Nine
(Nine,2009)Drama/Comédia/Musical - 118 min.
Direção: Rob Marshall
Roteiro: Michael Tolkin e Anthony Minghella
Com: Daniel Day Lewis, Marion Cotillard, Penelope Cruz, Nicole Kidman, Judi Dench, Kate Hudson, Sophia Loren, Fergi
Em 1982, Arthur Kopit escreveu um livro baseado no clássico dos cinemas 8 e Meio, de Federico Fellini. Logo, seu livro virou uma peça chamada Nine. A peça virou sucesso na Broadway e logo foi se espalhando pelo mundo inteiro. Então, como qualquer grande sucesso de outras mídias, Nine atraiu os olhos de Hollywood e logo foi adaptada. Os roteiristas responsáveis pela adaptação foram Michael Tolkin e Anthony Mingella.
Mingella, infelizmente falecido em 2006, foi um dos maiores escritores/diretores do nosso tempo, sendo responsável por excelentes filmes como O Talentoso Ripley e O Paciente Inglês. Logo, a expectativa ficou altíssima. Mas, há um porém. Fazer um remake de um verdadeiro clássico do cinema mundial é bem complicado e sempre é digno de desconfiança. Com essas contradições, Nine virou uma incógnita na cabeça dos cinéfilos. Mais tarde, foi divulgado o diretor. Rob Marshall, diretor do premiadíssimo Chicago e famoso na Broadway por inúmeros espetáculos, iria comandar o set. As mulheres lindíssimas e Daniel Day-Lewis no elenco pendiam a balança para algo positivo.
Mas, infelizmente, é fácil constatar que Marshall errou a mão e fez um filme descontrolado, descompassado. Indeciso sobre sua natureza e até mesmo sobre seu lado emocional, Nine decepciona, mas não afunda.
A trama, conhecido do público mais velho e mais apreciador do cinema, conta a história de Guido Contini (e não Anselmi, como em 8 e Meio), um cineasta italiano que tem um grande filme nas mãos, com o ambicioso título Italia. Sets prontos, profissionais contratados, coletivas de imprensa. O pacote todo de divulgação já está sendo realizado, mas há um problema: Ás vésperas das filmagens, Guido tem um bloqueio, está completamente sem inspiração e sem uma palavra no roteiro. E seu produtor começa a pegar em seu pé para iniciar logo as filmagens. Então, desesperado, Guido começa a buscar inspiração nas mulheres de sua vida: Sua mulher Luisa (Marion Cottillard), sua amante Carla (Penélope Cruz, lindíssima), a atriz e sua musa inspiradora Claudia Jenssen(Nicole Kidman), sua figurinista (Judi Dench), uma jornalista americana (Kate Hudson) e até mesmo sua falecida mãe (Sophia Loren).
E o filme se arrasta nessa jornada, da qual Guido fica cada vez mais desesperado e triste. Tudo então é entregue sem surpresas e com um ritmo lento, bem mais lento do que o habitual, mesmo se tratando de um filme dramático. E talvez esse seja o grande problema de Nine: a falta de apego ou sentimento.
Tecnicamente, Nine é soberbo, muito lindo e bem-realizado, digno de alguns Oscars técnicos. A direção de Rob Marshall é segura e bem feita. Nas partes dramáticas, Marshall não extrapola e conduz bem o filme, com uma excelente direção de atores. Nas partes musicais, ele se solta. Tudo é profissional, com extrema qualidade de filmagem. Seus números são bonitos de se ver, empolgantes e muito bem montados, demonstrando a especialidade de Marshall. O único dos musicais que ficou ruim foi Be Italian, com Fergie. Mal dirigido e com uma música fraca, o número simplesmente não empolga. Mas tudo é compensado com Cinema Italiano, com Kate Hudson. Inegável perfeição. A edição de Claire Simpson e Wyatt Smith é excelente e bem realizada. Impondo um ritmo ágil nos musicais e seco nos dramas, a edição até ofusca um ou outro erro de Marshall.
A trilha composta de Andrea Guerra é mediana. Pode até empolgar com algumas melodias divertidas, mas é extremamente desconexa e descompassada. Em alguns momentos, Andrea introduz uma música á la Danny Ocean no núcleo mais cômico-cool. Estranho.
Já a fotografia de Dion Beebe, colaborador frequente de Michael Mann, é soberba e perfeita. Merece sem dúvida o Oscar desse ano. É daquelas fotografias que fazem os olhos brilhar. Com tonalidades mais escuras, a fotografia é fantástica, o ponto alto. Outro ponto alto do filme é a direção de arte. Os cenários de época do filme são recriados com perfeição e obsessão. Outro ponto que merece, pelo menos, uma indicação ao Oscar.
Num musical como Nine, alguns espectadores mais mainstream procuram saber se as músicas são boas ou empolgantes. E quer saber? Sim e Não. Maury Yeston compôs músicas bem engraçadas liricamente. O jeito com que elas são introduzidas no filme é excelente e muito bem realizado. Até mesmo inovador. Por vezes, as músicas representam os sentimentos de Guido e outras apresentam algumas falas cantadas, mas tudo fantasioso, na mente de Guido. Interessante. Mas há alguns erros. Isoladamente, as músicas são estranhas por seu conteúdo vazio. Cinema Italiano, por exemplo, é extremamente empolgante, assim como Folies Bergères (muito bem filmada). Mas Be Italian é desnecessária e mal-feita, a própria Cinema praticamente nada tem a ver com o filme e o início, com apresentação a todas as divas do filme, é bonito porém igualmente vazio. Assim, fica empolgante, mas não tão bom.
Num DVD de Clipes, as músicas devem valer a pena. No filme, elas apenas divertem e entretem de forma segura. Apenas as melodias dos sentimentos de Guido e da fantasia dele com Penélope Cruz valem realmente a pena. Mas acredito que assim que exigem de um bom musical. Mas, sinceramente, acho que o gênero musical já foi bem mais explorado no cinema (Moulin Rouge é uma máxima).
Nas atuações, Nine é caprichado. Daniel-Day Lewis demonstra mais uma vez o gênio que é e encarna um bem construído Guido. Mas, é um Guido diferente do de Mastroianni. Aqui, Lewis exalta a falta de segurança e os amores de Guido pelas mulheres. Em 8 e Meio, Mastroianni se focava em fazer um homem forte porém "talentosamente debilitado". Então, se o objetivo é reinventar o personagem, Lewis faz um ótimo trabalho. Marion Cottillard, a atriz com mais tempo de tela junto a Lewis, arrebenta. Faz mais um excelente trabalho e demonstra todo seu talento que a fez ganhar o Oscar 2007 por Piaf.
Apesar de ser uma comparação estranha, acho válido dizer que aqui ela esbanjou a qualidade que não pode em Inimigos Públicos, por seu pouco tempo de tela. Sua Luisa é uma mulher de garra, bem feita, bem construída e provocativa. E... bem insegura. Ponto pra atriz, que poderia figurar nas indicações no Oscar. Judi Dench faz um papel bem mínimo, mas demonstra seu talento. E até mesmo canta (formidavelmente). Penélope Cruz é outra que tem aqui um espaço limitadíssimo de tela, mas mostra a mesma competência de sempre. Até mesmo quando é exigido seu número musical, ela não faz feio (apesar de uma desafinada grande no final...).
Sophia Loren também atua bem, numa clara homenagem a diva italiana, que aparece em três ou mais cenas, e até canta bem. Mas há certos pontos bem curiosos nas atuações de Nine. E eles respondem por Kate Hudson, Fergie e Nicole Kidman. Kate, atriz competente e dona de uma voz surpreendente, faz duas cenas no filme. E, faz Cinema Italiano. Chega a ser constrangedor o fato de apontar Kate no cartaz como uma das protagonistas. Fergie também faz duas cenas e Be Italian, mas pelo menos estava claro que a aspirante a atriz nada faria ali. E Nicole Kidman, a maior estranheza de Nine. Vendo um excessivo orçamento de 80 milhões, fico imaginando porque não deram 10 reais pra uma atriz iniciante bem bonita fazer o papel de Kidman. Apagada, ofuscada e em pouquíssimas cenas, Kidman faz seu pior trabalho. Novamente, só vale seu número musical, muito bem cantado (impossível não lembrar de Moulin quando a linda atriz solta a voz). Um talento desperdiçado.
É no roteiro, que Nine mostra seus maiores problemas. Os roteiristas criaram uma boa trama com uma boa base, mas seu desenvolvimento é precário e bem falho. As falas e narrações em off dos personagens explicam as imagens com frequência (uma coisa bem incomum para um drama) e ainda não são refinadas. O ritmo do filme também é outro problema. Lento e sem propósito, o ritmo é desnecessariamente arrastado. E ainda há algumas falhas bem curiosas, como por exemplo a indecisão do filme. Em momentos, ele é uma comédia. Logo após, muda arruptamente para um drama pesado. Depois, musicais entram na tela. Uma coisa é uma premissa agridoce, que promete um certo gênero cômico-dramático. Outra coisa é um filme descompassado e indeciso que tem momentos excelentes mas se perde ao tentar se levar a sério demais (ou de menos). Isso acaba tornando Nine uma incógnita, um paradoxo, um filme sem sentimento. O cômico que se leva a sério ou o drama que tira sarro. Uma pena um roteirista tão metódico quanto Mingella ter cometido esses erros.
Divertido e com seus altos e baixos, Nine cai no lugar comum. Torna-se só mais um produto encomendado pra Oscar mas que decepciona. E acredito que se a expectativa do resenhista que escreve aqui não fosse baixa, o filme teria um gosto muito amargo na boca. Mas, já dava para esperar de Nine um filme assim: Corajoso porém comum. Definitivamente, nenhum diretor dramático ou alguns números musicais salvam um roteiro que precisava de uma mínima polida antes de sair do forno. Uma pena. Mas fica o recado: Espere pouco e você terá um filme bonito, bem feito e um musical empolgante. Se esperar Oscar, sairá meio mal da sala. Nine reflete bem o que Nicole Kidman foi no filme: Um talento desperdiçado.
WOW para a sua crítica! Sou fã de musicais e tenho boas expectativas em relação à "Nine". Espero gostar mais da obra do que você.
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