terça-feira, 19 de abril de 2011

Homens e Deuses
(Des Hommes et des Dieux, 2010)
Drama - 122 min.

Direção: Xavier Beauvois
Roteiro: Xavier Beauvois e Etienne Comar

Com: Lambert Wilson, Michael Lonsdale



Costuma-se pregar que para um filme tocar o coração do público é necessário que a emoção presente na experiência visual seja palpável. Trocando em palavras fáceis: o espectador só se emociona com aquilo que se esfrega na sua cara e pede: "olha pra mim, se emocione, chore muito".


Qualquer caso que pregue a reflexão como meio emotivo, que espere que o espectador reflita sobre o que viu e a partir dai se emocione com trechos ou mesmo com o filme todo, é quase uma heresia, digna de apedrejamento. E então como é possível que um filme extremamente austero, quase desumano em sua forma, consiga emocionar tanto e fazer refletir com tanta força por seu conteúdo, como esse Homens e Deuses, de Xavier Beauvois?


O filme acompanha a rotina plácida e contemplativa de um grupo de padres encravados na Argélia, em meio a uma cidade/vila muçulmana. Diferente do que os meios de comunicação pregam e mostram, a convivência é pacifica e os padres e os muçulmanos mantém uma forte relação de amizade. Agindo como verdadeiros missionários servem como amigos e médicos de uma população que os adora.



Beauvois é sábio, em manter a pulsação de sua obra quase no limite mínimo da sobrevivência, entendendo magistralmente que história está contando e quem são esses homens que dedicam suas vidas a fé. Longe de levantar bandeiras religiosas, Homens e Deuses é muito mais profundo do que pregam os crentes em Jesus, Alá, Moisés, Buda ou afins. Homens fala sobre a fé no ser humano, em aceitar sua verdade, aceitar-se como homem e a partir disso manter-se fiel em suas idéias e acreditar até o final em suas convicções, não importando as conseqüências.

Registrando as lindíssimas paisagens do Marrocos, que reproduzem a Argélia, e a solidão do mosteiro, Beauvois é muito feliz em suas escolhas, em especial na construção dos quadros. Em diversos momentos o que se percebe é um cuidado em "não atrapalhar" a rotina daqueles padres, colocando-se a margem, abrindo espaço para os cânticos - que funcionam quase como coros gregos, amplificando as vozes dos pensamentos de cada um daqueles personagens - e para as conversas entre aquele grupo de destemidos homens.


Apesar de baseado em uma história real, o filme não usa de muletas emocionais para captar a atenção do espectador, sendo por muitos momentos desafiador, por sua estética e ritmo decididamente mais lentos.



Porém é nos momentos de silêncio que o filme se faz mais poderoso. A cada dia no mosteiro ficamos mais convictos que nada, nem ninguém moverá aqueles homens de suas crenças e missão. E novamente, sem apelar para o discurso religioso de a ou b.


O padre Christian - óbvia referencia a martirização - funciona como farol diante das trevas mais profundas que aquele grupo de homens enfrenta em seu dia a dia. Lambert Wilson está presente em alguns dos mais interessantes momentos da interpretação masculina da última década. Intenso, mas sem perder nunca o foco sobre quem é seu personagem e quais são suas necessidades, Wilson faz de Christian a voz de seu roteiro, aquele que demonstra sua crença em cada um daqueles homens e os inspira.


Mesmo assim, os demais padres (todos grandes atores, impossível destacar um só) também têm momentos de profunda "iluminação" e são responsáveis pela cena mais emocionante de 2011, até agora. Usando da metáfora cristã, entregam ali, a quem ainda não tinha se convencido, todas as suas idéias a respeito de fé, amor ao próximo e sentimento de devoção.



Homens e Deuses é mais do que um filme que fala sobre a convivência - possível - pacifica entre pessoas com credos diferentes, mas é um tratado sobre como o ser humano pode manter-se consciente de suas convicções mesmo diante da maior das montanhas.



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