quinta-feira, 22 de julho de 2010

Le Conseguenze Dell'Amore
(Le Conseguenze Dell'Amore, 2004)
Drama - 100 min.

Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino

Com: Toni Servillo e Olivia Magnani

Paolo Sorrentino é um diretor muito talentoso, dono de apuro técnico que nunca tenta sobressair a narrativa que conta e capaz de misturar solenidade e cultura pop num mesmo filme sem soar pedante ou parecer esquizofrênico.

Em Le Conseguenze Dell'Amore, Sorrentino volta seus olhos para Titta di Girolamo um homem preso ao passado - literalmente - e a seus erros, com medo de mudar seu presente e de pensar em seu futuro. Girolamo segue sua insignificante vida há oito anos no mesmo quarto de hotel na Suíça, onde é refém de hábitos pouco ortodoxos que camuflam ou aliviam sua patética existência. Girolamo tem uma profissão perigosa e tensa e talvez para fugir das inseguranças e dos medos transforma cada um de seus passos em algo metódico, seguro e rotineiro. Sua segurança é abalada apenas pelos olhos profundamente verdes e os eventuais vislumbres dos seios da belíssima Sofia, a garçonete do hotel.


Sorrentino entendia propositalmente o espectador em sua meia hora inicial, para que experimentemos um pouco da vida - ou será uma quase vida - de Titta, que ilustra sua morosidade emocional e sua falta de ação. Basicamente não existe narrativa, ou algo de relevante a ser contado.

Apenas observamos a medíocre vida desse homem, até que ele resolve ir contra as suas próprias questões emocionais e tenta um "novo passo".

Le Conseguenze não é um filme para todos os públicos por esse essencial motivo. A mistura de poesia visual, com as doses de cultura pop e a sensação de estagnação podem incomodar muitos que talvez não consigam avançar da meia hora inicial. Uma pena, pois é nesse período do filme que tudo o que precisamos saber sobre a história nos é dita,mesmo que não fique claro de imediato.


Sorrentino apostou numa narrativa cheia de elipses e espaços vazios que precisam de preenchimento. Pouco se esclarece de imediato e muito se induz ou oferece. O espectador precisa fazer a reflexão. É raro um diretor adequar tão bem o ritmo do filme ao personagem. O filme é lento, porque Girolamo é assim. O filme não tenta contar sua história, mas deixa o personagem definir a seu modo quanto veremos e quando.

Decididamente a poesia visual de Sorrentino é dos trabalhos de direção mais magníficos que vi nesse ano, tudo funciona maravilhosamente bem. Paolo consegue misturar os elementos modernos - que ilustram alguns momentos do filme - de forma tão orgânica que em nenhum momento eles parecem estranhos a história que estão contando.

E é o timing o que mais impressiona em sua condução. Assim que Girolamo decide mudar sua rotina, uma série de eventos aceleram-se na tela e Sorrentino deixa-os fluir com destreza de um mestre. Aos poucos os espaços vão sendo preenchidos por seu pincel e o quadro todo é apresentado ao espectador.


O diretor ainda demonstra ser (ainda mais) habilidoso com a câmera do que havia visto em Il Divo - que é um filme mais recente, mas que vi antes do que esse criticado aqui . Usa e abusa de planos fechados e detalhados reforçando certos aspectos do personagem. Um bloco de anotações , onde Girolamo escreve frases e que sempre o acompanha, uma lâmpada em forma de chama, o que ilustra a mudança de foco do personagem quanto a sua vida e o interruptor que é o objeto que acende e apaga a existência desse homem. Tudo muito poético e sutil, inclusive quando precisa demonstrar mais ação e movimento em seu filme. Num determinado momento acontece um acidente de carro, e o diretor prepara o espectador, adianta e informa que haverá um acidente, ele antecipa o movimento, já que o acidente não é uma ação de sua narrativa, mas uma reação as atitudes de seu personagem. Ele brinca com nossa expectativa, sabendo é claro, que todos assim que vemos o carro cruzando a estrada vamos imediatamente saber o que vai acontecer.

Sorrentino é brilhante ao retratar a lisergia que seu filme propõe. Buscando sempre a solução mais artística para sua proposta, sai com resoluções muito inteligentes para seus "problemas". Quando um personagem usa drogas - heroína no caso - o diretor apresenta sua viagem como uma montanha russa por sobre seu próprio corpo. Subimos pela nuca até a cabeça, descemos pelo peito e rotacionamos, observando o personagem de frente em todo seu esplendor. Ao se deitar, a câmera segue seu movimento só que ao contrário. Tudo com o mesmo ritmo, sem a menor pressa e sem fugir da proposta inicial da cena.



Outro detalhe curioso - e que havia comentado na crítica de Il Divo - é que também nesse filme Sorrentino usa um longo plano subjetivo que se transforma. Dessa vez acompanhamos o personagem saindo de um elevador, cruzando um salão e entrando numa sala. Lá a câmera deixa de ser subjetiva e passa a dar espaço para a interpretação do personagem. Uma aula de técnica de filmagem.

Palmas efusivas a Paolo Sorrentino e a seu brilhante fotógrafo, Luca Bigazzi,
Outro que merece muitos elogios é o editor Giggió Franchitti que transformou cada idéia filmada em uma sucessão de eventos narrativos coesos. Não existe - assim como em Il Divo - uma falha sequer na edição. Tudo é tecnicamente perfeito.


Porém, se Toni Servillo - o interprete de Girolani - não fosse um ator fabuloso, nada disso valeria de muita coisa, a não ser que você leitor seja um fã neófito de cinema e consiga assistir com prazer a um filme que tenha apenas qualidades técnicas. Se você é como a grande maioria das pessoas do planeta, não se preocupe, pois Servillo entrega-se a seu personagem. A linguagem corporal e a impostação de voz moldam um personagem derrotado pela vida e quando eventos começam a complicar seu tédio voluntário, é notório que o ator transforma pequenos detalhes - como posição das mãos, modo de olhar para as pessoas e até como fumar um cigarro - em mudanças brutais para sua composição. Como Girolamo é um personagem 110% interiorizado se Servillo perdesse a linha sutil em algum momento poderia jogar todo o trabalho fora. Sorte nossa que ele não fez e manteve o alto nível por todo o filme. Já Olivia Magnani puxou a avó (a imortal Anna Magnani) e ilumina cada frame que está presente. Apesar de ter pouco tempo em tela consegue causar uma boa impressão.

Sorrentino já entrou na minha lista de realizadores merecedores de confiança. Dois filmes vistos e dois trabalhos muito acima da média.

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