerra civil, onde os distritos pobres (ou seja, todos) se uniram contra o poder central vindo de uma capital e foram derrotados, foram instituídos os tais Jogos Vorazes, que reúnem todo ano um garoto e uma garota como sacrifício a "memória dos caídos pela guerra". Os tais sacrifícios - no filme chamados de Tributos - são reunidos em uma arena (pelo que vemos de forma e estilo diferentes a cada ano) onde lutam até a morte, coroando todos os anos um novo vencedor. Esse torneio por sua vez, é transmitido para todo o país e é a grande forma de diversão que os habitantes desse mundo encontram.
Em termos cinematográficos, Jogos Vorazes é muito bem realizado. Sua direção de arte assumidamente brega e cafona é inteligente para o contexto da historia, que prega que os habitantes da capital vivem em uma completa onda hedonista e fora da realidade do mundo, por isso quando a personagem de Elizabeth Banks surge no começo do filme, diante de uma multidão de jovens no distrito 12, o contraste entre suas roupas cor de rosa (que a fazem parecer uma mistura entre aristocrata do tempo pré-revolução francesa com um poodle muito irritante) e as vestes simples e surradas de uma geração de jovens prontos para o sacrifício são importantes para situar o espectador - que tomará um choque, quando enxergar a ideia de figurinos e direção de arte escolhidas - do mundo em que ele acompanhará.
A crítica - novamente - realizada de forma sutil demais, ainda dá espaço para outros postos (em teoria) fúteis, como um "personal stylist" que ajuda os candidatos escolhidos para o jogo a se tornarem mais atraentes para eventuais patrocinadores, ou mesmo a personagem de Stanley Tucci, um apresentador de TV (ou algo assim) que tem um programa de entrevistas onde os personagens são apresentados ao público, e - novamente - tem a chance de "vender o peixe" e conquistar fãs e investidores.
O calcanhar de Aquiles do filme é o de apostar muito na rotina de treinos dos personagens, sem no entanto aprofundar a relação entre aqueles personagens. Ora, se teremos que acompanhar 24 garotos se matando pela vitoria e sobrevivência, seria muito interessante conhecermos aquela gente, para - quando eles forem morrendo - consigamos nos apegar a alguns deles. A exceção de uma garotinha que segue a personagem principal durante todo o filme e o seu parceiro de distrito, não ficamos torcendo ou mesmo conhecendo mais ninguém.
Quando o filme finalmente parte para o tal reality show, a violência vista de um massacre entre um grupo de pessoas, é brutalmente atenuada (talvez visando uma censura mais baixa) e a tal participação dos patrocinadores muito branda. Talvez se tivéssemos a chance de ver a coisa pelos olhos do espectador (tal como Show de Truman fez , ainda - e de longe - o melhor filme sobre a exploração da Tv e dos reality shows) poderíamos perceber a insanidade e o fanatismo dos espectadores pelo jogo.
Sei que nada disso está no livro (apesar de não ter lido, conversei bastante com diversas pessoas que o leram para tirar dúvidas que tinha em relação à obra) mas penso que a estrutura do livro (contado em primeira pessoa) apesar de muito complicada no cinema, poderia ser aproveitada. A ideia de Katniss (a personagem principal) ficar questionando a insanidade dos habitantes da capital com a disputa, poderia aparecer de alguma forma no filme.
Como disse, a aparente amoralidade que o diretor Gary Ross (do ótimo Minha Vida em Preto e Branco e do mediano Seabiscuit) mostra tudo ao seu redor pode ser confundida com apologia por alguns espectadores. Não é minha visão. Ross é expositivo, mostra e pede que o espectador entenda e também se choque com aquela população abobalhada e sedenta de sangue, e que não considera a morte dos tais tributos como absurda.
Espero que o público que acompanhe o filme perceba essa ideia e não a confunda com apologia a violência, porque não parece ser essa a intenção do filme. O que não o exime de ser raso na relação dos personagens com o mundo ao redor. Se aceita muito fácil a situação, o que talvez também seja outra crítica velada, e os jovens atores coadjuvantes têm pouco a fazer já que seus personagens praticamente não existem.
Os mais velhos que acompanham nossa heroína, também tem pouco a fazer e a exceção de Woody Harrelson que se diverte como o treinador/conselheiro dos escolhidos vindos do distrito 12. Fazendo de Haymitch um sujeito mal humorado, que está nessa vida embora visivelmente discorde dela, sempre com observações irônicas e de humor negro é um personagem talhado para Harrelson. Já os demais têm personagens que são simplórios e portanto tem pouco a acrescentar. Wes Bentley é mais notado por seu exótico (e complexo) corte de barba do que por sua atuação como o "mestre do jogo", assim como Donald Sutherland - esse com uma vistosa barba digna de um papai Noel - que passa o filme inteiro entre caretas enfezadas e colocações num inglês praticamente incompreensível. Outro que se destaca é Stanley Tucci, à vontade como o tal apresentador de tv, irônico, engraçado e vestindo a carapuça de mestre de cerimônias de um jogo doentio ao lado do parceiro Toby Jones, que também está bem.
Mas toda a responsabilidade do filme está mesmo nos belos ombros de Jennifer Lawrence, essa atriz talentosa e versátil, e que se não tiver nenhum problema durante sua carreira, será uma das mais importantes de sua geração. Surgida no drama intenso Inverno da Alma, Jogos Vorazes marca sua segunda aparição em um blockbuster, e novamente (como havia feito em X-Men: Primeira Classe) se sai muito bem. Conseguindo caminhar entre o drama (a cena em que sua personagem precisa enterrar outra durante os jogos é emocionante), as cenas de ação e até mesmo o romance, a atriz se sai muito bem.
Seu coadjuvante principal, Josh Hutcherson (conhecido por Viagem ao Centro da Terra, Minhas Mães e meu Pai, Ponte para Terabítia entre outros) faz de Peeta um sujeito com problemas de autoestima e apaixonado. Longe de ser um ator tão interessante quanto Jennifer, não compromete e mesmo parecendo um pouco deslocado quando as cenas de ação surgem, não está mal no filme.
Diferente do que vem sendo vendido por aí, Jogos Vorazes não usa do romance como a série Crepúsculo (pelo menos nesse primeiro filme), e apesar de encerrar o filme com um gancho que pode apontar para uma historia que aposte mais nesse sub-gênero, não é esse o foco do filme. Diferente do que acontece com a heroína da serie dos vampiros, Katniss é uma menina forte e profundamente decidida e pró-ativa, e que enxerga a paixão e o amor em planos secundários, já que sua realidade a faz se importar mais em ter o que comer e - no caso - de sobreviver, do que o de "encontrar um amor". Mesmo assim, o romance também está presente, o que pode ampliar o escopo da produção, atraindo um público ainda mais abrangente.
Jogos Vorazes, como disse no início é uma ótima ideia, e confesso que me instigou a ler os livros (o que não é fácil de acontecer, assumo), embora o filme seja raso nas discussões que propõe. Espero encontrar essa intenção nos livros da série, que pretendo ler. Não chega a ser ruim, e é correto em tudo que se propõe, mas não consigo deixar de sentir que aqui, se perdeu uma chance enorme, de transformar Jogos Vorazes em mais do que o blockbuster que certamente se tornará. Perdeu-se a chance de transformá-lo em um libelo contra a violência de forma mais direta, e mais aguda atingindo diretamente o público leitor e consumidor de cinema nos dias de hoje. Esperemos que na segunda parte (dos quatro filmes que serão produzidos baseados nos três livros da série) esses temas ganhem força e se tornem mais importantes para a historia contada na tela.
Gostei muito do comentario, sempre bem colocado.
ResponderExcluirSua visão relacionada ao filme ficou muito boa. Vez desperta a leitura sobre este filme.
Obrigado irei acompanhar os proximos, comentarios sobre filme já esta na minha listra de FAVORITOS.^.^ Lucas Li
Adorei a critica.
ResponderExcluirBem, eu gostaria de dizer que li o livro "Jogos vorazes" -que inspirou o filme- e por isso, acho que posso dizer que o adaptação cinematográfica poderia ter ficado melhor... Eles tiraram alguns personagens do filme, modificaram muitas coias e tudo o mais...
Fiquei um pouco triste com isso...
:(