Anvil: The Story of Anvil
(Anvil: The Story of Anvil, 2008)Documentário - 80 min.
Direção: Sacha Gervasi
Se existe alguém que merecia reclamar com todas as forças que deveria ter sido incluído na festa do Oscar desse ano, esse alguém é Sacha Gervasi. O homem por trás da força de natureza chamada Anvil: The Story of Anvil. Um dos documentários mais emocionantes e cruéis sobre o show business e os reflexos que essa vida tem sobre os que nele militam.
Gervasi aponta suas câmeras para a banda de thrash metal canadense Anvil, uma das mais importantes na criação do estilo e influência para muitos artistas e bandas hoje consagradas, como o próprio documentário mostra em sua abertura. Por lá desfilam Scott Ian (do Anthrax), Lemmy Kilminster (Motorhead), Lars Ulrich (Metallica), Slash (ex- Guns'n'Roses e Velvet Revolver), Tom Araya (Slayer) entre outros. Lendas falando sobre como a banda de Rob Reinner e Lips os influenciou e os fez repensar o som que fazia a época.
O contraste que o filme propõe a seguir é "chocante", principalmente para aqueles que ainda acham que pelo fato da pessoa estar envolvida com arte em algum aspecto, ela é "diferente" ou "especial". Muita gente ainda acha que o fato de lidar com alguma expressão artística faz do cidadão um bon vivant, alguém que vive a vida na "flauta". Anvil conta, a partir da história da banda, a história de diversos de nós (esse que escreve inclusive) que lidam com a cultura pelo amor. Amor por lidar com alguma coisa que as transfira para longe da realidade patética da nossa sociedade bi-dimensional e castrada, muitas vezes - na maioria delas - sem receber os méritos devidos ao esforço gasto.
No caso do Anvil, a situação é a seguinte: Lips trabalha como motorista num serviço de Buffet para crianças de escolas públicas canadenses e Robb é um pedreiro. Conseguem imaginar profissões mais dicotômicas para artistas? Talvez se um deles fosse cobaia em experimentos científicos, ou algo do tipo, mas a questão levantada aqui é a que ponto o homem consegue se manter otimista e crente em seu sonho, mesmo quando todas as portas a sua frente parecem lacradas.
Lips mostra-se otimista e lutador. Reinner é a âncora, aquele que trás a terra o amigo - de mais de trinta anos - e o coloca dentro da realidade que vive. Mas ambos amam com todas as forças o que fazem.
Gervasi começa seu documentário apostando na síndrome da montanha-russa (que diz: tudo que atinge o auge, tende a cair de forma vertiginosa) para contar - e isso é raro num documentário - uma história, com arcos dramáticos durante a filmagem.
Os arcos envolvem uma tour bizarra pela Europa, onde de grandes festivais (como o Sweden Rock Fest) a banda passa a enfrentar problemas estranhos e patéticos, como uma discussão acalorada com um promotor tcheco, o descontrole da agente italiana da banda, brigas entre membros da banda, sucessivos atrasos entre outros. Para quem tem contato com bandas underground sabe que a vida real é assim mesmo, e que uma ínfima parcela consegue se manter apenas com o que faz. A mesma realidade pode ser encontrada no futebol, por exemplo, que também sofre com a generalização. Nem todos os músicos, escritores, pintores e afins são ricos e vivem de arte. Muitos precisam da arte, como o advogado precisa de clientes e o engenheiro de prédios para construir. Não é só prazer e diversão, mas trabalho, e sério.
O mais bonito nisso tudo é como Lips - o mais otimista dos otimistas, digamos assim - consegue encontrar alegria em quase tudo. Durante o festival sueco ele parece uma criança pequena numa loja de doces, tal seu encantamento ao encontrar alguns de seus ídolos, como Michael Schenker (ex-Scorpions e UFO), Robbo Robertson (Motorhead), J J French (Twisted Sister) e Tommy Aldridge (ex- Whistesnake, Ozzy entre outros).
Não bastasse a tour estranhíssima, Gervasi ainda mostra o drama da banda para conseguir gravar um novo álbum. Sem dinheiro, tendo de recorrer aos familiares para apoiarem seus sonhos, é emocionante e honesto a cada frame a disposição desses homens na tentativa de conseguirem atingir o máximo. A partir daí o documentário aborda as dificuldades e a relação da banda com aqueles que os amam, mas que temem pela realização de tais sonhos.
Gervasi ainda guarda algumas surpresas inteligentes na manga e arma uma apoteose final grandiosa e digna de tirar lágrimas dos olhos dos mais sensíveis.
Muitos podem criticar o "realismo" de algumas imagens, em especial as discussões acaloradas, minando o grau de mundo real visto ali. Mas, honestamente, mesmo que cada frame fosse montado e uma tremenda mentira, a história dessa banda e desses homens é um tratado sobre amizade, dedicação a sua paixão, fé e esperança em seus sonhos.
Uma mensagem linda e atemporal.
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