quinta-feira, 14 de abril de 2011

Incêndios
(Incendies, 2010)
Drama - 130 min.

Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Denis Villeneuve

Com: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette e Rémy Girard



O choque e a facilidade em conduzir as muitas camadas de uma narrativa, sem fazer o espectador se perder ou salivar por cada nova informação (dada de conta gotas) fazem de Incêndios, um dos mais demolidores filmes do século vinte e um.


Acompanhamos a história de Nawal Marwan, uma mulher de vida conturbada e que deixa em seu testamento instruções precisas para seu enterro e para seus dois filhos (Jeanne e Simon). Entre essas informações, revela que o pai dos filhos continua vivo e orienta sua filha a encontrá-lo e presenteá-lo com uma carta. Ao filho Simon, diz para entregar outra carta a seu filho (desconhecido pelos dois irmãos gêmeos) e tão somente depois dessas promessas cumpridas ter direito a um enterro digno.


Incêndios - muito bem conduzido por Denis Villeneuve - mostra diferentes momentos da história dessa família entrecortando com muita segurança e sucesso as histórias de Marwan jovem e a luta de Jeanne para encontrar seu pai perdido.



O que Villeneuve consegue em termos visuais é impressionante, pois apesar de já termos visto dezenas de filmes que se passam no oriente médio em toda sua beleza árida e sua tristeza humana, poucas vezes o desespero daquela região - e principalmente daquela gente, aqui representada por Marwan - foi trazida a tela de forma tão urgente e visceral. Todos os acontecimentos - e são vários - surgem na tela de forma dolorosa sem concessões para meios-termos e mesmo assim com bom gosto para não exagerar na violência explícita. Ao escolher o caminho da subjetividade em muitas das seqüências mais importantes do filme, Villeneuve deixa seu público imaginando os resultados de cada uma das ações em tela.


O roteiro - também de Villeneuve, adaptada da peça de Wajdi Mouawad - é primoroso e consegue escapar de cada uma das armadilhas das múltiplas linhas narrativas e ainda causar um sentimento de desespero no espectador, que acompanha a história ansiando por respostas e pela solução daqueles mistérios.


Os louros da vitória devem ser divididos entre os atores, em especial as duas mulheres que conseguem sumir dentro de seus papéis e em muitos momentos - tamanha sintonia entre suas performances, e curiosamente as vemos juntas muito pouco no filme, fazem o espectador confundir as atrizes. Villeneuve é extremamente feliz ao produzir esse efeito e só nos trás de volta ao momento histórico correto quando entram em cena objetos que caracterizam diretamente cada uma das personagens.



Lubna Azabal (que vive Marwan) é intensa em cada piscadela. Dona de um olhar perfurante que parece encarar a alma de cada um de seus interlocutores, tem uma atuação perturbadora. Capaz de transformar sua personagem e criar um arco dramático vigoroso, saindo da profunda ingenuidade ao desespero total, Azabal é monstruosa em cada uma de suas cenas, conseguindo apresentar com igual eficiência, a serenidade para enfrentar cada um de seus problemas e a gélida constatação de que sua vida foi dolorosa demais até mesmo para quem está acostumada as intempéries do tempo.


Mélissa Désormeaux-Poulin (Jeanne) funciona como o elo de ligação do espectador com a história de Marwan, sua mãe. Aborda cada uma das situações da mesma forma com que Villeneuve - parece - querer que seus espectadores abordem-na. Curiosa, destemida sempre em busca da verdade - mesmo que ao descobri-las sua vida passe a ser um redemoinho de tristeza e amargura. Mélissa é tão intensa quanto Lubna, mas em vez de apresentar esse olhar perfurador, é responsável pela ternura em suas cenas, agindo de forma verdadeiramente inquisidora ao mesmo tempo em que mantém algo de juvenil em sua personalidade, sempre tentando mais e melhor.


O filme ainda tem Maxim Gaudette (Simon) que apesar de surgir no início do filme e só retornar na reta final da projeção é responsável pela cena mais demolidora do filme que é impressa sem palavras, já que Villeneuve usa Jeanne como receptáculo das reações da audiência, que é capaz de interpretar com segurança seus sinais dados durante o filme. Maxim encara a situação em que é atirado com desdém, com receios de machucar-se durante a busca pelos parentes perdidos. Parece pressentir alguma coisa ou pelo menos ter a idéia de que uma situação limite como essa não pode terminar bem.



Incêndios termina com grandes seqüências emocionais que emolduram a revelação precisa, aguda, dramática e destruidora que Villeneuve veio ensaiando durante o filme. Diferente do que os americanos costumam fazer, Villeneuve não joga as pistas de forma clara, mas a partir da visão de cada um de seus personagens, que como o público estão cegos para o macro, focalizando-se em cada uma das cenas - que são apresentadas como capítulos de um livro, dedicados a cada um dos personagens do filme. Como histórias fechadas que milagrosamente não prejudicam o filme, cada sequencia que é mostrada faz sentido, pois ilustra a busca de Jeanne pelos segredos do passado de sua mãe. Se ela fica sabendo que determinado personagem pode ajudá-la, o filme interrompe sua narrativa e mostra sua mãe encontrando-se com o referido personagem, o que faz o espectador - mesmo com a profusão de flashbacks - não se perder com as múltiplas linhas narrativas.


O grande mérito de Villeneuve foi conseguir, a partir de uma história intensa e que pode ser transferida para qualquer realidade que vive em conflito, apresentar , sem levantar bandeiras situações corriqueiras do Oriente Médio, onde a religião, armas e violência parecem andar de mãos dadas e produzem resultados tão perturbadores quanto Incêndios.

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