(Un Prophète, 2009)
Drama/Crime - 155 min.
Direção: Jacques Audiard
Roteiro: Thomas Bidegain e Jacques Audiard
Com: Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adel Bencheriff
Un Prophète (em português Um Profeta) foi um dos cinco selecionados para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro, indicado pela França.
O filme conta a história de Malik El Djebena, um jovem de 19 anos sentenciado a 6 anos de prisão. Uma vez na cadeia ele se vê (de forma totalmente acidental) envolvido com a Máfia da Córsega (uma ilha na costa italiana que pertence a França, mas que sofre preconceito tanto dos franceses do continente quanto dos italianos), que o obriga a matar um prisioneiro árabe, de nome Reyeb.
Malik é quase analfabeto, e por ter ascendência árabe é tratado como inferior pela máfia. Por outro lado, seu envolvimento (mesmo acidental) com os mafiosos impede que ele seja aceito dentro da comunidade árabe da cadeia. Trocando em miúdos, Malik está completamente só.
Numa primeira olhada o longa pode ser percebido como um filme de prisão, ou uma mistura de O Poderoso Chefão, Scarface e os filmes de gangsteres de Guy Ritchie.
O filme funciona muito bem pois embaixo dessa camada superficial existe algo a ser dito e algo a ser percebido e absorvido. Assim como em outras produções feitas na França, o diretor Jacques Audiard também versa sobre a sociedade francesa como um caldeirão de miscigenação. Se Claire Danes em seu 35 Doses de Rum falou sobre os imigrantes africanos, Audiard aponta a câmera aos árabes. Esse sincretismo apresentado pelo personagem de Malik (árabe “adotado” pelos corsos) é visivelmente explorado.
Ao mesmo tempo, a trajetória do personagem que parte do ponto mais baixo da escala social na prisão para a conquista do mundo do crime, emulando grandes filmes de máfia. Os toques modernos (até certo ponto desnecessários) dão o frescor ao arquétipo.
Tahar Rahim, que vive Malik, faz um bom trabalho. Transforma aos poucos seu personagem raivoso e inconseqüente, num homem frio, inteligente, confiante e atento a todos os detalhes. Um homem que usa seus contatos como forma de encontrar seu próprio espaço. Uma pessoa que conseguiu sobreviver num lugar a base de sua lábia e sua facilidade de transformação e adequação ao ambiente.
Niels Arestrup , o líder mafioso Cesar Luciani, é o mentor e carrasco de Malik em sua jornada. Ao mesmo tempo em que aposta as fichas no garoto, o humilha de forma quase desumana, baseado em sua suposta inferioridade e como demonstração de força. No fundo, Luciani é um homem só (como Malik) e cada vez mais neurótico com o tempo e com os desdobramentos de seus negócios, dentro e fora da cadeia.
A terceira ponta do triangulo é Ryad (vivido por Adel Bencheriff), que ajuda Malik na sua tentativa de aprender a ler. E quando o filme aparentemente esboça que o personagem terá uma “reintegração” a sociedade de forma decente, somos atirados com violência para o outro lado e nos deparamos com a realidade dura e amarga. Que belo personagem, complexo, dotado de compaixão e de uma dualidade bastante crível e poderosa.
O diretor Jacques Audiard é muito feliz na condução da obra. Nunca deixando o maniqueísmo tomar conta da história, e apostando na mistura (que poderia soar indigesta) de realismo e de sonho, de forma bastante convincente.
Notem as cenas que marcam as passagens dos anos de Malik na prisão. Ou o sonho que envolve os cervos na estrada. Ou as aparições sobrenaturais.
As primeiras envolvem o amargor e a beleza macabra. O sonho do cervo é poesia em forma de frames. Não está lá para ser entendida, mas para ser apreciada. E as aparições servem como alívio da insanidade e da solidão enfrentada pelo personagem.
O único exagero é a divisão, embora de forma sutil, do filme em pequenos capítulos. Um maneirismo tarantinesco que poderia ter sido evitado. Não compromete,mas não combina com o restante da narração. O mesmo vale para os congelamentos quando alguns personagens são apresentados. Isso quebra o realismo que o filme tenta apresentar.
O filme funciona em quase perfeição. Alguns podem reclamar da falta de carisma dos personagens, todos eles broncos, estúpidos e mal-encarados. Mesmo Malik que é o condutor narrativo da história, não é em nenhum momento um personagem agradável. É sujo, corrupto, uma verdadeira alma desgraçada. Sua única ligação emocional (o personagem Ryad) depois de certo tempo, passa a ser questionada. Até que ponto ele realmente se importa com o amigo ? Ou na verdade o interesse dele é puramente mercadológico ? Quem se importa, diz Audiard. Ele é um homem que aprendeu a fazer fogo com os pedaços de madeira que tinha.
Essa saída do roteiro, e dúvida narrativa é um grande trunfo do diretor. Audiard conseguiu com grande felicidade misturar a tensão social, um thriller de ação, suspense e ainda teve tempo de ousar com a poesia. Trabalho verdadeiramente importante e que deve ser conferido.
A crítica amou, eu também.
TRAILER
Dissecou muito bem o filme no seu texto. Eu já tinha anotado o filme aqui, mas ainda não tive tempo de assistir... preciso fazer isso o quanto antes. .
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