quarta-feira, 24 de março de 2010


Diégese - Part.2
Olá a todos do Fotograma Digital. Hoje vou fazer uma continuação da postagem da semana passada, onde comentei um pouco sobre a “Diegése”. Fiz uma breve explicação sobre como a narrativa pode variar de acordo com a música que está sendo tocada na cena do filme, e como isso é uma ferramenta interessante para os compositores e interessados no assunto.

Para quem não pôde ler a minha última postagem, deixei uma pequena “lição de casa”, rs, para os mais interessados no assunto poderem entender como funciona uma análise crítica de Trilha Sonora, obviamente, focando na questão Diegética. Existem vários tipos de análise que podemos fazer, achei interessante começar por esta.

Como eu havia combinado na semana passada, quando deixei um pequeno desafio aos leitores, aqui vem uma análise crítica sobre a Música nos primeiros 7 minutos do filme “Natural Born Killers” (1994)


“Um casal como outro qualquer. Essa é a primeira impressão que se tem ao conhecemos Mickey e Mallory, duas pessoas que conseguiram a atenção da mídia matando pessoas, muitas pessoas. Transformados numa versão de Bonnie e Clyde mais violentos. Os dois, vítimas de infâncias conturbadas, tornam-se foras-da-lei, amantes e assassinos seriais. O casal viaja pela Rota 666 conduzindo matanças não por dinheiro, nem por vingança, apenas por curtição. Glorificados pelos veículos de notícias, tornam-se lendários por meio dos depoimentos das únicas pessoas que sobrevivem aos seus ataques.”


Vou lembrar novamente dos elementos que vamos analisar hoje. Vamos procurar a diferença entre a música diegética e não-diegética. A princípio, parece uma tarefa muito simples de se fazer, anotando apenas se a música é “DO” filme, ou se a música esta “NO” filme, dentro de uma cena específica. Mas quando estamos enumerando cada uma das músicas pertencentes a um conjunto de cenas, podemos nos enganar, ou simplesmente esquecer-se de alguma música, devido à imagem que nos prendeu a atenção, por exemplo. Há também casos de ter algum engano, achando que a tal música estaria fazendo parte da ruidagem do filme, mas acreditem, os ruídos também podem fazer música! Isso é um ponto de vista que também pretendo escrever, mais pra frente, nas próximas postagens.

Enfim, vamos à análise:

Nas primeiras cenas, temos uma apresentação do filme. Ainda com os créditos iniciais, o diretor Oliver Stone teve a intenção de mostrar o clima da historia nas primeiras cenas, para termos uma noção de espaço-tempo. E a música nos ajuda bastante a termos esta noção. Se fecharmos os olhos e prestarmos atenção na música, temos a sensação de estar passando por regiões como está sendo “explicado” nas cenas. Nada é por acaso.

Porém, o que temos aqui?
A pergunta que temos que fazer é:

“Na narrativa, alguém esta produzindo esta música?”

Durante toda a introdução do filme, até a cena em que os homens saem do seu carro, ainda está tocando a mesma música. A personagem Mallory vai até a Jukebox e começa a dançar, mas, é visível que ela não esta dançando a música da introdução. Ela está dançando um ritmo mais rápido que podemos ver na cena seguinte. Ou seja, nossa primeira música é NÃO-DIEGÉTICA


Podemos citar a cena na televisão, nos 0:38 do vídeo que selecionei, mas prefiro deixar para os ruídos, tanto a troca dos canais, como as falas e gritos que aparecem. Detalhe também nos 2:36, quando um dos homens soca a frente do carro, para abri-lo, é exatamente o momento em que o “fade-out” da primeira música acaba. Isso é um truque muito usado em filmes. Utilizar um ruído para cortar ou começar músicas.

Em seguida, temos a cena dentro da lanchonete. Dois homens entram, enquanto o terceiro se encarrega de consertar o carro. E quando entram, vêem a garota dançando o blues mais pesado, o que explica a dança mais agitada, naquela cena anterior.
E o que está tocando aquela música? A Jukebox que ela ligou, isso sim aparece no filme, na narrativa, ou seja, neste caso temos uma música DIEGÉTICA.

Depois a música acaba, e outra entra em cena, pela própria Jukebox produtora do blues, logo, sem dúvidas, temos outra música DIEGÉTICA. Agora já tocando um rock mais pesado, é a cena que Mallory começa a brigar com o homem, que infelizmente não a reconheceu como uma “assassina por natureza” e que tenta “flertar” com ela. Uma outra pessoa acaba reconhecendo os dois. Se vocês repararem, nos 1:37 do vídeo do Youtube, um homem está lendo uma matéria no jornal sobre os dois assassinos, e em segundos ele some da imagem, o que leva a crer que ele saiu e se salvou por pouco dos assassinos.


E a partir dos 3:55 começa a pancadaria! Hahaha. Mickey e Mallory se encarregam dos homens que entraram na lanchonete, e não sobra apenas para os dois. Mas, nos 4:36, Mickey dispara uma bala contra uma cozinheira, e uma cena paralela ao filme acontece, quando uma sinfônica acompanha a bala rumo à cabeça da mulher. Daí novamente precisamos perguntar: Essa música vem da Jukebox, ou existe alguma orquestra tocando aquela música que ouvimos? Não! Logo, o que estamos ouvindo é outra música NÃO-DIEGÉTICA.

A mesma coisa acontece nos 5:09 do vídeo, quando ouvimos uma cantora enquanto a faca voa pela janela para alcançar o homem que não havia entrado na lanchonete. Essa não é uma música que aparece na narrativa, ninguém realmente está cantando aquilo. Logo, é outro exemplo de música NÃO-DIEGÉTICA.


Depois que Mallory literalmente escolhe quem morreria, temos mais uma música. Nos 6:13, temos uma simples guitarra sem distorção, apenas para termos uma ambiência. Este é mais um exemplo de como a música nos filmes serve para preencher espaços vazios. Como já discuti em posts anteriores, essa é uma cena que não necessariamente precisava haver música, mas como esta música ocupou um sutil espaço de suspense, achei muito pertinente.

De qualquer forma, novamente ninguém está tocando essa música, o que nos leva a crer que é mais uma música NÃO-DIEGÉTICA.

E por fim, temos nos 6:47 uma cena totalmente paralela ao filme, uma cena romântica entre os dois assassinos Mickey e Mallory Knox, em que os dois dançam e se beijam ao som de uma orquestra, como se estivéssemos em um musical.

E essa orquestra, de onde veio? Hahaha de nenhum lugar, dificilmente eles teriam uma orquestra escondida na cozinha da lanchonete, ou seja, no final da nossa análise, temos mais uma música NÃO-DIEGÉTICA.

Sendo assim, nossa análise tem:
1-) A música NÃO-DIEGÉTICA da introdução, com os créditos iniciais;
2-) O Blues acionado pela Jukebox: Música DIEGÉTICA
3-) O Rock acionado pela Jukebox: Música DIEGÉTICA
4-) A orquestração acompanhando o tiro na cozinheira – NÃO-DIEGÉTICA
5-) O canto acompanhando a faca através da janela – NÃO-DIEGÉTICA
6-) A guitarra sem distorção, após os assassinatos – NÃO-DIEGÉTICA
7-) Por fim, a orquestração acompanhando os assassinos apaixonados – NÃO-DIEGÉTICA

Este é apenas um exemplo de análise de Música em filmes. O mesmo também se aplica a sons, existindo sons diegéticos e não-diegéticos. Existem sons que não pertencem necessariamente à narrativa, assim como a música.

Este tipo de análise pode ser feito em qualquer gênero de filme. Escolhi o “Natural Born Killers”, por ter uma boa variedade nos dois tipos de Diegése, logo nas primeiras cenas. Em 7 minutos de filme, temos 7 situações diferentes de música, achei um filme muito interessante de exemplificar.

2 comentários:

  1. Deixei um comentário em Cova Rasa (rs)
    bjao

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  2. Gostei muito desse assunto,
    Não conhecia esse termo cinematográfico: música diegética ou não-diegética...

    E com os exemplos do Flávio ficou bem claro...

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