terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Um Homem Sério
(A Serious Man, 2009)
Drama/Comédia - 106 min.

Direção: Joel Coen e Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen

Com: Michael Stuhlbarg, Richard Kind, Sari Lennick

Os irmãos Coen são mestres na arte da comédia de humor negro. São mestres na sucessão de eventos cruéis, que nós sádicos de plantão, adoramos.

Um Homem Sério, é o mais novo (e brilhante) exemplo da capacidade da dupla. O filme fala de Larry Gobnik, um professor de física judeu, que tem sua família comum, filhos comuns, vive numa casa comum, e enfrenta (alguns) problemas comuns. Porém sua vida começa a se complicar a partir do momento em que um de seus alunos oferece uma “graninha” para passar numa prova e sua mulher lhe pede o divórcio. A partir daí uma sucessão de coisas inacreditáveis vão acontecendo ao coitado.

O que nas mãos de qualquer outro diretor poderia se transformar em uma comédia bobinha, graças a sua sinopse, nas mãos dos Coen, vira uma ácida critica a crença absoluta em que Deus é o responsável por nossa felicidade (e infelicidade), ou que Deus é um moleque mimado que adora “zoar” com nossa cara.


Os Coen acertam de primeira, na construção do roteiro. Em nenhum momento as personagens tem total certeza do que uns e outros fazem. A frase “what’s going on” é repetida a exaustão durante toda a projeção e somente reforça essa sensação de que a ausência de sapiência é recorrente a todos os personagens. Eles também são presos as tradições extremamente “tacanhas” e castradoras de uma religião, apenas como forma de estarem inseridos numa comunidade. Ninguém realmente leva a sério essas convenções, apenas o “homem sério”. Para ele os preceitos religiosos são antes de mais nada a comunhão das respostas a todos os seus problemas.

Assim que sua mulher lhe ameaça com o divórcio, ele corre como um cordeirinho manso em busca da sabedoria e dos conselhos dos rabinos, tentando antes de mais nada obter uma resposta clara e objetiva sobre os motivos de seus sucessivos problemas (que vão ficando cada vez maiores e mais engraçados por mais cruel que seja afirmar). E todos são imperativos em afirmar que os problemas do individuo não devem ser questionados. É a vontade de Deus, traduzindo em miúdos.


O que os Coen pregam, em seu evangelho de humor negro, é dúbio e por isso mesmo, absolutamente interessante. Será que o homem é o verdadeiro responsável por todos os seus atos terrenos ? Ou no fundo, tem alguma coisa por trás disso tudo, puxando as cordinhas ? Eles não respondem e nem esperam que um dos espectadores consiga responder.

As atuações são todas muito funcionais. Ancorado por um elenco quase todo ele judeu e desconhecidos do grande público, os Coen usam um artifício bastante comum. Ao apostar nos desconhecidos, eles pretendem que o publico não veja atores, mais personagens. Fora (o fato óbvio) de dar maior credibilidade, utilizar atores todos judeus.


Michael Stuhlbarg é o professor Gobnik, mais reto do que um ângulo de 90º e inacreditavelmente careta e reprimido. Em suma, um protótipo de banana da melhor qualidade. Sua interpretação é segura, mas não é brilhante. Richard Kind, como o Tio Arthur, o irmão de Gobnik que sofre de um bizarro problema de saúde, é abobalhado, quase infantil e retrata o estereotipo do gênio que é estranho/bizarro mas capaz de criar "coisas" que modificam o mundo. Freddy Melamed como o “guru de auto ajuda” e cínico Sy Ableman e Sari Lennick, como a esposa de Larry, Judith completam as interpretações mais interessantes. Mas o restante do elenco não compromete e mantém o alto nível do filme.

Porém, apesar de toda a qualidade apontada na resenha, é fácil entender porque muita gente não vai gostar do filme. Ele é absolutamente enigmático quanto as suas propostas.
Não facilita a compreensão, é ambientado nos subúrbios americanos no inicio dos anos 60 e é profundamente arraigado a cultura judaica e seus códigos de moral . Permite sim, algumas interpretações. Algumas óbvias e outras nem tanto. É fácil concluir o seu final (os motivos para ele e o que ele significa) mas é complicado entender na totalidade o excelente prólogo que abre o filme.


Os Coen adoram isso, e acho que Um Homem Sério é o filme mais complicado dos irmãos. Não tanto em sua narrativa, mas nos efeitos dela, ou melhor, nas discussões que o filme propõe. Vai “chocar” alguns a exposição do ser divino como algo amargo, mal humorado e intransigente. Ou como a humanidade (no microcosmo da comunidade judaica do filme) é dependente dos signos religiosos para encontrar respostas. E mais, o porque existe essa necessidade obsessiva do ser humano em racionalizar todos os momentos de sua vida. Tudo precisa necessariamente de uma resposta ? E se sim, o que fazemos quando as mesmas não nos agradam ?

Os Coen, novamente brilhantes, não sabem as respostas. E nem querem nos dar. E você quer ouvir ?


Quando anunciam um novo filme de Joel e Ethan Coen sempre são esperados uma direção competente, um roteiro afiadíssimo e o habitual humor negro da dupla. As vezes, porém, eles fogem do habitual e criam algum suspense, como o fabuloso Onde os Fracos não tem Vez. Mas claramente é na comédia que eles se baseiam. Depois do afiado Queime Depois de Ler, os Coen chegam com Um Homem Sério. E tudo estava indo nos conformes, com a ansiedade de sempre.

Mas quando o trailer lançou e quando o elenco foi anunciado, estava ensaiado um filme a se lembrar por tempos. O trailer, montado de forma diferente e inusitada era genial. O elenco, composto exclusivamente por desconhecidos, anunciava um despir de pudores(coisa que os Coen já não tem por natureza). Sendo assim, era só esperar. E agora que Um Homem Sério chega ao Brasil, já indicado ao Oscar de Melhor Filme, vai um recado de amigo: Vão rápido e vejam o filme. Foi mais que merecidamente lembrado para o Oscar.


A trama segue Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg), um professor normal dos Estados Unidos que leva sua vida sem muitas surpresas. É o esquema do average guy americano: casa no subúrbio, família de 2 filhos, vida previsível e rotina definida. Mas então, o judeu Larry é atacado por um mal existente no mundo: O Caos. E tudo começar a dar errado a Larry, que como professor de Física, nada pode fazer para descobrir o que está havendo. Essa trama começa de forma objetiva, indo direto ao ponto. Ela é costurada pelos 30 minutos iniciais para que nos acostumemos com a vida de Larry e isso faz toda a diferença. E aqui vemos outra marca dos Coen: mesmo que o fator apresentado possa parecer irrelevante, ele poderá sim causar algo importante durante o filme.

Tecnicamente, Um Homem Sério é um dos mais brilhantes filmes dos Coen. A direção dos irmãos está segura como sempre, usando de takes abertos e sem grandes movimentação de câmera, permitindo aos atores terem uma liberdade de atuação pouco vista.


Sendo esse um filme de diálogos e situações, a direção de atores teria que ser bastante precisa e é exatamente isso que os Coen entregam. A edição de Roderick Jaynes(Pseudônimo dos Coen) é fantástica e continua ajudando a direção, determinando até mesmo o humor de algumas cenas. A trilha sonora de Carter Burwell também é algo de nota, apesar dela aqui ser menos usada. Com algumas pequenas melodias minimalistas (note a beleza da melodia da cena do lago), ele é preciso em sua composição. E merece destaque também sua escolha musical: Somebody to Love. A melodia e a letra combinam muito bem com o que o filme é.

Mas o fator que rouba a cena é a poderosa fotografia de Roger Deakins. O veterano fotógrafo, oscarizado, cria um novo memorial trabalho. Aqui, sua fotografia se assemelha a de Onde os Fracos, mas com tons mais leves e bonitos (como esperado, afinal, aqui há a troca do deserto de Onde os Fracos para o subúrbio). Gênio. Merecia uma indicação. Outro destaque é a direção de arte, que com 7 milhões de orçamento, fez uma belíssima recriação dos anos 60, a época em que se passa o filme.


As atuações de Um Homem Sério são todas boas, mas é inegável que o filme é de Michael Stuhlbarg. Aqui, o desconhecido ator cria um personagem complexo e muito interessante e entrega as doses de humor negro que o texto pede. Um destaque de Stuhlbarg são suas notáveis expressões faciais, que determinam o nonsense do filme em vários pontos. E a inocência com que seu personagem é construído é engraçadíssima e muito bonita. Apesar de duvidar de tudo o que esteja fazendo, apesar de analisar cada situação e ser tratado como um tapete em muito momentos, Larry continua um homem admirável, com um excelente coração. Espero muito mesmo que o ator ganhe visão para o cinema depois desse brilhante papel. Quanto as outras atuações, o único destaque é Fred Melamed, o Sy Ableman. Ele transmite a calma e serenidade que seu personagem pede, o que é um achado. Richard King, o Arthur, também atua bem, com uma profundidade até bem grande para seu papel, que tem pouco tempo de tela.

O maior destaque de Um Homem Sério é seu roteiro, os Coen novamente dão um show de construção narrativa. Em Queime Depois de Ler, prevalecia a sátira. Em Onde os Fracos, o duelo. Em Fargo, o absurdo da trama. Aqui, eles criam uma trama que, além de investir em humor negro, brinca com recursos cinematográficos. Não se espante se achar que elementos da trama irão se fundir (como uma colisão, lá no meio da película) e na verdade não dê em nada. Ou talvez dê. E essa é grande sacada dos irmãos: A utilização de recursos narrativos que instiguem a plateia a pensar no óbvio, mas na verdade ocorra o inesperado.


Diálogos soberbos e bem precisos, tão engraçados quanto estranhos. E o humor negro continua sendo a marcar da dupla, que esbanja identidade em muitas partes da película. Se as situações que ocorrem com Larry não fossem levadas de um modo tão absurdo, talvez fosse bem triste. Mas aí tudo cairia no lugar comum, o que os Coen nunca fizeram. Mesmo com um leve perda de ritmo no terceiro ato, o roteiro é um enorme ponto positivo para fazer de Um Homem Sério, um excelente filme. E além de tudo ele é um filme bem maduro e de certa forma, atemporal. Afinal, Larry pode ser qualquer um que você conheça, mesmo ele sendo de 67.

Assim, segue a recomendação de ver Um Homem Sério e esmerar seus olhos e cerébro com tal qualidade. Com certeza não é o filme de sua vida, nem o melhor dos Coen, mas figura facilmente entre os melhores do ano. Um filme bem maduro e cômico que pode agradar muita gente. A pequena crônica de Lawrence Gopnik pode emocionar e fazer rir com facilidade e inteligência. Um personagem para entrar no hall dos mais carismáticos. Agora fica a espera pro novo filme dos Coen, seguindo a linha mais séria, de um faroeste. E claro, fica a torcida pra que a nova comédia deles chegue logo, para nos brindar com um novo espetáculo de narrativa, técnica e atuações.







TRAILER:

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