terça-feira, 22 de março de 2011

Fora da Lei
(Hors-la-loi, 2010)
Drama - 138 min.

Diretor: Rachid Bouchareb
Roteiro: Rachid Bouchareb

Com: Jamel Debbouze, Rischdy Zem e Sami Bouajila



Radicalismo é uma bobagem sem tamanho. Só por defender de forma velada essa prática, Fora da Lei já perde pontos, quando tentar justificar de forma histórica os motivos para abandonar a própria vida e "morrer pela pátria". Não que defender seus ideais seja ruim, muito pelo contrário, mas quando isso descamba para a burrice é caso de internação.

E o que seria burrice? Burrice é modificar sua vida e acrescentar conceitos deturpados somente pela "causa". É achar que comer no McDonald's realmente sacramenta seu apoio ao imperialismo americano, ou no caso do filme, que ter uma família ou almejar ser campeão de boxe são traições a causa "nobre".


Fora da Lei, filme argelino indicado ao Oscar, é primo bastardo de Batalha de Argel. Ambos falam da independência do país, mas as semelhanças param aqui. O brilhante filme de Pontecorvo misturava a técnica documental com a efervescência dos fatos. Fora da Lei é um filme antiquado. Fotografa os mesmos "rebeldes" "lutadores da pátria" que podem ser vistos em duzentos outros filmes melhores e mais importantes. A partir da história de três irmãos (não vou cair no clichê psiquiátrico e dizer que são manifestações do id, ego e superego) diferentes entre si, mas que são unidos pelos laços sanguíneos e pelo amor a mãe, única sobrevivente de um massacre a sua casa no início do filme.



Um é preso - Abdelkader (Sami Bouajila) - e dentro da cadeia é cooptado a ser mais um "lutador da liberdade", nem que para isso precise doar sua vida. Fraco, impressionável e irritante, é de longe um dos personagens mais detestáveis do cinema em 2011.


Pessoalmente, nunca entendi essa estratégia meio suicida de doar sua vida pela causa, prefiro crer que qualquer mudança social passa pela melhor educação de nossas gerações que gerarão empresas e empreendedores criativos e competentes que poderão ter chance de melhorar um pais/bairro/estado de maneira eficiente. Mudar um país não acontece da noite para o dia. É uma constante luta pela melhoria das condições de uma sociadade, seja pela via mais básica - educação - ou por vias tão importantes quanto: saúde, cultura, segurança e etc.


O outro irmão - Messaoud (Roschdy Zen) - serve a França, então país colonizador da Argélia na guerra da Indochina (atual Vietnã). Calado e soturno tenta mediar às disputas entre o perturbado e castrado Abdelkader e seu irmão mais jovem e inconseqüente - Said (Jamel Debbouze) - que junto a sua mãe emigram para a França em busca de melhor sorte. Uma vez lá, tenta encontrar um emprego, mas logo percebe que o emprego oferecido jamais o fará melhorar de vida. Cai na "vida fácil", primeiro como cafetão e depois como dono de boate.



Interessante notar, e isso é um grande mérito, como para uma audiência ocidental o personagem Said, seja o verdadeiro "herói" do filme, pois apesar de agir na clandestinidade - aparentemente - nunca matou ninguém, ou prejudicou alguém mais do que a pessoa prejudicasse a si mesmo. Talvez ao olhar islâmico, Abdelkader seja um lutador da liberdade, que abdica dos prazeres da carne em busca da redenção de seu país.


Posso estar divagando, mas é impossível não levar em consideração as diferenças culturais latentes entre os dois modelos de socidade. O diretor Rachid Bouchareb não julga seus personagens e também não os defende. Apresenta-os e deixa a cargo do público o julgamento moral de seus atos.



Uma pena que em determinado momento do filme, Bouchareb parece focar na personagem mais fraca - o perturbado Abdelkader - em detrimento de acompanhar aquele que teoricamente seria o personagem principal, Said.


Talvez por tentar enfatizar o apuro histórico de seu filme tenha optado por isso, ou porque no fundo acredite que Said não precise de mais exposição, afinal já se definiu quem ele é, enquanto Abdelkader é fruto do meio sedutor do radicalismo, ao mesmo tempo em que aparentemente luta por sua humanidade. Obviamente quando cede, é punido, o que pode significar que Bouchareb secretamente pune seu personagem, pois enxerga sua atitude como traição, ou como um sádico, deixa seu personagem sofrer mais usando de humor negro para aumentar sua angústia.


O que fica claro é que o diretor exagera nas cores de seu melodrama. Tudo é exageradamente lúgubre ou evocativo. A começar das imagens com destaque as cores da bandeira francesa (que evocam o final da segunda guerra) ao término com o evocar da bandeira argelina (em virtude da independência).



Bouchareb cometeu aqui o mesmo erro que Tornatore cometeu em Baaria. Supervalorizou seus personagens, viu neles mais do que eles são, e pior mostrou ao público suas verdadeiras caras (hipócritas, fracas, sem esperança, agoniadas) para tentar depois vender a imagem de inspiração a uma nação.

Apesar das criticas ao personagem, Bouajila tem o melhor desempenho, principalmente ao retratar a transformação de jovem idealista a líder revolucionário. Notem duas seqüências: quando sua mãe o visita na cadeia e a que envolve a - já citada - referência ao boxe, e notem a diferença entre os dois momentos do personagem. Realmente um desempenho poderoso.

Pena que o filme não ajude e soe um misto de elegia a glória da revolução e pastiche da mesma (o que fica claro que não é a intenção de Bouchareb pela profusão de inserções patrióticas e pelo desenvolvimento de seus personagens e história). Lembra bastante Exército do Medo, um filme francês sobre a resistência francesa que padecia pelos mesmos motivos. Ao desumanizar seus personagens, ambos transformam os mesmos em mártires - frágeis - de ações polêmicas.

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