sexta-feira, 27 de agosto de 2010


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.

Nascido Para Matar
(Full Metal Jacket, 1987)

 

Após o grande conflito que foi a Guerra do Vietnã, Hollywood não podia fechar os olhos para a grande fonte de material que aquele evento tinha. Uma guerra muitas vezes dita como sem sentido, sem efeito direto, que ia ser contada de diversas maneiras através dos anos, com Platoon, Apoclipse Now, entre outros. Em 1987, surge Full Metal Jacket, um filme sobre a guerra do Vietnã, com todos os seus preparativos e detalhes, sob o comando de ninguém menos que Stanley Kubrick.

Com o talento de observar e contemplar o assunto, Kubrick nos dá uma das melhores obras de guerra já feitas, mas vai além. Não se encarrega apenas de mostar a guerra, pois tem outra missão: mostar com riqueza de detalhes gigantesca, toda a máquina do exército americano, a Corporação dos Marines, cada engrenagem de lá e suas características durante um período em que funcionou intensamente, transformando jovens comuns em máquinas de morte e guerra.

O filme divide-se, portanto, em dois segmentos. O primeiro mostra com virulência e realidade o treinamento dos soldados, o que eles passam e o que aguentam. O segundo, a Guerra em si, o terror e estranheza que ela causava nos soldados. O primeiro segmento inicia-se de maneira rápida, sem a menor enrolação. Vai direto ao ponto de apresentação do instrutor de treinamento Sargento Hartman (R.Lee Ermey) aos seus soldados, após um rápido conjunto de cenas que mostram os jovens homens tendo a cabeça raspada, passando pela primeira transformação para o treinamento. Na apresentação ao sargento, os soldados começam a "experimentar" a vida no quartel. Nada de brincadeiras, obedecer ás regras, demonstrar seriedade e competência, respeitar o instrutor, e saber, que naquele estágio, não passavam de nada a não ser dejeto de anfíbios.

A partir daí, vemos os pequenos detalhes do dia-a-dia do quartel, que vão desde o modo de ganhar os apelidos até os rituais de dormir com o fuzil. De fato, não poderia haver outro diretor a fazer isso melhor do que Stanley Kubrick. No espaço, muitos anos antes, no filme 2001, Kubrick demonstrava o apreço quase obsessivo a densidade negra do espaço, sem necessidade de falas, ou efeitos megalomaníacos. Em Full Metal Jacket, Kubrick vai acompanhando o desenvolvimento desses futuros Marines, sem pressa alguma, degustando cada etapa do duro treinamento. Treinamento esse, que são colocados os soldados Hilário (Mathew Modine), Cowboy (Arliss Howard) e Pyle (Vicent D'Onofrio). Após essa transformação duríssima em máquinas de combate, o filme trata de mostrar os soldados na guerra, no campo de batalha, onde por vezes sentem uma descrença no motivo do conflito e até uma certa frieza adquirida com a forte preparação.

O mais interessante na trama foi o modo de comparar os dois segmentos. No treinamento quase sobre-humano, em que os soldados eram pressionados ao máximo, cobrados a decorar os movimentos com destreza perfeita, ter uma displina mais que ultra-rígida, onde algumas pessoas simplesmente não suportam, e surtam. Essa é o que torna Full Metal Jacket tão especial e diferenciado.

Se um ano antes Oliver Stone fez um filme que mostrava uma "guerra" entre oficiais dentro de um pelotão, Kubrick agora mostra um "Holocausto" criado nos quartéis com o objetivo de criar homens acima da média, que matam com a mesma facilidade que respiram. É aterradora a situação psicológica que alguns soldados enfrentam dentro do próprio quartel. E assim, quando chegam na guerra, não tem muita dificuldades, nem muita emoção. Parecem que vivem sem pegar o verdadeiro peso da situação. Todos ficam já "vacinados" após a vivencia nos quartéis. E esse é o mais intrigante: a experiência que nos é compartilhada nos quartéis é mais amendrontadora, até, do que nas próprias batalhas reais. Mas a guerra sempre prega peças, e estar imune a tudo se torna impossível. Nesse filme, o ritmo só cai durante o segundo segmento, mas isso ajuda a formatar a idéia geral da trama que era preciso ser passada.

A direção de Kubrick aqui é tão explêndida quanto de costume. É sem dúvida o diretor mais visionário que já existiu, fato. E ele realiza seus takes maravilhosos com simplicidade incrível. Usar os trilhos para acompanhar um ator que anda calmamente por um dormitório enquanto discursa pode se tornar algo fora do normal com o registro contemplativo/observador de Kubrick.

Observar uma cena onde um esquadrão adentra um território com as táticas de sempre fica muito mais interessante quando se coloca uma câmera baixa, imediatamente atrás dos atores. Mostra o "modus operanti" metódico do exército passando excessivamente pelo meio de suas rígidas filas de soldados é mostrar com imagens, algo que talvez palavras não fossem sufucientes para mostrar. A trilha sonora foi muito bem composta pela filha do diretor, Vivian Kubrick. A trilha montada tem músicas próprias da época, como a que abre o filme, e outras que dão o tom do filme muito bem. A trilha composta tem tons de suspense ótimos, que realmente tocam no espectador.

As atuações são também soberbas. Mathew Modine interpreta bem e merece menção. Vicent D'Onofrio arrebenta em seu papel, que talvez seja um dos mais difíceis de se realizar no filme. Mas o destaque vai para R.Lee Ermey. Esse militar que nem era ator, estava no filme como consultor para treinar os atores como soldados, e após fazer uma demonstração pessoal em um vídeo, o diretor Stanley Kubrick ficou impressionado e resolveu contrata-lo para o papel. E vemos no filme que Kubrick fez o certo. O realismo não podia ser maior. Ermey não pisca em cena, olha com firmeza inimitável para os atores, grita e age como o Sargento Hartman de maneira única. Apenas sua atuação já vale o filme. Foi até injusto receber uma indicação para o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante. Deveria ser indicado logo ao Oscar!

De maneira sublime e quase irretocavelmente, Full Metal Jacket nos transmite a sensação de realismo da guerra como da visão de um soldado. Pelo menos até hoje, foi o mais próximo que um filme já chegou, nos introduzindo de vez no real universo militar. Vemos cada etapa da preparação de um matador, desde seu treinamento até sua ação nos campos vietnamitas. O motivo da guerra, não importa mais durante o combate. Ela é mais dura do que qualquer um poderia pensar, mais do que qualquer um poderia se preparar.Sair vivo dela já é, para muitos, um alívio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário