terça-feira, 20 de julho de 2010

El Metodo
(El Metodo, 2005)
Drama - 115 min.

Direção: Marcelo Pyneiro
Roteiro: Marcelo Pyneiro e Mateo Gil

Com: Eduardo Noriega, Najwa Nimri, Eduard Fernández, Pablo Echarri, Ernesto Alterio, Carmelo Goméz, Adriana Ozores e Natalia Verbeke

Sidney Lumet no longínquo ano de 1957 propôs um "case" sobre o homem e sua natureza frente a crises de consciência no seminal 12 Homens e Uma Sentença. Nele, 12 jurados (entre eles Henry Fonda) decidiam se um homem poderia ser condenado pelo crime a que fora acusado. Durante o percurso as questões morais e as verdadeiras faces de cada um deles iam sendo mostradas de maneira direta e sem rodeios.

O escritor Jordi Galceran , mais de 40 anos depois, escreveu a peça "El Método Gronholm" misturando o estudo do filme de Lumet com o ambiente corporativo que permeia a nossa sociedade. Nele, candidatos dentro de uma sala devem passar por tarefas e provas a fim de demonstrarem a empresa qual o mais apto ao cargo. A peça teve inclusive uma montagem nacional com Lázaro Ramos no elenco.

Marcelo Pyneiro adaptou a peça dois anos mais tarde, incluindo mais personagens e ambientando tudo durante os protestos contra a reunião do FMI e do Banco Mundial em Madri.

Lá, Marcelo posiciona seus peões e como um jogador cauteloso, os movimenta durante quase duas horas transformando-os de sedutores executivos a Neandertais agressivos capazes de tudo para conseguirem a vaga de sonho.


O que ele dizer com El Metodo? Diversas coisas. Um estudo sobre as relações humanas frente ao desconforto que é o enfrentamento. Enfrentar dificuldades é inerente a vida, mas quando tais dificuldades são embalsamadas pelo conflito direto e objetivo entre duas (ou mais) pessoas eleva-se a enésima potencia qualquer dificuldade. Lidar com críticas e ataques é uma arte, que o ser humano não consegue desenvolver. Como lidar com o outro? Como enfrentar uma crítica e como defender seu ponto de vista de forma racional sem partir para o enfrentamento quase físico? Exemplos diários reforçam a percepção que tal situação é cada dia mais difícil de ser vencida. Sobram agressões verbais e físicas em todos os âmbitos da sociedade. Desde políticos que agridem outros pelo simples prazer de terem holofotes e microfones apontados para suas bocas, até aquele rapaz - ou menina - que se sente ofendido quando o outro expressa sua opinião sobre alguma coisa que ele gosta. Saber contra-argumentar é uma arte, e infelizmente cada vez mais, para poucos.

Porém, o mais importante dito durante a projeção de El Metodo (que tem uma tradução infeliz para o português chamada "O que Você Faria?") é que o ser humano tem uma infinita capacidade de se rebaixar para conseguir seus "ideais". Muitos vendem a alma e muito mais para conseguirem os empregos de sonho. Transformam seus empregos em suas vidas e baseiam seu grau de felicidade no quanto seu emprego faz você parecer bem quando se observa em seu terno de Mil Euros no espelho. Para tal intento "saudável" submetem-se a tudo para conseguirem vencer. Passam por cima de todos e ainda são elogiados como se corporações multimilionárias fossem o ideal para a humanidade. Autômatos em seus cubículos regurgitando as mesmas histórias, mentiras e vaidades que o ser humano sempre temeu. A diferença de hoje para o tempo dos yuppies é apenas a formatação das palavras. A coleção de anacronismos infelizes que são injetados nas pessoas e que transbordam por cada poro. Em um país que não fala a língua mãe da terra, é quase obrigatório que os bebês ao sair de suas maternidades, tenham aprendido a falar mamãe em dois idiomas (fora o idioma pátrio, é claro), pois só assim ele será capaz de compreender o mundo a seu redor.


A que nos reduzimos como civilização? A um exército cooptado para seguir, trabalhar, sobreviver e ser infeliz. Parece utópico imaginar uma mudança nesse paradigma? Sim, parece. Mas a palavra utopia foi criada por quem não quer ela aconteça. Alguém que transforma possibilidades diferentes e divergentes do status quo em palavrões, em delírios. Delírio de quem cara pálida? Sobre o que? Viver bem sem a necessidade simbiótica de se vender para conseguir alguma coisa?

O homem de hoje não se posiciona, não defende "bandeiras" ou credos. Seu único objetivo parece ser o de não se comprometer. Não se engajar. Vivemos numa era de medo, de alterações globais que repercutem em todos os níveis de quase todas as sociedades. A quem isso interessa? Quem se beneficia se o lavrador cipriota e o executivo de comunicação brasileiro são atingidos pela mesma "crise"? Quem ganha com isso?

Pois é, os mesmos que intitulam qualquer mudança de utopia. E se nossa sociedade não se envolver, não gritar e não tenta mudar, continuaremos na mesma.


El Metodo pretende explicar os motivos para isso. Para o diretor Marcelo Pineyro, a sociedade não parece interessada nisso. Não tem a compreensão necessária ou vontade para tal coisa. Tudo gira em torno do ter, do consumir do demonstrar as capacidades superiores perante o grupo. Uma convenção de machos alfas batendo no peito e - cada um a sua maneira - tentando convencer o grupo que merecem ser os lideres ou os escolhidos.
As provas a que os candidatos são submetidos variam da humilhação direta, ao confronto sutil, a defesa de pontos de vista polêmicos e a mentira pura e deslavada.

E a cada ato do filme, apenas os mais vis e sujos vão sobrevivendo. Pyneiro parece dizer que não são os melhores que vencem - aliás isso ficará claro aos espectadores ao final do filme, ainda mais se notarmos quem sai primeiro - mas os mais ardilosos, malandros e sujos. Um reflexo claro do que encontramos por aí. Gente que defende abertamente o jeitinho, o burlar de leis, e que se vangloria de ter vencido "pisando em alguns calos". Um verdadeiro orgulho.


Assim como no filme de Lumet, tudo (ou quase tudo) acontece numa sala de reunião onde os candidatos são testados, por isso o texto é a base dos acontecimentos. E por mais de uma hora e meia ele funciona muito bem. Todos os testes, em especial os primeiros quando a troca de idéias entre os personagens é mais rápida, funcionam muito bem. É um deleite ouvir o bom texto de Pyneiro e Mateo Gil sendo exaltado e reverenciado por bons atores.

Existem algumas falhas, no entanto, na condução desse excelente texto. Pyneiro segue em ritmo de cruzeiro por metade do filme, aglutinando as eliminações e percepções dos personagens com muita tranqüilidade e com senso de posicionamento de câmera muito inteligente. Prefere cortar rápido de um rosto para outro, como se quisesse de maneira quase impossível conseguir uma resposta física imediata para cada coisa dita. Não é incomum também, vermos dois personagens no mesmo quadro, sendo que às vezes, é mais interessante notar as reações do ouvinte e não as colocações do objeto em foco. Isso tudo até o intervalo - na ficção e na realidade.

A partir do momento em que os personagens saem da sala e depois retornam, muita coisa "estranha" acontece que desvirtua a atenção do público. Pyneiro tira o foco do grupo e passa a dividir os restantes em pequenos grupos que tendem a se revelar menos interessantes à história do que o grupo em si. A exceção do pequeno arco que envolve o personagem sempre em dúvida - que vai revelar o condutor da trama - o arco do "macho ibérico" e sua presa é desnecessário por exemplo, embora prove que as aparências são mantidas mesmo quando claramente existe uma divergência no quadro geral.


Depois disso, os personagens retornam para o desfecho, que funciona em tese, já que o texto é deixado de lado para que os arcos dos personagens sejam encerrados. Os últimos dez minutos são inrtigantes, é verdade, mas entregam um anticlímax tremendo, embora a cena final seja muito reflexiva e se encaixe perfeitamente com os acontecimentos no mundo real.

A parte técnica de El Metodo é simples e não exige grandes desdobramentos. A fotografia de Alfredo Mayo segue a risca as idéias do diretor e a linha narrativa do filme. Não abusa de trucagens e se mantém a serviço do texto e dos atores. Não chega a esbarrar no teatro filmado mas não apresenta grandes imagens. A edição por sua vez teria de funcionar precisamente, em especial na primeira meia hora quando público e personagens ainda estão se aconchegando na história que se desenrola. Tudo teria de ser imaginado como um grande mosaico de imagens e como um jogral de vozes. E funciona. Iván Aledo constrói a pintura enaltecendo as performances e ocultando a fotografia comum.

E chegamos aos mais exigidos: os atores. Escalar nove bons atores em papéis que - mesmo os que têm menos tempo de tela - exigem recursos dramáticos é difícil. Por isso, dou um desconto para o caso de Natalia Verbeke (que vive a secretária Montse) que de todos os envolvidos é que mais foge do tom do que o filme pretende. Por ser o peixe fora d'água, a estranheza inicial que sua personagem apresenta, logo é substituída por atos de infantilismo bobo. O monólogo que ela tem de dizer na parte final só não foi arruinado, porque o texto é muito bom e a edição entrecortou-o com outro personagem criando um ritmo que favoreceu a cena.


Os demais tentam seu melhor e conseguem bons resultados. Não vou me ater a análises mais profundas sobre cada arquétipo, pois isso revelará boa parte da história que tem seu desenvolvimento baseado na "iluminação" dos pontos sombrios da personalidade de cada um dos envolvidos. Atentem-se apenas para um nome: Pablo Echarpe, que vive Ricardo. O coadjuvante que rouba a cena.

El Metodo me surpreendeu pela densidade de discursos que seu diretor quis mostrar e pela fluidez de sua hora inicial. Perde - é verdade - um pouco da força quando divide seu grupo de estudo e apresenta uma solução final questionável do ponto de vista narrativo, mais perfeita para a tese que Pyneiro defendeu.


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