terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Preciosa
(Precious: Based on the novel Push by Sapphire)
Drama - 110 min.

Direção: Lee Daniels
Roteiro: Geoffrey Fletcher

Com: Gabourey Sadibe, Mo'Nique, Paula Patton, Mariah Carey

Preciosa, produção independente dirigida por Lee Daniels, e estrelada pela novata Gabourey Sadibe e Mo’Nique, tinha absolutamente tudo para dar errado.

História com cheiro de “já vi isso antes”, uma atriz principal iniciante, uma coadjuvante principal num forte papel dramático que veio do stand-up comedy, um diretor com apenas um filme (bem irregular por sinal) no currículo, e estrelas fazendo pontas (Lenny Kravtiz e Mariah Carey).
Milagrosamente, essa salada que poderia ser muito indigesta, apresenta um sabor agridoce, que agrada ao paladar dos fãs de cinema e provavelmente deve fazer a festa do pessoal que adora um drama pesado.


Confesso a vocês, que tenho problemas com esse tipo de produção. Nunca foi, e nem nunca será meu gênero favorito. Não consigo gostar da sucessão de tragédias, do chororô, e da sensação de “vida real” que tais produções geralmente contém (bastam ler em alguns dias, minhas impressões sobre o filme de Sandra Bullock, The Blind Side).

Por isso, assisti Preciosa quase como uma obrigação, aos leitores e para meu conhecimento sobre essa produção que era tão insensada, amada, defendida e até idolatrada mundo afora.


E felizmente, para meus olhos e ouvidos, tive uma surpresa muito agradável. Preciosa funciona muito bem, e todos os elementos que poderiam demolir o filme, milagrosamente, deram certo (mais do que certo na verdade). Começando pela tal história batida, que sim é clichê (é a velha história da moça pobre que encontra seu “anjo da guarda” e muda de vida), porém contada com uma paixão e uma dose de amargura que combina perfeitamente com o que Lee Daniels (outro motivo de desconfiança) quer contar. Daniels apesar de visar o happy end, traça a rota dessa jornada como uma enorme maratona de inúmeras visitas ao “mundo cão”. Sem escalas, sem desculpas e sem aliviar.

Beira o sadismo, as cenas em que vemos a pobre Clarisse Precious Jones, sendo estuprada por seu pai, que pinga suor, e consegue (mesmo sendo impossível) exalar o fedor do ato inacreditavelmente doentio.


Caso alguém ainda não saiba, Preciosa fala dessa garota (a tal Preciosa do título, que obviamente é um título dúbio, já que é o nome da personagem principal e envolve a mensagem mais importante do filme: todos somos preciosos e merecemos a chance de sermos felizes) que é sistematicamente estuprada pelo pai, com quem acabou tendo um filho (que por motivos genéticos óbvios, nasce com problemas mentais) tem uma mãe que mais parece um carrasco nazista (pensando melhor, carrasco nazista é elogio) e pelo fato de ser excessivamente obesa, feia e sem vontade nenhuma de crescer (ou não ver as opções para) vegeta de olhos abertos. Come por comer, anda por andar, respira por respirar.

Sua única fuga, ocorre quando ela vislumbra uma realidade alternativa onde sua vida é, digamos, mais bela. Ela se imagina casada com o professor, como uma estrela de cinema por exemplo.


A história poderia cair na vala comum, caso a personagem principal não fosse interpretada com tamanho realismo. Honestamente, não se pode ainda dar um crédito excessivo, ou mesmo uma indicação a prêmios para Gabourey. Explico: em diversos momentos do filme, não consegui identificar onde começava o personagem e onde acabava a atriz. “Olha mais isso é ótimo”, dirão vocês, “É esse tipo de imersão que se espera de uma atriz”. Concordo, mas quando isso acontece com Meryl Streep, Judi Dench ou Kate Winslet por exemplo, você percebe a tal imersão, pois todas são atrizes experientes e com um leque de interpretações enorme. Quando esse fato acontece com uma novata, é sempre bom mantermos os pés no chão, e aguardar novos papéis para comprovarmos o talento da/o atriz/ator. De qualquer maneira, NESSA interpretação, Sadibe é excelente.

Ela molda sua Precious como uma garota frágil, mas amargurada e “endurecida” pela vida. Apesar de ter apenas 16 anos, já tem um filho e descobre durante a projeção que está esperando o segundo (também do pai).


É interessante notar a metamorfose (e não encontro palavra melhor) que Mo’Nique sofre ao interpretar a mãe de Precious. Quem já viu alguma coisa dela, sabe como ela é (sendo bem condescendente) no máximo divertida. Seu humor é típico de americano, só funciona com eles, e é destinado diretamente a comunidade negra. O que essa mulher conseguiu nesse papel é digno de uma análise mais profunda. Se começamos vendo a personagem como uma mera megera, literalmente “mal comida”, aos poucos vamos descobrindo as nuances cruéis de sua personalidade distorcida e torpe. E ao chegarmos ao fim da projeção (na cena que vem sendo usada para divulgar a indicação dela a prêmios mundo afora) nossos queixos estão no chão, e as palmas são ouvidas pelo recinto. Que coisa realmente impressionante.

Quem co-estrela essa fabulosa seqüência (pra mim uma das 5 mais fortes do ano) é a cantora Mariah Carey, que realmente se despe de vaidades, e está bastante a vontade no papel da assistente social. Quem a viu no péssimo Glitter e a vê agora, pode até pensar que não se trata da mesma pessoa. Também no campo das “estrelas mostrando a cara”, temos Lenny Kravitz, como um enfermeiro. Apesar de pouco tempo de tela, convence.


E chegamos ao “mago” por trás de tudo isso. O maior mérito de Lee Daniels no filme, foi conseguir botar o dedo na ferida, ao mesmo tempo, em que teve tempo pra usar alguns maneirismos espertos. A seqüência da discussão em italiano de mãe e filha, é impagável.
Assim como é impagável, sua noção de que essa era uma história em que ele deveria ficar “escondido”. Ele não quer inventar moda, ele se deixa levar pelos atores, lhes dá tempo, lhes dá suporte fotográfico para que possam se doar ao máximo em seus papéis.

Apesar das incursões “ao mundo de Oz” de Precious (que fogem do realismo cru e sujo do filme), ele prefere os cortes suaves, closes e a simplicidade. A técnica aqui serve a história.


O problema para que o filme não leve um “Obra Prima” ou mesmo um “Excelente”, reside justamente em alguns clichês que o diretor não conseguiu se livrar. A professora  (interpretada pela bela Paula Patton) é bi-dimensional. É linda, é inteligente, é moderna, tem seus problemas mas consegue se resolver, e é boa... quase uma santa. Não que não creia que gente assim exista, mas não combina com a crueza do filme. A seqüência em que Precious entra na sala de aula e é iluminada por uma “aura branca” é de se contorcer na cadeira... só faltou o “Aleluia”.

Mesmo Mo’Nique, que cansei de elogiar anteriormente, antes da seqüência final, parecia simplesmente ruim. Má por ser má. Faltava profundidade, e se o filme terminasse sem uma “justificativa” realmente seria uma lástima.


Preciosa tem boas intenções. Pretende ser um retrato de uma parcela das pessoas que é tão desiludida com a vida (por quaisquer motivos) que não consegue forças nem mesmo para sonhar. Sonhar, parece dizer Daniels, é o nosso dom mais precioso.

Obs: Duvido que depois de descobrir a “ultima desgraça” que acontece com Precious, alguém fique (será que alguém não teria ficado antes ?) indiferente a sua história.









É comum , todo o final de ano, um pouco antes das grandes premiações cinematográficas, surgirem dramas de baixo orçamento feitos pra essas ocasiões. Na maioria das vezes, feitos para o próprio Oscar. São fórmulas para ganhar prêmios, utilizando artifícios dramáticos fortes, situações realmente apelativas que sensibilizam e ‘‘ganham’’ os críticos do mundo todo. Preciosa , que chega nos cinemas brasileiros essa semana, é , superficialmente, um filme feito pra Oscar, com uma fórmula pra este sentido .

Entretanto, olhando mais de perto, podemos ver a beleza e profundidade infinita que o filme de Lee Daniels tem, que o difere graciosamente do geral.


Baseado no livro Push, escrito por Sapphire, como o longo título original diz, Preciosa é daqueles filmes que, também a primeira vista, aparenta ser baseado em grandes atuações e num roteiro bem esmerado, e que o diretor serve apenas como ‘‘carregador de piano’’ (aqueles cineastas que se resumem ao trivial e não fazem nada além daquilo). Mas não. Surpreendentemente, além de atuações imponentes e roteiro forte, Lee Daniels arrebenta com um estilo que dá gosto de ver.


Só por isso, já dá pra admitir que é um filme diferenciado. A história baseia-se na personagem do título Claireece Precious Jones (Gabourey Sidibe), uma garota que vive na década de 80 e enfrentra diversos problemas. Só pra começar, ela é obesa, negra, tem uma filha com problemas e está grávida de outro bebê. E se só isso já não fosse o suficiente, o filme ainda dá mais “surpresas” . Ela ainda sofre da tirania da mãe ( Mo’Nique) que vive da renda do auxílio desemprego somado da ajuda da assistência social para a neta que nem vive com as duas . E , graças a essa nova gravidez de Preciosa, a protagonista é transferida para uma escola alternativa, onde ela é aluna da professora Blu Rain (Paula Patton), que a ensina muito mais do que a ler e a escrever , mas a ter uma válvula de escape para a vida duríssima.




A realidade mostrada no filme é mais do que só emocionante. Preciosa é a síntese mais recente da máxima ‘‘o que está ruim pode ficar pior ”. Entretanto, nada é apelativo ou forçado. A imersão no mundo destruído de Preciosa não é caricata, não faz maniqueísmos. Tudo é bem realista, e, se a realidade é quase insuportável, ela é mostrada desse jeito. E a dose de realidade é tão grande que aparece inclusive no desfecho, um dos melhores do ano. Não há nada de irreal ou de super-acontecimento. Apenas algo muito belo, e que se encaixa muito bem no contexto da trama.


Outro ponto interessante para a composição do roteiro são os pontos para respirar no meio de tanto caos. Esses pontos são os sonhos de Preciosa, onde seu mundo é perfeito, ela é desejada por homens bonitos, é branca e rica, e vive no mundo de celebridades . Ainda há alívios cômicos, mas que surgem tão naturalmente que nem parecem propositais. Todos esse ‘‘alívios’’ da trama, são praticamente os mesmos alívios que Preciosa tem para sua vida. Por isso a fluidez é tão boa.


A direção de Daniels também impressiona muito. Tendo feito anteriormente apenas o fraco Matadores de Aluguel , Daniels apresenta um trabalho inesperado, pelo menos pra mim. Quem fez tão mal seu primeiro e até então único filme, dificilmente apresentaria tal feito aqui. Sua direção de atores é precisa e confiante, abusa de takes longos, variando de um ator para outro. Usa muito bem também a câmera na mão, que treme e balança enquanto enquadra os rostos das protagonistas. Também abusa repetidamente de zooms nas faces dos atores. Nesse aspecto, é quase experimental seu modo de dirigir. Entretanto, o efeito desses zooms e cameras balançanates é quase documental, que combina muito com o filme.


Do ponto de vista técnico, só a fotografia não se sobressai tanto. Dá um tom sujo, mas não vai muito além disso.A trilha mistura várias faixas de músicas do guetos na década de 80. Combina e ajuda a cosntruir o filme, mesmo que timidamente.




As atuações do longa são quase irretocáveis. Gabourey Sadibe faz muito bonito e quase não dá pra perceber se está atuando ou não. Consegue personificar toda a angústia, tristeza e personalidade forte de Preciosa . Já com Mo’Nique, a história é outra. Simplesmente, a melhor atuação feminina do ano. Merece o Oscar e deve levar, depois do Globo de Ouro. Sua interpretação é ótima, muito profunda e intensa, como a personagem pedia .O resto do elenco também é ótimo. Destaque para Mariah Carey, que atuou muito bem quando pedida. Só Paula Patton, que pareceu um pouco artificial.


Preciosa –Uma História de Esperança merece estar figurado entre os melhores filmes do ano, e todas suas indicações a todos os prêmios são merecidos. É uma obra de arte muito bonita, escondida sob o rótulo de ‘‘ filme de Oscar ’’. O choque de realidade misturado com técnica dá num resultado para se aplaudir de pé.








TRAILER:

3 comentários:

  1. A opinião quase unânime sobre "Preciosa" tem sido o fato de que a obra é surpreendente, do ponto de vista positivo. Eu já tinha uma enorme vontade de conferir o filme, mas ela aumenta quando vejo que o que poderia se transformar em melodramático, não se transforma nisso, que tudo é dirigido no tom certo. Fora que tem as atuações elogiadíssimas do elenco.

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  2. Direto ao ponto Kamila, o que poderia ser mais um drama da vida real, forçado, fica interessante pela forma como é contada. Apesar de já termos visto essa história antes, ela te convence pela condução e pelas atuações fortes e inspiradas.

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  3. TEXTO ENORME,não?
    Simplifico com uma palavra "PRECIOSO"!

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