sábado, 9 de abril de 2011

Lixo Extraordinário
(Waste Land, 2010)
Documentário - 99 min.

Direção: Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim



Não me furto em dizer: divide opiniões. Por um lado é impossível não se emocionar com a história de gente realmente no fundo do poço e que não encontra possibilidades de melhorar. Por outro, os detratores que enxergam o filme como veículo de autopromoção do artista plástico Vik Muniz também não deixam de estar errados.

Existem diversos exageros no documentário é verdade, mas não consigo ver Vik como aproveitador. Mais aproveitadores parecem ser os que filmam a situação e que criam um conto de fadas para a população pobre que se transformam em parceiros do artista.


Lixo Extraordinário acompanha Vik Muniz e sua "aventura" no lixão em busca de material para suas obras. No meio do caminho - pelo menos o filme indica essa situação - o artista se envolve com aquela gente e suas dificuldades e histórias tristes. Lembra um pouco o tipo de assistencialismo que certos programas de Tv fazem com os miseráveis desse país.



Mais não dá pra não se comover com as histórias de uma gente realmente esquecida pelo tempo e pela vida. Casos de gente que já nasceu na miséria profunda e gente que partiu para essa vida após problemas financeiros numa opção - única, imagino - contrária ao furto.

O filme tenta fugir do assistencialismo populista e investe na história de Cinderela de muitos deles. O organizador da entidade que organiza os trabalhadores do lixão é levado até Londres durante a exposição de um quadro feito a partir de sua foto e no momento mais emocionante do filme cai em prantos ao perceber onde tinha chegado.


A arte de Muniz é deverás interessante, utilizando objetos comuns para retratar figuras humanas. A confecção das obras de sua coleção são muito bem fotografadas e editadas, tornando-a interessante até mesmo para aqueles que simplesmente detestam arte moderna e afins.



Uma situação corriqueira no filme, reforçada sempre que possível pela direção, é o fato de que os catadores de lixo são inteligentes, alguns até cultos (durante o filme um deles cita que leu A Arte da Guerra, outro que conhece o trabalho do pintor Jean Paul Marat, por exemplo), e bastante articulados. Não se escutam erros de português - graves - em seus depoimentos e sim uma incrível percepção de que aquela gente "deu azar" e que com um pouco de sorte e ajuda, podem sair daquela situação triste.


O filme - por outro lado - não alivia a sensação de que aquela gente que ajuda Vik a produzir os quadros, está vivendo um conto de fadas com data de validade para acabar. Melancólica essa situação, principalmente para os brasileiros, que imaginamos - e até profetizamos - que grande maioria dos personagens retratados no filme continuou em subempregos e com renda mensal muito menor do que de fato é necessário para uma pessoa manter uma vida mínima.



Os detratores - e compreendo perfeitamente o ponto de vista deles - vêem o filme como uma enorme peça de autopromoção e uma violenta agressão a vida daquelas pessoas, iludidas por uma sensação de que "podemos fugir dessa realidade" para no final serem novamente jogados na vida miserável de outrora. Faz sentido, e em partes é difícil discordar dessas afirmações. De fato, Vik foi ao lixão, "usou" aquela gente, talvez incutindo uma fantasia de que eram parceiros e amigos, para ao fim da aventura carioca, deixá-los apenas com as lembranças nostálgicas de uma realidade que muito provavelmente jamais será novamente vislumbrada por eles.


Por outro lado, e minha nota e defesa do filme são baseadas nessa impressão, é muito rica a quantidade de bons personagens encontrados durante a produção. Do já citado líder comunitário, ao senhor que cita frases de livros - que achou no lixão - e que mantém a sanidade e a cultura no meio do caos, a senhora que cuida da alimentação daquela gente se virando com o que tem em mãos (fiquei curioso pra saber se a equipe provou da comida), da garota muito jovem que já mãe, e novamente engravida apenas para "botar no mundo" mais uma criança miserável, passando pela mulher abandonada pelo marido e que viu no lixão a única saída para sua subsistência e para a história mais perturbadora: a mulher que nitidamente envolve-se demais naquela fantasia criada pelo artista - e que imaginei que pudesse ter cometido alguma insanidade após o fim da gravação do documentário - e chorando diz a câmera que não vai voltar ao lixão.



São por histórias como essas, de gente abandonado ao acaso e que encontra seu próprio valor no meio do lixo e que usam a "mão amiga" para se sentirem valorizados e inspirados talvez, a sair de onde estão, que o filme é muito interessante.


Para os estrangeiros talvez seja encarado como a glória de um artista que estende a mão para ajudar - mesmo que de forma breve - uma comunidade a enxergar seu potencial. Para os brasileiros, acostumados com uma realidade extremamente dura, é sobre aquela gente jogada nas montanhas de restos, catando o que eu e você desprezamos que nos lembramos ao final do filme. O título português é muito mais feliz ao apresentar o filme do que o original em inglês. Waste Land (algo como terra cheia de restos) não faz jus aos personagens do filme. Lixo Extraordinário é mais literal sobre aquela situação e pessoas. Vivendo na mais completa pobreza e abandono social e político, conseguem ser extraordinários.


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