sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Segredo de Seus Olhos
(El Secreto de Sus Ojos, 2009)
Drama/Thriller/Romance - 127 min.

Direção: Juan José Campanella
Roteiro: Juan José Campanella e Eduardo Sacheri

Com: Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago, Guillermo Francella

Antes de escrever essa resenha havia lido no jornal Folha de S.Paulo, uma curta entrevista com o diretor Juan José Campanella, em que entre outras coisas dizia que seu “modelo” para a construção de seu filme havia sido o clássico dos clássicos Casablanca. O diretor disse que assim como Casablanca ele quis que a percepção dos fatos sócio-políticos incrustados em sua produção fossem percebidos pelos acontecimentos menores, aqueles detalhes corriqueiros.

Em resumo Campanella quis contar uma historia e não elaborar um tratado social sobre seu pais, o que é o erro de nove de 10 filmes feitos no Brasil.

O poder de Segredo de Seus Olhos está justamente nessa incrível capacidade de ser uma amalgama de variantes cinematográficas tão diversas e incongruentes e mesmo assim soar enxuto, redondo e brilhante.


O filme trata da história de Benjamin Esposito , um funcionário do ministério da justiça aposentado que resolve escrever um romance baseando-se num caso que mudou sua vida há 25 anos. E o filme também trata do mesmo Benjamin (por meio de um excelente flashback) 25 anos no passado vivenciando as mesmas situações que ele coloca no papel.

Benjamin é vivido pelo brilhante ator Ricardo Darin (que fez outros filmes do diretor, o mais famoso deles é o Filho da Noiva) e é um homem que sobrevive. Esqueceu de como viver a 25 anos em função do caso que ele, quase numa sessão de exorcismo privado, resolve colocar pra fora por meio de um romance. Entre os “entraves” causados pelo caso, está a sua mal resolvida história de quase-amor com sua superior, a juíza Irene Hastings (a lindíssima Soledad Villami). Benjamin sofre de síndrome de Charlie Brown. Explicando aos leigos, a síndrome manifesta-se quando o doente não consegue demonstrar de forma clara e objetiva (às vezes até se auto-sabotando) seus sentimentos por determinada pessoa. Benjamin nunca conseguiu de forma clara expor o que pensa, sempre agindo como se temesse algo quase sobrenatural.


Quando disse acima que o filme é um amalgama, isso se reflete no personagem de Morales (Pablo Rago). O tal caso que perturba Benjamin, envolve o estupro e a posterior morte da mulher deste. Por mais de um ano (que são suavemente mostrados) Benjamin e seu companheiro Sandoval (Guillermo Francella) investigam, a principio de forma oficial e depois de forma oficiosa, o caso e partem a caça do assassino.

Toda essa mistura de comédia agridoce, com thriller policial ainda guarda a tal “camada” de denuncia política, pois o filme ambienta-se nos anos pré-ditatoriais na Argentina e como tal, o que se segue ao resultado da investigação é o acontece com todo e qualquer “enxerido” que acaba mexendo com quem não deve.

Antes que pensem, não, a resolução não é clichê. Ela é solida como uma rocha e bastante verossímil. O resultado da investigação somado a instabilidade política resultam no que é mostrado no filme. Uma bela idéia do diretor.


Outro ponto que deve ser analisado é a quantidade de gags e momentos de pura comédia que Campanella tempera seu filme. Quase como um chef preocupado com a quantidade de sal ou de açúcar, o diretor preocupa-se em apresentar uma mistura, ou uma sopa, que possa agraciar aos mais diversos paladares. Tarefa ingrata, que ele consegue suplantar com grande competência.

Falando da parte técnica, a principio destaca-se o belo trabalho do departamento de maquiagem que conseguiu envelhecer Darin de uma maneira totalmente convincente, assim como todos os demais personagens que transitam entre os dois tempos do filme.


As interpretações dos atores principais são todas muito boas. Darin é um senhor ator, e talvez apresente o personagem mais cheio de nuances de sua carreira (pelo menos dentre os filmes que vi). Ora dono de si, ora abanando o rabo como um poodle, ora temerário e ora nostálgico, seu personagem transpira tridimensionalidade. Soledad além de belíssima serve como o nêmeses de Darin. Se ele pende para a esquerda ela equilibra a cena andando para a direita (notem sua interpretação na cena do interrogatório, notem a sua completa compreensão da situação apenas pelo seu olhar). Guillermo como o hilário Sandoval serve como o pierrô da história. Assim como o palhaço trágico, mostra-se divertido e expansivo apenas para esconder sua existência comum e desinteressante. Um tremendo trabalho, hora hilário, hora comovente. Completando Pablo Rago, que apresenta a mais interessante curva narrativa da história (em especial na meia hora final). Se Benjamin (apesar de seus problemas) sabe quais são seus problemas, e apesar de conhecê-los não tem força para enfrentá-los, o personagem de Pablo é uma esfinge. Misterioso, gélido e profundamente apaixonado.

O trabalho de Campanella é impressionante. Realmemte. Estamos falando de um diretor no auge de suas capacidades de criação e de desenvolvimento de narrativas. Apenas como forma de ilustrar (espero que vejam o filme e comentem) falo de duas seqüências. A primeira envolve uma casa de uma senhora idosa, as quais nossos “heróis” invadem a procura de cartas. A seqüência em si não apresenta nenhuma grande revolução estética, mas uma inteligência na construção dos enquadramentos e no uso de cores muito interessantes. A outra é a inigualável (pra mim a melhor seqüência até agora em 2010) cena do estádio do Racing Club. De uma panorâmica vista de cima, para (sem cortes) o close lateral de Benjamin para (ainda sem cortes) uma tentativa de localização de um suspeito que se transforma (adivinhem se temos cortes?) numa perseguição pelo interior do estádio que culmina com o camarada entrando no campo e levando um encontrão, caindo desacordado. Como ele fez isso, eu não sei, e duvido que alguém consiga me explicar de forma convincente. É absolutamente impressionante.


Impressionante, talvez resuma todo o sentimento que eu levo da sessão de O Segredo de seus Olhos. Impressionei-me com o desfecho (apesar de óbvio, funciona), me impressionei com a qualidade técnica, me impressionei com as questões pontuais sobre o homem sobrevivendo em vez de viver e me impressionei (mais uma vez) com mais uma película vinda dos hermanos. Podemos discutir por décadas quem tem o melhor futebol, ou quem foi melhor (Pelé ou Maradona), mas quando o assunto é cinema, não a discussão. Eles ganham da gente (pelo menos nos últimos 15 anos) de goleada. E eu nem ligo, sento na arquibancada e viro a casaca mesmo.

TRAILER:

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