Inimigo Público nº 1 - O Instinto da Morte
(L'Instinct de Mort, 2008)Thriller - 113 min.
Direção: Jean-François Richet
Roteiro: Abdel Raoufi Dafri e Jean-François Richet
Com: Vincente Cassel, Cécile de France, Gérard Depardieu
Vincent Cassell (de Senhores do Crime, Irreversivel, Á Deriva entre muitos outros) estrela essa cine-biografia do mais famoso bandido francês, o "mítico" Jacques Mesrine, morto numa ação policial em 1979, após anos de buscas, fugas espetaculares, disfarces, amores, roubos e um rastro de violência que passou pelo país natal, Canadá, Estados Unidos, Espanha e Venezuela.
Nesse primeiro - de dois filmes dirigidos por Jean François-Richet (do remake de Assalto ao 13º DP) - é contada a origem, os primeiros crimes e o auge da "bandidagem" do personagem. O roteiro é baseado no livro do próprio Mesrine, intitulado "L'Instinct de Mort", adaptado pelo próprio diretor e Abdel Raouf Dafri.
Na verdade, Inimigo Público é mais do que um cine-biografia tradicional, mas um filme de gangster americano tradicional emoldurado por essa história. Muito de Brian de Palma, Martin Scorsese de os Bons Companheiros, John Frankenheimer e até Steven Spielberg de Munique podem ser notados como influencia para a construção do filme de Richet, que também volta a apresentar características de seu trabalho americano - o já citado Assalto - como cortes secos, movimentação de câmera sutil, muitos planos diferentes da mesma situação (alguns até mostrados no filme), um "olho" muito bom para a construção de seqüência de ação e uma excelente noção do espaço onde monta seus filmes. Em Assalto tínhamos um espaço fechado que o diretor usou muito bem para contar sua história. Aqui, Richet usa as diferentes características dos diversos cenários para construir seqüências inteligentes, que mesclam o “americanismo” típico desse tipo de obra, com a questão mais artística - na falta de palavra melhor - contida nos policiais franceses.
A narrativa segue os mesmos passos das boas biografias de criminosos, para o bem e para o mal. Existe a óbvia romantização do crime, e nesse ainda existe o exagero de mostrar diversas situações que "forçaram" Mesrine a seguir o caminho da bandidagem. Seja uma demissão após sua primeira prisão, um contato criminoso durante um trabalho numa obra ou um rico de cadeiras de roda que se invoca com a companheira do personagem. Richet, e seu roteiro, dizem que: esse homem tentou, mas a vida o forçou, ou melhor, apresentou melhores condições de sobreviver indo nesse caminho. Um simplismo exagerado, que os grandes filmes sobre crime evitam. Em Os Bons Companheiros por exemplo, por mais que o crime seja atraente e desejável para quem assiste, Scorsese jamais tenta amenizar a condição daqueles homens. São bandidos, caras ruins, pessoas que você não gostaria de dever favores ou mesmo cultivar amizades.
Richet prefere mostrar seu bandido, como um produto do meio, alguém que foi forjado nas ruas e na necessidade. As motivações para isso - a guerra na Argélia e o desprezo a submissão de seu pai - não funcionam, e nos dão a impressão nítida de que a biografia foi editada por Mesrine, para que ele aparecesse "bem na fita".
Richet assume essa condição, quando antes de qualquer cena, apresenta um texto na tela onde diz que o filme não se trata de uma biografia literal pois resumir a vida de alguém num filme é impossível - o que concordo - e que alguns eventos são fictícios. Diante da pluralidade de eventos, o espectador se pergunta aonde está o fictício e onde está o real. Tudo se mistura, e isso não é um demérito, já que a coesão da narrativa, por mais que a motivação do personagem seja muito questionável, é visível. Os eventos se amarram e seguem uma coerência do que quer ser dito.
O problema é que na ânsia de mostrar muito, os 113 minutos parecem pouco para a pujança de informações e eventos. Talvez um pouco mais de "tesoura” na edição ajudasse o ritmo do filme, que cambaleia na metade final.
Existem alguns grandes momentos, em especial nas seqüências de ação, como a sensacional - e quase irreal - fuga de Mesrine da cadeia. Uma mistura de Um Sonho de Liberdade, com os gadgets de Onze Homens e um Segredo com o "fator furtivo" dos games da série Metal Gear. Um colosso de seqüência, que prende o espectador na cadeira, roendo as unhas no aguardo da conclusão da cena.
Méritos não só a Richet, mas ao editor Serve Schneid, que montou todas as seqüências com grande competência, fugindo do "piscou perdeu", mas ainda sim com cortes o suficiente para que o diretor pudesse manter o ritmo acelerado de seu filme. Robert Gantz, o fotografo, também merece uma fatia generosa do bolo. Excelente noção de posicionamento de câmera, alguns bastante artísticos - a cena de Cassel nu na cadeia é brilhante - mas sempre de acordo com a proposta do filme. Câmera na mão, muitos ângulos diferentes e acertando no tom das passagens de tempo, apesar de não ter havido preocupação de iluminar cada período de forma diferente, dando uma sensação de fluidez - é verdade - mas causando estranheza para quem "perde" a legenda mostrando a passagem de tempo da primeira parte - anos 50 - para a segunda - início dos 60.
Cassel parece muito à vontade no papel de Mesrine. Abusando do gestual e da expressão corporal para compor a máquina criminosa, mas derrapando ao não apresentar mudanças em seu personagem com a passagem de tempo. Cassel preferiu - e pode ter sido orientado pelo diretor - manter Mesrine inconseqüente por quase a totalidade do filme. A emoção mais exacerbada que permeia o filme todo, ajuda essa constatação. Mesrine parece um garoto mimado berrando com todos de que a bola é sua. Nem mesmo o apelo "Robin Hood" ou anti-herói é bem explorado. Novamente, parece que Mesrine - espiritualmente - "abençoou" o projeto, editando secretamente tudo que pudesse mudar a imagem de máquina do crime.
Quem está muito bem é Gerard Depardieu, num papel muito diferente do que o grande público está habituado a ver. Um velho gângster, uma espécie de mentor do personagem de Cassel. Mesmo não tendo tanto tempo assim de tela, consegue sair-se bem no que lhe foi pedido. Demonstrar ser a "asa negra", aquele que põe Mesrine no caminho sem volta da ruína. Notem que seu personagem sempre é acompanhado de algum detalhe em preto no quadro. Ou é sua roupa, ou óculos escuros ou a iluminação noturna que preenche a tela de sombras. Funciona apesar de ser batido.
Tratando-se de uma parte um, o filme tenta ser uma introdução e um aprofundamento das características do personagem. Talvez funcione melhor numa sessão dupla com o segundo. Sozinho, analisado como tal, é falho na condução dos personagens. Faltou tempo para seu personagem crescer emocionalmente como deveria. Se Richet guardou tudo para o segundo filme, falhou, pois enfraqueceu sua primeira "hora" com uma sucessão de cenas de ação - boas é verdade - e esqueceu do homem por trás do mito.
Filmaço! Vi as duas partes... Sou fã do Cassell de longa data. Bom vê-lo envolvido em projetos como esse!
ResponderExcluirCultura na veia:
http://culturaexmachina.blogspot.com