quarta-feira, 25 de agosto de 2010


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.

Beleza Americana
(American Beauty, 1999)


Em 1999, Beleza Americana estreava no cinema. Comoção geral e muitos comentários foram disparados na saída das sessões, tenho certeza. O retrato realista, cruel, triste, belo e duro em que o ácido roteiro de Alan Ball tratou a vida do típico suburbano americano foi impactante demais. O pequeno filme de 15 milhões, estrelado por um desacreditado Kevin Spacey e uma sumida Annette Bening, arrebatou a todos e foi agraciado com 5 Oscar, inclusive de Melhor Filme e Melhor Diretor, na estreia de Sam Mendes no cinema. E, há uns dias, eu vi essa obra-prima. E digo que todos os Oscar são merecidos, que todos os comentários surpreendidos são válidos e que esse filme fez a Kevin Spacey o que Pulp Fiction fez a John Travolta: o ressucitou.

Beleza Americana é fora desse mundo, é um dos filmes mais corajosos já feitos, recomendado para qualquer um que quer repensar seu senso crítico ou até mesmo sua vida. Ao mesmo tempo que esse filme se faz espetacular por sua técnica e esmero cinematográfico, ele é algo além de qualquer nota máxima em emocionar o público com a tocante história de Lester Burnham, um dos personagens mais verdadeiros e verossímeis já criados. Seu drama é real, seu modo "loser" é real. Não duvido nada que vários caras, em qualquer parte do mundo, tem um pouco de Lester.

A trama, costurada com uma atenção notável, conta a história de Lester (Kevin Spacey) e sua vida medíocre. Ele é comandado pela mulher Carolyn (Annette Bening), submisso, odiado pela filha Jane (Thora Birch), considerado derrotado pela família e o pior: infeliz consigo mesmo. Trabalha num lugar onde não suporta e vive num lugar que considera imbecil. Mas, um dia, ele conhece Angela (Mena Suvari), amiga de sua filha. E Angela vira o motivo da virada na vida de Lester, melhorar si mesmo e se libertar das regras impostas pela vida. Nessa vizinhança, ainda tem o estranho Rick (Wes Bentley) e seu ferrenho e machão pai (Chris Cooper). Seus dramas também são acompanhados de perto, fazendo com que todos tenham seu espaço imenso na tela.

Uma das coisas mais belas de Beleza Americana é sua direção. Sam Mendes proporciona uma experiência única, arrumando ângulos improváveis e os tratando como vasto local para filmar. Seja num espelho, em cima de um carro ou se aproximando de uma TV, Mendes honra seu Oscar de maneiro maravilhosa. Outro elemento de destaque é a direção de arte. O figurino de todos condizem muito com suas personalidades. Quando Carolyn sai de sua casa com seu terninho fashion, fica claro que ela vai lá tentar vender mais uma de suas casas. A trilha sonora de Thomas Newman também é algo fora desse mundo. Com notas calmas, ele pode fazer algo agressivo e de grande qualidade, como a música de abertura ou pode também criar algo lindíssimo e simplista, como a sinfonia final.

Dinâmico, o compositor se afirma como um dos melhores atualmente. Wall-E também impressiona por sua trilha. Newman criou algo tão memorável quanto em Beleza. Mas, nada desses quesitos técnicos aqui se equipara a fantástica fotografia de Conrad L. Hall. O experiente mestre da fotografia nos entrega um clima tenso, belo, intimidador e vazio para um filme completamente impregnado por essas emoções, por esse sentimentos distintos. Quando Conrad nos entrega imagens simples e belas como Carolyn com uma American Beauty na mão ou quando a chuva, em câmera lenta, contrasta com o vermelho sangue da porta da casa dos Burnham, tudo se torna pleno e bonito. Aqui, ele faz seu melhor trabalho, o que não é nada menos que esplêndido vista a vasta carreira do saudoso fotógrafo.

Num filme como Beleza Americana, especialmente por ser um drama denso, as atuações são seus maiores destaque. E esse filme só fica maior ainda quando falamos disso. Kevin Spacey, resgatado da amargura na carreira, flertando com o ostracismo, volta como o brilhantemente construído Lester Burnham. Spacey se entrega ao papel e some nele, praticamente como Johnny Depp em qualquer de seus trabalhos. Atua na medida quando lhe é pedido e, na virada de seu personagem, Spacey extrapola seu talento. Soberbo. Poucas vezes o Oscar acertou tanto. Annette Bening também estava esquecida pela mídia quando retornou de maneira tocante ao estrelato. Sua Carolyn é também construída com precisão, ajudada pelo cinismo de Bening. A cada quadro seu, Bening demonstra como a sua personagem, bem comum, pode se diferenciar, chocando o espectador. Mena Suvari, apesar de ser um papel importantíssimo a trama, apesar de fazer o seu trabalho com destreza, não tem o impacto dos protagonistas. Wes Bentley desponta como um talento a ser visto a partir daquela época, com um papel difícil e bem executado por ele. Thora Birch também atua bem, mas como Suvari, é ofuscada pela beleza das outras atuações.

Mas o coadjuvante que realmente reina, o que pode se juntar a gama de talento dos protagonistas é Chris Cooper. Seu Frank Fitts, o pai machão, fuzileiro, típico chefe de família suburbano é fantástico. Suas cenas emocionam, sejam pela densidade do roteiro ou das comoventes lágrimas de Cooper. Se demonstrando uma jóia rara, Cooper foi injustiçado pelo Oscar, que não entregou seu prêmio, que eu daria como certo se tivesse visto o filme na época.

O roteiro de Alan Ball é majestoso. Seu trabalho de estreia tem a estrutura de um veterano, o arrojo de um novato e uma construção de personagens habitualmente ótima, como na maioria dos dramas. Mas ele foge do comum contando a história de cidadãos comuns. Seu protagonista é um derrotado patético, submisso a esposa e odiado pela filha. Sinceramente, nunca vi um herói tão arrojado quanto esse. Os sentimentos de Lestar, determinados pela bela narração em off de Spacey, são verdadeiros, algo que só uma pessoa realmente saturada da realidade poderia ser. Excelente, apurado e verdadeiro. Esse é o primeiro, melhor e talvez nunca igualável de Alan Ball.

Talvez não, nunca igualável. Quem cria True Blood anos depois não tem capacidade pra fazer obra-prima equiparável. Mas espero estar errado.

Uma pérola do cinema moderno, que irá arrebatar o mais ferrenho crítico, chateará o público dos fins de semana e irá ganhar mais status com o passar dos anos. Não duvido de daqui a 20 anos estar ouvindo de Sam Mendes e seu Beleza Americana. Uma obra marcante, que permanesce gravada no peito, no coração de qualquer um apreciador de cinema. Mendes já deixa sua marca corajosa aqui, o que é potencializado pelo ótimo porém inferior Foi Apenas um Sonho. E aqui agradeço a Kevin Spacey, por ter mudado meu conceito de personagens, por ter revirado meu senso crítico e, principalmente, por ter me ensinado vários sentimentos humanos nunca visto na telona. Gênio.

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