segunda-feira, 22 de março de 2010

O Livro de Eli
(The Book of Eli, 2010)
Ação/Aventura - 118 min.

Direção: Albert e Allen Hughes
Roteiro: Gary Whitta

Com: Denzel Washington, Gary Oldman, Mila Kunis, Jennifer Beals e Ray Stevenson

Desde o início da produção, O Livro de Eli impressionava. Seja visualmente (as fabulosas e instigantes imagens que a equipe de marketing lançou) ou pela sua trama, o filme estava se tornando desde ali, um fenômeno cult. Denzel Washington apostava no filme também, sendo até um dos produtores. O roteirista era o novato Gary Whitta, o que sempre é bom: ver um novato quer dizer que ele não tem pudores ou restrições do estúdio. Grandes exemplos são Darren Aronofsky e Quentin Tarantino. Outro fator que contaria era a censura R, restrição a crianças e adolescentes. Violência então estava liberada e a mania puritana que o PG-13 impõe tinha acabado. Então, tudo estava para dar certo. Para os diretores, contrataram os Irmãos Hughes, competentes diretores que estavam sumidos desde a infeliz adaptação Do Inferno. Agora, O Livro de Eli chega ao Brasil, depois de uma bem sucedida carreira financeira nos Estados Unidos, porém com críticas mornas. Seriam elas justificadas?

Talvez. Livro de Eli é extremamente competente e bom na medida, mas será mais apreciado só no futuro.


A trama acompanha a jornada de Eli (Denzel Washington), um solitário homem que vaga por um mundo pós-apocalíptico, onde algo aconteceu há 30 invernos e causou toda aquela paisagem desértica, cinza e morta que é a Terra agora. Guiado por um sentimento infinito, a fé, Eli continua vagando para o Oeste até encontrar seu objetivo. Porém, um dia ele encontra um pequeno vilarejo que está começando a crescer sob o comando de Carnegie (Gary Oldman), um homem obcecado por um livro. Eli é induzido a esperar até o dia seguinte lá. Logo após, se descobre que o livro que Carnegie tanto quer está com Eli, a Bíblia Sagrada. A partir daí começa uma caçada de Carnegie e seus homens a Eli, que foge como pode, utilizando as habilidades que ele ganhou em 30 anos de estrada.

Essa trama inicial é atraente ao extremo e só é potencializada pelo excelente roteiro escrito por Whitta. Os 10 minutos iniciais, quase inteiramente mudos, fazem uma formidável apresentação de personagem. Cada ato, exposto sem cortes e de forma lenta, é praticado por Eli. Da caça a digestão, todos os passos da caminhada de Eli são mostrados. Além disso, a paisagem pós-apocalíptica remete bastante a Mad Max. Quando surge uma gangue com motocicletas, a associação é inegável. Quando Eli chega ao vilarejo, mais elementos atraentes são colocados na tela. A ausência de dinheiro, as roupas gastas, a mobília gasta e feia, a água escassa e os figurinos cada vez mais estranhos. Até mesmo no caos, a moda muda. Fora essa ambientação vitoriosa (talvez uma das melhores em anos), Whitta escreve diálogos sensacionais e uma construção de personagens ótima. A falta de conhecimento do passado, por exemplo, é pouco utilizada. Geralmente, no cinema comercial, o que importa é saber o que houve. Mas não aqui.


Eli é um personagem coeso e complexo, apesar de todos saberem suas motivações reais (e tocantes, diga-se de passagem). Carnegie também é o típico líder autoritário, mas pequenas sacadas, como o livro de Mussolini, fazem parte do pacote. Apesar de um ritmo lento e algumas situações previsíveis e comuns de estrutura, o roteiro de Whitta é fantástico.

Tecnicamente, O Livro de Eli também é bem bonito. A direção dos Irmãos Hughes é poderosa e segura. Impressionante, afinal, os Irmãos estão num hiato de 9 anos. Quando mostram drama, a direção é contida. Porém, nas cenas de ação, a elegante direção dos Irmãos fazem dos combates uma nova experiência. Com poucos cortes, planos-sequência e uma valorização extrema da coreografia bem realizada; as lutas são fáceis de acompanhar e muito emocionantes. Dois destaques são a Luta do bar e a luta da estrada, em que tudo é captado apenas pelas sombras. Outro destaque são os fantásticos tiroteios, filmados de forma corajosa. Bem editado e até mesmo com câmera na mão, o tiroteio é empolgante e filmado como não via a algum tempo. Sublime. A trilha sonora de Aticuss Ross é bem mediana, fazendo apenas o seu papel sem extrapolar. A edição de Cindy Mollo começa esquisita, com uma cena cortada de forma amdaora, mas depois deslancha e faz um excelente trabalho. Já a fotografia de Don Burgess só não rouba o filme pra si pois Denzel faz um bom trabalho e os Irmãos Hughes também. Com tonalidades secas de cinza, as vezes explorando o árido deserto americano, a fotografia é precisa e condiz muito com o tema do filme. Nada para prêmios, mas essencial para a película.


Nas atuações, Denzel Washington é, obviamente, quem rouba a cena. Seu personagem foi construído com precisão e sua atuação também convence. Seu Eli é muito durão, mas desde sempre é motivado por uma bonita fé. E mais um ponto pro filme: consegue falar de fé sem soar piegas. Outro destaque de Washington são as cenas de luta. Ele conseguiu acompanhar a ótima coreografia, convencendo também nesse aspecto. Excelente e na medida. Gary Oldman também está ótimo e á vontade. Podendo fazer o que bem entender, sendo mau do jeito que quiser (afinal, seu último vilão expressivo foi o Jean-Baptiste Emmanuel Zorg, de O Quinto Elemento), Oldman atua de forma segura, sendo caricato quando preciso e verossímel quando preciso. Outra atuação completa, mas sem ofuscar Washington. Mila Kunis está ali apenas para assistir Washington e faz bem sua parte.

Assim, O Livro de Eli se sai um excelente filme, com algumas pequenas falhas que são normais e corriqueiras, como soluções previsíveis e falta de ritmo. Mas num balanço total, é um trabalho acima da média e que merece ser visto agora e mais tarde, quando a apreciação sobre o filme pode ser até maior. Algumas cenas, como quando Oldman manda matar Washington pela primeira vez deixam grandes interrogações na cabeça do espectador. E, como um bom cult, isso será discutido em alguns fóruns da internet e por alguns cinéfilos daqui a 20 anos. E ainda tem o poderoso final, que não tem nenhuma reviravolta ou algo que subirá a nota do filme, mas é bonito e interessante.


Assista O Livro de Eli nos cinemas. Ele merece ser visto pois é um triunfo ver uma produção cara com teor inteligente. E esqueça o que o marketing dizia sobre o filme: Eu sou a Lenda com Denzel Washington. Aqui, o cinema comercial é pouco visto.

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