quinta-feira, 10 de março de 2011

Bruna Surfistinha
(Bruna Surfistinha, 2011)
Drama - 109 min.

Direção: Marcus Baldini
Roteiro: Antonia Pellegrino, José Carvalho e Homero Olivetto

Com: Deaborah Secco, Fabiula Nascimento, Cássio Gabus Mendes e Drica Morais

No Brasil e em todo mundo a temática sexual possui, obviamente, apelo maiúsculo. Tema que atrai atenções, multiplica opiniões. Várias opiniões surgiram, afinal, com o livro O Doce Veneno do Escorpião, lançado por Raquel Pacheco, contando as aventuras de sua rotina como a prostituta Bruna Surfistinha. Claramente, o livro possui ousadia - já de cara pela história que conta - tendo em vista obviamente suas páginas negras lacradas onde a ex-garota de programa dava detalhes de suas façanhas sexuais. Não há pudores, nessa área pelo menos, para Raquel Pacheco nem em sua vida, nem em seu livro.



Na adaptação cinematográfica, no entanto, não caminha bem por esse caminho. Um filme que pretende debater e ilustrar um cotidiano que não é conhecido a fundo pelo público geral necessita-se, antes de mais nada, despir-se de pudores. Mas não falo de pudores de conteúdo sexual, ou de suas cenas picantes, ou qualquer coisa do gênero - era preciso se livrar do modo convencional, e por vezes burro, de lidar com seu protagonista. Martirizar, vitimizar e fragilizar, são as vozes de comando essenciais para o filme de Marcus Baldini. Abordagem clichê, típica da visão limitada de alguns roteiristas existem sempre, e sempre veremos. O que prejudica mesmo é um filme sobre prostituição portar essa pieguice.



Sem se enrolar na hora de montar a linha narrativa, o longa dá uma pincelada na vida de Raquel antes de fugir da casa dos pais - e é nesse meio tempo que começa a vitimização da protagonista. Mostrando-a sendo agredida verbalmente pelo irmão em casa, e destruída moralmente na escola, o roteiro faz questão de atenuar qualquer atitude ''duvidosa'' da protagonista - como roubar jóias dos pais - mas, por outro lado, não dosa a quantidade de maniqueísmo contido nas atitudes dos coadjuvantes .


É só o lançar das bases de uma modelação infeliz de ''vítima'', da personagem principal. Esse olhar na tentativa de ''elevar'' a protagonista, de algum modo, acaba por tirar bastante de seu realismo - e se o filme não descamba para o chavão "pastelóide", muito se deve por Deborah Secco, que segura até onde consegue. E se um filme sobre prostituição perde seu realismo, perde logo sua veia visceral, e fica a sensação desconfortável e irônica de assistir um produto piegas que conta uma história que, na prática, nada tem disso. Essa perda visceral, aliás , deve-se em suma pelo roteiro, por fim . A cada take mais bem ajambrado de Baldini - a câmera fixa na cara de Secco quando Raquel está em seu primeiro programa - temos uma narração em off desnecessária e inconveniente, que só traz de acréscimo uma hiper-exposição infeliz.



Mas não é só disso que vive Bruna Surfistinha, afinal. O objetivo era mostrar o início, o galgar do sucesso, o apogeu, a decadência e o desfecho. Aí é um somatório de pequenos erros coroados com um ato falho final. Ora, Bruna fala, em certo momento de seu apogeu , para nunca desistir de seus sonhos, que seu objetivo sempre chegará se você lutar. Não me parecia o sonho de Raquel - tão pouco de qualquer ser humano - se tornar uma grande prostituta. Parece, sim, um caminho em círculos '' batalhar muito para ser prostituta, e assim ser coroada uma grande prostituta''. Isso lá parece grande conquista ? Enfim, isso varia de cabeça, mas o filme já deixa seu argumento com embasamento dúbio.


E se Bruna tem sua desgraça na cocaína, o script desenha sua derrocada de maneira preguiçosa e pouquíssimo detalhada, pra não dizer capenga. Feita as pressas, fica difícil absorver as proporções do acontecimento. Arco importante e mal desenvolvido, algo que não pode ser feito.



Mas talvez o principal problema de Bruna Surfistinha seja seu tom hipócrita que incomoda de verdade. O discurso de Raquel, é afinal, a independência, a liberdade, o fim das amarras, a felicidade de ser solta. Por esses motivos e por outros ela deixou a casa dos pais, certo? Pois no seu desfecho, no seu ponto final, é que todo o filme parece ser um enorme loop que vai até muito longe para voltar a praticamente o mesmo lugar. Por mais que o longa acredite que Raquel foi uma vitória de independência, ele mesmo se contradiz - a imagem que fica, ao fim da exibição, afinal, não é de um vulcão sexual determinado, mas de uma frágil menina perdida.


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