Daybreakers
(Daybreakers, 2009)
Terror/Suspense - 98 min.
Direção: The Spiering Brothers
Roteiro: The Spiering Brothers
Com: Ethan Hawke, Sam Neill, Willem Dafoe, Audrey Bennett
A filmografia vampírica talvez seja a mais extensa da história do cinema. Desde Vampyr de Dreyer, passando pelo seminal Nosferatu, Drácula, o período da Hammer, a reinvenção oitentista pop comandada por Joel Schumacher em seu Garotos Perdidos e - hoje oscarizada - Kathryn Bigelow e seu Near Dark, Coppola e sua versão quase acadêmica do livro de Stoker, Entrevista com Vampiro de Neil Jordan, os filmes matrixianos da série Anjos da Noite, os russos de Timur Bekmambetov, a adaptação quadrinística de 30 Dias de Noite culminando no vampiro que brilha da série (e não saga) Crepúsculo. Isso sem contar os filmes de Polanski, a produção hispânica, italiana, oriental e afins. Vampiro é um tema tão extenso que até enciclopédia têm. Um calhamaço de mais de mil páginas que esmiúça diversas produções culturais (desde peças, livros, poemas, série de TV e filmes) e origens do mito em diversos lugares do mundo.
Tal apelo é facilmente explicado pelo que o ser das trevas conquistou durante esse século que se foi. Retratado de quase todas as maneiras possíveis e imagináveis, o Vampiro é o maior dos "monstros" e a cada ano novas produções são apresentadas ao público.
É o caso de Daybreakers, filme com roteiro e direção dos irmãos Spiering, que passou despercebido pelas telas brasileiras e americanas. Em casos como esse se costuma de imediato (falamos de um pretenso blockbuster) questionar a qualidade da obra, já que nem seu público, dito alvo, conseguiu comprar a idéia da produção. Trocando em miúdos, o filme tem um grande potencial de ser uma "bomba".
Surpreendentemente Daybreakers passa longe de ser uma porcaria, mas não é também uma obra que entrara no hall das grandes produções do gênero.
O melhor em Daybreakers é sua ambientação e sua "mitologia". Daybreakers se passa em 2019, após uma peste desconhecida ter transformado a maioria da população em vampiros. Diferentemente do que 99% de outras produções (como Eu sou a Lenda,por exemplo) fizeram, os vampiros não se transformaram em monstros horrendos. São "pessoas" comuns, como eu ou você, com a peculiar diferença de tomarem sangue. Os vampiros - e isso é mostrado na seqüência inicial com um recurso bastante comum, recortes de jornal - tentam uma espécie de acordo com os humanos que restaram. Com a recusa, os humanos passam a ser caçados e servem de comedouros para os vampiros, que mantém essas pessoas vivas retirando seu sangue, até que eventualmente, esses capturados morrem.
Isso tudo nos é apresentado nos primeiros dez minutos, quando conhecemos o personagem de Ethan Hawke (Edward Dalton) um hematologista que está em busca de um substituto ao sangue humano, já que - obviamente - a caçada dos vampiros fez minguarem a quase zero a população dos não vampiros.
O interessante é que os irmãos Spiering conseguiram se antecipar a diversas supostas perguntas sobre aquele mundo, nos entregando algumas respostas por meio de anúncios de TV e conversas paralelas de alguns personagens. Por exemplo: embaixo das casas vampiricas (que tem uma espécie de protetor de raios ultravioleta) corre um labirinto que liga as casas - como ruas subterrâneas - onde os vampiros podem circular durante o dia. O mesmo vale para os carros, que recebem uma película protetora contra o sol.
Essa ambientação vende o filme e faz o espectador comprar a idéia daquele lugar, personagens e plot narrativo. Plot esse que apresenta um problema a ser resolvido pelos envolvidos: com a falta de sangue, alguns vampiros passam a se comportar de forma animalesca, retrocedendo a algo próximo do que podemos identificar como "Nosferatus genéricos". Uma espécie de vampiro animalesco que contrabalanceia o estilo "Annericeano" do restante dos personagens vampíricos.
Parece promissor não? Vampiros tentando não tomar sangue humano, enquanto a natureza de suas "almas" prega que sem o sangue, apenas a bestialidade os espera.
O filme ainda tem pelo menos um personagem que tem alguns conflitos - clichês, mas conflitos - emocionais. O Dr. Dalton (Hawke) é alguém que claramente não gosta de sua condição vampírica e que luta com todas as suas forças para não ser vítima da sede por sangue humano. O restante da fauna de personagens , infelizmente, é estereotipado. Sam Neill (Charles Bromley, o dono da empresa em que Hawke trabalha), Willem Dafoe (Lionel Cormac, um ex-mecânico que tem um segredo que é a mola propulsora da virada do roteiro), Audrey Bennett (Claudia Karvan, a rebelde humana em fuga) e Michael Dorman (Frankie Dalton, o irmão militar de Hawke) são alguns desses arquétipos que os irmãos apresentam como personagens.
A impressão que dá é que os Spierings se preocuparam tanto com o grau de credibilidade de seu mundo que esqueceram que era preciso recheá-lo de personagens interessantes e que causariam algum impacto em quem assiste. Isso eles não conseguem, ainda mais quando a virada que o personagem de Dafoe apresenta é revelada. Nem com a tal suspensão de crença - que nada mais é do que abstrair-se da sua compreensão de realidade e embarcar na realidade mostrada pelo objeto - em níveis estratosféricos é satisfatório acompanhar o ato final. Confuso, infeliz desde sua concepção e com um final óbvio e até certo ponto aborrecido e enfadonho, quase destrói todos os méritos que o filme mostrava em sua primeira parte.
Tecnicamente os Spiering realmente demonstram muita qualidade. Em algumas seqüências de ação inclusive conseguem "pintar" grandes quadros apenas sabendo posicionar a câmera e contando com a competência do diretor de fotografia para ilustrar suas idéias. Simples mas muito eficiente.
A fotografia (Ben Nott) é muito interessante, apesar de ser "chupada" de outros filmes de suspense e horror. Como quase todo ele se passa durante a noite, a paleta de cores é mínima (tons de cinza, azuis fortes, vermelho escuro, vinho) e o uso de alto contraste ajuda ainda mais a enfatizar o ambiente úmido, sombrio e decadente que o filme apresenta. Já a edição (Matt Villa) segue a bem vinda tentativa de fugir do "piscou-perdeu" que parece ser uma tendência de filmes de horror e suspense mais artísticos (o que Daybreakers, visualmente tenta).
Apesar de tecnicamente bom, Daybreakers tem ainda problemas sérios de interpretação. Ancorar seu filme em um ator mediano como Ethan Hawke é um risco. Hawke fez coisas muito interessantes é verdade, mas sempre que se exige dele que fuja da zona de conforto, ele apresenta trabalhos medianos ou medíocres. No caso desse filme, mediano. Dafoe é caricato ao extremo, dá a impressão de ter lido o roteiro na véspera e ter entrado "pra curtir". Sam Neill repete pela milionésima vez os mesmos olhares e trejeitos que ele vem apresentando desde Profecia 3. Os Spierings são jovens e tem chance de evoluir nesse quesito que é fundamental na criação de qualquer peça cinematográfica: direção de atores.
Os problemas de roteiro (que obviamente não vou contar) quase destroem o que o filme construiu em uma hora de projeção. A tal virada dos atos - que Hollywood adora fazer - é constrangedora e transforma uma bela idéia num monte de risadas involuntárias.
Melhor do que a expectativa prévia mostrava, mas uma pena por ter começado tão bem e terminado de forma tão infeliz e opaca.
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