domingo, 7 de fevereiro de 2010

Fita Branca
(Das weisse Band - Eine deutsche Kindergerschichte, 2009)
144 min. - Drama

Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke

Com: Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Kluasner, Steffi Kuhnert, Maria-Victoria Dragus, Leonard Proxauf, Rainer Bock

O cinema do diretor austríaco Michael Haneke é profundamente caracterizado pelas análises do cerne da humanidade. Haneke gosta dessa premissa, e não se abstém de opinar sobre os fatos e características humanas, que mais o incomodam ou intrigam.

Por isso seus filmes são notadamente humanos e versam sobre suas análises, apesar do eventual distanciamento e da falta de apreço mais profundo por seus personagens. Ao mesmo tempo em que ele confronta o fato emitindo sua opinião, ele se recusa a dar soluções óbvias e a “resolver” simplesmente suas histórias . Ele indica os caminhos, joga como na história de João e Maria, os pedaços de pão pela estrada e nos convida a segui-los. E mais do que tudo, ele não julga diretamente seus personagens, ele pede a nós, os espectadores, que façamos esse papel de juiz. Ele nos dá a munição e a arma, e nos oferece a chance de um tiro certeiro.


Em Fita Branca, filme premiado com justiça no festival de Cannes de 2009, Haneke explora as origens contundentes da moral germânica e de como essa forma de lidar uns com os outros pode ter sido (e Haneke é bastante eficaz nisso) uma das causas para que o nazismo conseguisse tomar força durante a segunda guerra mundial. Mais ainda, o diretor observa como sua própria gente (apesar de austríaco, Haneke é um profundo analista da moral alemã) por trás da impassível retidão moral, é recheada nas fundações de suas construções morais de preconceitos, inveja, sentimentos de vingança, de indiferença quanto aos sentimentos alheios e a completa passividade quanto as tragédias dos demais.

Haneke conta a história de uma aldeia as vésperas da primeira guerra mundial encravada em um ponto no norte da Alemanha . Lá vivem cinco famílias, a do Barão, o homem mais rico da região, casado, com um filho pequeno e dois filhos gêmeos recém-nascidos; a do administrador da fazenda do Barão, que vive com mulher e filhos, a do pastor luterano, que vive com a mulher e suas inúmeros filhos; a de um trabalhador local, casado, com inúmeros filhos e a do médico da cidade, viúvo, que vive com sua filha adolescente, seu filho pequeno, uma governanta e o filho dessa que possuí uma espécie de deficiência mental.


O narrador dessa história (que aparece tanto em “carne e osso” como em voice over) é o professor da escola da aldeia, que serve como canal entre o espectador e a realidade apresentada pelo filme.

Essa minúscula aldeia tem sua aprazível realidade abalada quando o médico da região sofre um acidente com seu cavalo as portas de sua casa. Verifica-se depois que o acidente fora causado por um fino, porém forte fio de arame preso entre duas árvores no caminho do médico. No dia seguinte, a mulher do trabalhador ao adentrar a serraria da cidade sofre um acidente e acaba caindo, graças ao péssimo estado de conservação do piso do local.
Segue-se uma investigação que não resulta em nada. Os moradores passam a desconfiar uns dos outros, sobre quem teria sido o responsável pelo acidente do médico e os motivos reais do acidente da mulher do trabalhador.


Haneke constrói sua narrativa baseada na análise dessa fauna de personagens, todos eles aparentando e revelando-se muito mais complexos do que possam parecer.

Os eventos se sucedem (e eu não vou contar) e a simpática aldeia das montanhas torna-se um poço de mentiras, inveja, crueldade, desamparo e indiferença.

Haneke quer dizer (pelo menos vi desse modo) que um país não é moldado pelos seus líderes máximos, mas que tais líderes são meros reflexos da sociedade que os sustenta. A culpa no fim, diz o diretor, é nossa.


Por mais complexo que possa parecer, as soluções desse mistério antropológico são simples, e com algum esforço você logo adivinha o que aconteceu. Mais um mérito do diretor, pois apesar de conduzir seu filme por meios de sucessivos mistérios e crimes, não lhe importa tanto esconder tais soluções, mais sim nos mostrar quem são os que cometeram e quem são os que os amparam e que fomentam a cíclica repetição de um erro.

Méritos as excelentes construções dos personagens (que são tantos) e destaco como atuações realmente impactantes, as de Burghart Klausner como o Pastor, Christian Friedel como o Professor, Leonard Proxauf como Martin e Maria-Victoria Dragus como Klara.

Todos os quatro constroem personagens ressonantes e dotados de profunda intensidade dramática, e deles todos o mais impressionante é Burghart que transforma seu personagem na imagem perfeita da dicotomia emocional. Notem duas cenas em especial. A primeira envolve seu filho Martin e uma conversa em seu escritório e a outra envolve seu filho menor e tem a ver com um pássaro. Que atuação notável.


A parte técnica é um desbunde. Haneke filma como poucos e cria composições verdadeiramente artísticas, e nesse filme ajudado pela opção acertadíssima de utilizar película p&b esses traços e suas opções estéticas no que diz respeito as sombras são magníficas. O diretor de fotografia Christian Berger fez um dos melhores trabalhos de 2009, e merece indicações a todos os grandes prêmios do setor no ano.

Depois de analisar a paranóia em Cache, Haneke voltou suas armas ao próprio umbigo e desferiu um tiro certeiro e impactante.



Obs: A tal Fita Branca, é das coisas mais simbólicas no cinema dos últimos tempos. O que acharam ?

TRAILER:


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