segunda-feira, 26 de julho de 2010

Peppermint Candy
(Bakha satang, 1999)
Drama - 130 min.

Direção: Chang-dong Lee
Roteiro: Chang-dong Lee

Com: Kyung-gu Sol e Yeo-jin Kim

Um homem surge na beirada de um rio, vestindo um terno cinzento bem cortado. Ele caminha em direção a um grupo que faz um piquenique. Descobrimos então que aquele homem é Yong-Ho e que aquelas pessoas comemoravam os vinte anos da última reunião do grupo que pertenciam. Por uma coincidência - ou não - Yong-Ho também fazia parte daquele grupo. Yong-Ho aparenta instabilidade e embriaguez. No momento de maior insanidade, o homem parte para a linha do trem e lá aguarda até ser atropelado.

Esses são os primeiros cinco minutos do filme sul-coreano Peppermint Candy, do diretor e roteirista Chang-dong Lee (o mesmo de Oasis) que em flashbacks poéticos e com muita sensibilidade busca contar a história de vida desse homem, e o que o levou a essa decisão extrema.

Ao mesmo tempo, o diretor/roteirista insere o personagem durante diversos acontecimentos importantes na vida de seu país e mostra como a história foi moldando o caráter desse homem. Ao final da obra, a conclusão mais clara que podemos chegar é que Chang dong-Lee quis contar a história de uma vida que murcha ou apodrece ao entrar em contato com a realidade dolorosa do mundo a seu redor. No caso, a história da Coréia do Sul e como os diversos eventos políticos e sociais que o país passou influenciaram o homem e seu destino.


Quando o filme começa Yong-Ho é um homem triste e infeliz que aparece sendo seguidamente "pisado" pelo seu ambiente e sem saber como reagir aos problemas que enfrenta.

Chang-dong Lee mostra a passagem do tempo pelas inserções poéticas do trilho do trem sempre seguindo rumo ao desconhecido, enquanto tudo ao seu redor é mostrado indo para trás. É como se estivéssemos dentro de um túnel, onde o diretor pretende mostrar - poeticamente - que o tempo transformou-o no que ele é hoje. Gaspar Noé, com muito mais agressividade, tentou o mesmo em Irreversível, por exemplo. Contar uma história do fim para o começo tentando apresentar motivações para os atos de seus personagens. No caso do filme de Noé, a passagem de tempo era fluida, no caso de Peppermint ela acontece com a inserção de vinhetas com título e data indicando o que o espectador verá.

Não são todas que funcionam bem, é verdade. Em especial, as duas primeiras soam lentas e muito arrastadas em seu ritmo, porém a história de Yong-Ho é interessante a ponto de nem essa sonolência narrativa impedir que o espectador fique interessado em saber os motivos que o levaram ao suicídio.


E durante esse caminho é que vamos descobrindo e relacionando o que vemos a realidade. Desde o crash dos países asiáticos no final do século XX, passando pelo crescimento violento da economia do país na metade dos anos noventa, a ditadura do general Park Chung-hee nos anos setenta, o período de instabilidade política dos anos 80, a revolta dos estudantes em 1987 - brilhantemente retratada no melhor dos flashbacks. Elementos narrativos que influenciariam qualquer um de nós, e que Chang-dong Lee gosta de mostrar, como se ele quisesse mostrar o que um "cara comum" sofreria - em termos de transformações, quanto a seus gostos, sonhos, ideais e personalidade - se tivesse envolvido em tantos eventos.

Ao mesmo tempo, Chang-dong Lee usa e abusa da poesia visual que é característica dos filmes asiáticos para dar essas respostas, que nunca vem de forma mecanizada mas em forma de beleza e compreensão. Os silêncios e a trilha sonora auxiliam o diretor a conseguir esse efeito.


O diretor demonstra um cuidado especial com a fotografia, que não surge gratuita, nem pedante. Os elementos mostrados em quadro são elementos da narração, e os personagens que cruzam o filme vão ser revisitados com importância - a maioria - no futuro/passado. Destaque para a seqüência no início dos anos noventa que se interliga diretamente pela frase "a vida é bonita" com elementos cruéis no final dos anos oitenta vividos pelo protagonista.

E não existe melhor forma para encerrar sua tour pela transformação humana, do que o final elíptico e complexo e cheio de interpretações posteriores que ele nos dá. Além da óbvia sensação de nostalgia e de pena que sentimos pelos personagens, as coisas ditas e mostradas fazem o espectador pensar em diversas possibilidades ainda mais se as relacionamos a seqüência inicial.

Infelizmente Peppermint Candy - título inglês interessante - não vai agradar a todos os públicos. Além da história que funciona como pano de fundo não ter a universalidade que as produções mainstrem "pedem", a condução é pausada e o silêncio é valorizado, mesmo durante as falas dos personagens. As palavras ditas têm um peso menor do que a compreensão que os interlocutores têm da conversa, as imagens dos rostos e as ações que surgem a partir dos diálogos. Se junta a isso o fato do filme ser recheado de inserções musicais dos personagens, que cantam em bares, karaokês, em volta de fogueiras, em família e afins, o que causa mais estranheza a quem não está acostumado ao cinema oriental. E finalmente seu protagonista.


O ator Kyung-gu Sol retratou Yong Ho como um homem que vai sendo fracionado pelas situações que enfrenta. Não é difícil que o espectador desgoste dele, ou em determinado ponto, o deteste. Geralmente o público não consegue "entrar" na história, quando seu protagonista - e elo entre aquela realidade apresentada e o espectador - não inspira admiração, carinho, respeito, amor ou ódio. Yong Ho inspira pena e sua vida tola e cheia de falhas é o maior trunfo do filme. Ao usar um homem partido e morto - tanto física quanto espiritualmente - o diretor teve liberdade suficiente para explorar cada espaço da mente desse homem, compondo os motivos para que o público tenha essa sensação de desgosto por seu "guia". Proposital é verdade, mas para o público ocidental, acostumado com protagonistas vibrantes e que transformam a narrativa em uma jornada, acompanhar esse homem fraco é complicado. Nossa percepção é diferente - por razões culturais óbvias - da coreana, ou mesmo asiática.

Isso se reflete em outras manifestações culturais, que não são bem aceitas pelo grande público, entrando ai filmes de arte japoneses (Ozu, Oshima, Mizoguchi, Teshigahara entre muitos outros), a cultura do mangá e do anime (de mestres como Tesuka, Miyazaki, Oshii, Otomo entre outros), do tokusatsu, da música produzida por lá (seja o k-pop ou o j-pop) e mesmo quando grandes artistas conseguem reconhecimento, como Bruce Lee, Akira Kurosawa e o já citado Hayao Miyazaki, somente suas obras "ocidentalizadas" são conhecidas por aqui.


Por isso, além do filme de dong-Lee não ser de fácil compreensão, Peppermint Candy é mais uma daquelas jóias do cinema que ficam escondidas por ai. Quando, e se, tiver acesso, aproveite a sensibilidade desse grande realizador.

 





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