terça-feira, 9 de março de 2010

Vincere
(Vincere, 2009)
128 min. - Drama

Direção: Marco Bellocchio
Roteiro: Marco Bellocchio e Daniela Ceselli

Com: Giovanna Mezzogiorno e Filippo Timi

Como uma figura pública pode despertar tamanhas paixões e tamanha demonstração de amor e ódio dentro de um mesmo contexto. Parece ser isso que Vincere, filme italiano de Marco Bellocchio parece perguntar.

Bellocchio é um dos últimos remanescentes da safra mais farta de cineastas italianos do chamado “cinema de arte” e que tem entre seus créditos Il Diavolo in Corpo, La Visione de Sabba e Ill Sogno della Farfalla, todos infelizmente não vistos por esse que vos escreve.

Por isso, encarei a sessão de Vincere com duplo interesse: conhecer o trabalho de um novo/velho diretor e conhecer a história tão interessante desse momento histórico e figura pública italiana.


Vincere conta a história do envolvimento de Ida Dasler, amante do “Duce” Benito Mussolini, líder facista e uma das figuras históricas mais interessantes do século XX. Benito era dono de retórica inflamada, enorme ego, vocação ao espetáculo e um “símbolo sexual” para muitas mulheres italianas da época.

Ida, por sua vez, pouco é mencionada (eu pessoalmente antes do filme desconhecia completamente sua existência) e sua história é sofrida, emocionante e melodramática, encaixando-se com perfeição a “ode” operística que Bellocchio constrói.


O enredo nos conta que após um envolvimento intenso (mostrado com diversas cenas quentes que mostram a frieza e a condição perturbada do Duce) entre Ida e Mussolini, o “Duce” abandona a amante grávida, empobrecida e ainda completamente apaixonada e desejosa por seu efêmero afeto.

Parte-se daí para a caminhada, extremamente tortuosa diga-se de passagem, de Ida para que seu filho Benito Albino Musolini seja reconhecido como filho do ditador e que ela seja elevada a condição de esposa.

Bellocchio conta essa história divindo-a em dois grandes atos. O primeiro retrata Ida e Benito quando ainda podiam se ver, se encontrar e por que não, se amar. O segundo grande ato, parte do momento em que Musolini ferido na Primeira Guerra é confrontado pela esposa e a amante (depois do filho ter nascido) no mesmo hospital, tendo que escolher entre uma e outra. Obviamente escolhe a esposa, com que já tinha inclusive uma filha.


O que sucede é a sucessiva perseguição de Ida pelos órgãos de repressão política e social da época, a policia e mais tarde um hospital psiquiátrico controlado pela igreja, que por sua vez atendia as vontades do ditador italiano.

A atuação de Giovanna Mezzogiorno, belíssima atriz, que compõe sua Ida Dasler como uma bela, perigosa e sensual mulher na primeira metade do filme, e como uma perturbada e aflita e em decorrência disso mentalmente instável mulher desesperada por ter sua historia aceita por todos.

Já Filippo Timi tem trabalho dobrado. Na primeira parte do filme, vive um Musolini diferente da imagem culturalmente difundida do ditador. Belo, charmoso, instigante, e que começa a ascender como líder político e a desenvolver seu poder de persuasão e retórica afiada. Num segundo momento, e infelizmente por pouco tempo de tela, Filippo tem a chance de interpretar ao seu próprio filho, e resume sua boa atuação em recriar de forma perturbadoramente convincente dois discursos de seu pai. Os trejeitos e a inflexão usadas por Timi são muito felizes, e nota-se que o ator e diretor estudaram com afinco as características do personagem interpretado.


A fotografia do filme, responsabilidade de Daniele Cipri, é muito feliz na utilização de tons naturais nas cenas internas durante o dia e externas, e por abusar de sombras, azuis profundos e cinzas nas cenas a noite (que são maioria durante o filme). Um exemplo de composição fotográfica inebriante ocorre já na parte final do filme, quando a personagem Ida sobe por entre barras de ferro de um hospital durante uma noite em que neva. Tudo nessa cena especifica é deslumbrante e pode ser tomado como exemplo de análise do restante do trabalho de Cipri nesse filme.

A trilha sonora, de Caro Crivelli, é ousada ao abusar das operetas e trechos eruditos ilustrando sequencias de guerra ou de amor. Belo trabalho do compositor.
Bellocchio por sua vez é inteligente ao utilizar elementos de videografismo (letras que surgem na tela e que “cantam” com a trilha sonora) o que soa moderno sem ser pretensioso, e de apoderar-se de um recurso cada vez mais esquecido no cinema moderno (em especial o americano); Bellocchio deixa os atores ritmarem seu filme, e principalmente seus cortes, um elemento que deve vir (como disse não vi qualquer outro filme do diretor antes desse) de sua “escola” tradicional dos cineastas europeus. Essa mistura de modernidade na medida certa, com a velha escola do cinemão italiano funciona divinamente nesse filme.


Por ter escrito o roteiro (em parceria com Daniela Ceselli), Bellocchio tem total domínio do que quer contar e de como quer contar, por isso ele não se furta ao ir e voltar no tempo, ao apresentar situações sem que antes previamente nos explique o que estamos vendo ou nos “conecte” com a seqüência anterior. Ele simplesmente mostra a ação e depois nos conta, ou simplesmente julga que o espectador é suficientemente inteligente para juntar as peças de seu quebra-cabeça.

Acredito que em boa parte do tempo o diretor se sai bem, embora (e ai vão os motivo para que minha nota ao filme não seja maior) ache que a metade final do filme se atropele em sua narrativa, contando muitos fatos por meio de textos (um recurso que não gosto) e soando deverás corrida. Outro problema que encontrei é o fato de Musolini simplesmente “sumir” fisicamente na metade do filme e ser retratado apenas por meio de imagens de arquivo (excelentes) que apesar de reforçar a noção “fantasmagórica” do personagem para sua família bastarda, diminui o impacto que ele vinha tendo na narrativa até então. Digamos que senti falta “da versão dele” da coisa, sabia ele de tudo aquilo ? Se sabia porque agiu dessa forma ? São perguntas que gostaria que fossem respondidas.
No entanto, ao que se propõe (analisar o impacto de uma figura pública opulenta e poderosa na vida de nós “seres normais” e as repercussões de tais envolvimentos) Bellocchio se sai muito bem. Espero agora ver mais trabalhos, de preferência lançados por aqui no circuito ou em dvd, e não ter que apelar para “formas alternativas” para conseguir ver os trabalhos desse talentoso diretor lá da terra dos meus avós.

TRAILER:


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