quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Invictus
(Invictus, 2009)
Drama - 133 min.

Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Anthony Peckham

Com: Morgan Freeman, Matt Damon

Que Clint Eastwood é um tremendo diretor 99% do universo amante de cinema sabe. Que Clint é capaz de obras emocionantes, vibrantes, apaixonadas e apaixonantes, imagino que os mesmos 99% também saibam. Clint é capaz de coisas que no alto de seus mais de oitenta anos, que poucos artistas tem competência, excetuando-se Eric Rohmer (R.I.P.) ou Manuel de Oliveira talvez. Clint filma com um gosto, com uma força narrativa e emotiva que nos faz esquecer de sua idade, de sua experiência e de seu passado pregresso. A cada novo “Clint” somos jogados em uma nova arena, em um novo palácio adornado por novas máscaras brilhantes, coloridas e magníficas.

Invictus, seu novo trabalho enquadra-se na categoria de obras “menores” do diretor. Mas o que seria uma obra menor de um gênio ? É como dizer que um poema de Neruda, ou uma peça de Chopin ou mesmo um livro de James Joyce possa ser considerado menor dentre a companhia dos demais “irmãos” de punho principalmente se os colocarmos ao lado das "obras primas" de tantos outros medíocres. Invictus é uma cereja suculenta que enfeita a carreira do mestre Eastwood, que parece cada vez mais saber como nos tocar emocionalmente.


Invictus é de longe, seu filme mais humano. Digo mais, é seu filme mais humanista. Nele, Clint nos inspira assim como seus personagens são inspirados uns pelos outros, a crer que mesmo “nas garras da circunstância” é possível sobreviver, refletir, perdoar, extinguir-se de rancor e ódio, e praticar a paz e o amor.

O filme conta a história real do envolvimento do recém- eleito presidente da África do Sul, o imortal Nelson Mandela, com a Copa do Mundo de Rugby, realizada em seu país em 1995. O filme mostra como Mandela, usou o torneio para unir seu flagelado pais, cansado e amargurado dos muitos anos de Apartheid.
Mandela (vívido com extrema competência, a habitual diga-se de passagem, por Morgan Freeman) é um homem (pelo menos o mostrado no filme o é) extremamente inteligente que percebe desde o início que não basta “rebater” os anos de abusos e privações que a população negra sofreu, mas que era muito mais importante a real conquista de uma real identidade nacional.


O esporte, meus caros, é a única mola propulsora capaz de unir, mesmo que por breves segundos, todos os seres humanos pelo mesmo objetivo. O esporte é o único capaz de nos tirar de nossa zona de conforto mental e nos fazer embarcar em uma jornada rumo a sensações e sentimentos que não encontramos em nenhum outro ambiente. Quem não se pegou abraçando ou simplesmente conversando animadamente com a pessoa ao seu lado em um estádio, bar, ou mesmo na rua simplesmente pelo fato de que ambos torcem pelas mesmas cores ? Somente o esporte é capaz de unir um povo e de dar, mesmo que passageira, um sentido de esperança que nenhum discurso político, ou carta rebuscada consegue passar.

Clint, com extrema competência, demonstra isso na figura do capitão da seleção sul-africana François Pienaar (Matt Damon, num dos seus melhores momentos no cinema) que inspirado pelo líder sul-africano, passa a sofrer da mesma “febre” de vitória que os grandes esportistas são acometidos. Por seus olhos Clint nos conta (novamente) a história de superação de um homem, que nesse caso, é transferida para a superação de uma nação, embalada por uma equipe e um sonho. Pienaar funciona como a extensão física do desejo emocional de Mandela pela união de sua pátria.


Extremamente feliz nas reconstruções das situações, Clint não quer apenas nos relembrar de um fato, mas de nos fazer entender que sim, é possível vivermos em estado de compaixão, por mais doloroso que seja sermos assim em alguns momentos de nossas vidas.
Invictus é um desbunde ao olhos, e aos ouvidos mas essencialmente é um “atentado” no melhor dos sentidos a nossa mente. Ele é verdadeiramente um sopro de inspiração, que atinge diretamente nossa alma.

Evidente que alguns vão reclamar da sensação de urgência que o diretor quer passar, ou mesmo da sensação que temos de que Mandela (apesar dos problemas com sua família serem mostrados e de um de seus guarda costas nominalmente dizer “ele não é um super-herói, nem um santo. Ele é só um homem”) é santificado pelo diretor. Considero a urgência e essa condição de digamos, liberdade poética, importantes para o que o diretor quer passar. Eastwood não quis fazer uma biografia do presidente sul-africano, quis mostrar aquele trecho de sua vida e de como sua aura, sua imagem e sua “persona” inspiraram um time e um país.


Mesmo assim, reconheço que o filme tem alguns problemas na estrutura de construção do roteiro. Algumas informações que você imagina que sejam importantes, são relegadas sumariamente a segundo plano sem maiores explicações. As cenas de vitória esportiva são as mesmas usadas a cinquenta anos, com a câmera lenta, a multidão prendendo a respiração e o grito que começa abafado em slow e cresce numa catarse coletiva, ou seja, você provavelmente já viu isso antes.

Porém, em outros momentos simplesmente usando a câmera, a trilha e uma idéia Clint consegue exemplificar com maestria suas idéias. Basta assistirmos os primeiros 5 minutos da projeção para entendermos o que o presidente Mandela terá de fazer para conseguir unir seu povo.


Tecnicamente, o filme reconstrói momentos, e deixa com que os atores façam o resto. É espantoso notar o vigor com que as cenas de rugby são filmadas. Clint quer, e consegue, dar a sensação comparativa (e que não requer tanto poder de imaginação assim) que o esporte é um simulacro de uma batalha campal entre dois exércitos.

Filmar esporte é algo muito complexo, e o diretor é muito feliz ao não tentar simular o que seria impossível de conseguir fazer com tamanha desenvoltura. Ele se foca nos choques, nas expressões, nas meias elameadas, nos puxões viris, nos scrums, nos drop kicks, e no público. O esporte apesar de ser o mote que conduz o filme, é tratado como exercício para a constatação de uma verdade universal: somos todos iguais, independente de credo, cor ou raça, mesmo que só consigamos perceber quando temos uma bola nas mãos.


TRAILER:


2 comentários:

  1. Bom que você seja mais um dos que pegaram a essência da coisa. É o problema com a maioria dos que depreciam o filme, não entenderam nada da proposta. Filmaço!

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  2. É Caio, muita gente se focou na questão do filme de esporte, e esqueceu que a idéia era usar o esporte como meio pra discutir o perdão, o rancor e sobre seguir em frente.

    Com o Clint as coisas nunca são tão óbvias assim rsrs

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