sexta-feira, 23 de abril de 2010


Metropolis (Metropolis, 1927)


De: Fritz Lang

Com: Alfred Abel, Gustav Frohlich, Rudolf Klein-Rogge, Brigitte Helm

Fritz Lang cria obra impossível de ter uma digna frase de abertura.

O cinema, criado há cerca de 110 anos, foi evoluindo com os anos. Quando em 1902 George Mèlles apresentou-nos Viagem á Lua, ele não poderia imaginar que seus elaborados efeitos se transformariam na embasbacante armadura do Homem de Ferro ou que se poderia criar com esses efeitos um mundo inteiro. A mídia foi se tornando popular com o tempo, entretendo o público com o belo preto-e-branco saltando das telas nos primeiros cinemas. Lá pelos anos 20, quando Chaplin já tinha criado algumas películas e a União Soviética nos apresentava Sergei Eisenstein, a Alemanha se consolidava como um verdadeiro seleiro de obras de artes expressionistas.

Em 22, foi lançado Nosferatu, de F.W Murnau, lendário cineasta que morreu na tenra idade de 42 anos. Em 1927, um outro cineasta expressionista fazia seu novo filme, um dos mais caros da História até a época, feito com 5 Milhões de Marcos Alemães. Essa obra era de Fritz Lang, um reconhecido gênio hoje em dia e ela se chamava METRÓPOLIS.

A obra, que tinha efeitos especiais elaborados e avançados pra época, mostrava uma distópica cidade do futuro (o ano nunca é citado, mas fica claro que é depois de 2000) .





E hoje, estamos em 2010. Bem, como diabos pode esse resenhista, nascido em 1995, ter visto ela hoje e ter resolvido escrever sobre ela? Simples. Eu me impressionei tanto com essa obra-prima muda que acho que deveriam passar na TV até hoje esse filme. Lá dos primórdios do cinema vem uma das obras mais inspiradas e emocionantes, que impacta até hoje quem assiste. Impressiona também por ser feita há 90 anos e mesmo assim tratar de assuntos que soam tão díspares isolados mas que na obra se encaixam perfeitamente e são abordados sem clichês.

Metropólis te entrega um roteiro que mescla alienação, opressão, escravidão, autoritarismo, amor, poesia, homens-máquina, futuro e humanos, principalmente humanos. Trata também sobre obsessão e um apego emocional enorme aos mortos, como o cientista do filme. Logo, uma obra marcante ao extremo. Mas Metropolis não é só mensagens de roteiro.





A trama segue o mimado Freder (Gustav Frölich), filho de Joh Fredersen (Alfred Abel), o chefe da corporação que comanda Metrópolis. Freder está no Clube dos Filhos (mais precisamente nos Jardins Eternos), lazer dos mimados filhos dos chefões da cidade, quando vê Maria (Brigitte Helm), uma humilde professora que estava carregando os filhos dos operários até ali. Então, Freder a segue e vê pela primeira vez o que regia a cidade construída por seu pai: um grupo de operários, seguindo uma rotina quase escrava, manejando as enormes e pesadas máquinas que fazem Metrópolis funcionar. Logo, quando está embasbacado com a situação que ali vê, Freder percebe que a temperatura de uma das máquinas aumentou de forma fatal, explodindo vários operários e causando o caos. A correria é generalizada e os humildes e exaustos operários escapam do fogo.

Quando tudo é controlado, Freder vai avisar tudo o que viu para Joh, que entende tudo e acha normal. Seus empregados chegam com notícias dos operários e Joh, insatisfeito com um deles, o demite para as máquinas. Freder, chocado, troca de lugar com o homem e vira um operário. A partir disso, Freder começa a experimentar as sensações da maioria das pessoas de Metrópolis, as desfavorecidas. Nos confins da Cidade dos Operários, ele vê que Maria mantém a fé nos trabalhadores, dizendo que um dia, uma espécie de Messias irá chegar para os salvarem. Paralelo a isso, o obcecado cientista Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) trás a vida seu novo experimento: um homem-máquina. Seu objetivo é recriar Hel, sua obsessão e a mulher morta de Joh. E a partir daí, a forma como as duas tramas se encaixam é sensacional, de tirar o fôlego.





O roteiro de Metrópolis é a coisa que mais impressiona. Escrito por Lang e sua mulher, Thea von Harbou, o roteiro é bem-sucedido nas situações e nos diálogos (são os textos entre o filme, afinal ele é mudo). Se os personagens são construídos com maestria, há uma perfeita situação para equiparar a genialidade. Logo, cada fotograma do filme é marcante.

O início, feito com destreza, vai contando cada passo da cidade e nos dá uma panorama do ambiente do filme, o que se tornará crucial lá pelo meio da película. A impactante cena inicial, mostrando os operários em um movimento uniforme, alienado e medonho, é um reflexo do panorama feito. As mensagens sobre alienação e opressão são contadas de maneira explícita e são a maioria até o meio da película. A partir do meio, Fritz Lang nos mostra o verdadeiro sentido do filme, que é completamente diferente do que imaginávamos, mas estava implícito a todo momento. Uma digna demonstração de que os roteiristas não perderam controle do filme em momento algum.





Nos diálogos, está contida a "poesia" do filme. Alguns momentos são de pura genialidade, como uma conversa entre Joh e seu empregado. "Onde está meu filho?" "Amanhã, senhor, a cidade inteira irá lhe fazer essa pergunta." Fora esse exemplo, ainda há as frases finais, que já entram pra História do Cinema como demonstração genial de poesia no meio do caos. As situações de Metrópolis trazem os sentimentos implícitos. Rotwang e seu robô são obsessão, os Operários são alienação e escravidão, Joh é autoritarismo e Freder e Maria são amor. Todas as partes do filme representam algo e lá no fundo podem ser interpretadas de outra maneira e isso é uma das maiores vitórias que posso exaltar em Metrópolis.

Tecnicamente, Metrópolis faz um justo paralelo ao seu excelente roteiro. A direção de Lang é precisa e sem muitos movimentos (o que era comum na época, devido a tecnologia existente), bem contemplativa. A trilha sonora, que pontua o filme inteiro, é enorme, sobe quando precisa e faz melodias que agraciam os ouvidos e não se repetem ao longos dos 126 minutos de película. E isso é um elogio e tanto, afinal, 126 minutos de música aleatória e sem parar é bem difícil de não cair no lugar comum.





A fotografia de Karl Freund, Günther Rittau e Walter Ruttman tem imagens icônicas e coloca um preto-e-branco saturado que consegue ser bonito. Mesmo sem cores, é impossível não distinguir o que a fotografia faz para representar como robótica é a tal Metrópolis. A edição é o fator mais estranho do filme. Lembrando a Nouvelle Vague (quando a edição(corta) era(corta) meio(corta) assim(corta)), é cheia de cortes arruptos e sem continuidade. Porém, como alguns trechos do filme foram perdidos, nada mais previsível isso acontecer.

Visualmente, o trabalho enche os olhos. As maquetes filmadas, representando Metrópolis, também são fantásticas, tamanha a visão de Lang em criar o ambiente retrô-moderno, com prédios enormes e ruas futurísticas, no alto, basicamente constituídas por pontes de concreto. As cenas internas, maioria no filme, também são ricas em detalhes. A sala de Joh, o laboratório de Rotwang e a Cidade dos Operários são belíssimas e fazem juz ao dinheiro gasto no filme. Excelente direção de arte. Os efeitos visuais também são ricos pois são tocantes. Para 1927, eles são verossímeis mas ridículos hoje em dia, o que é perfeitamente previsivel. O que torna os efeitos lindíssimos é a maneira como eles foram feitos na época. Mesmo sem recursos visuais realistas, os efeitos enriquecem a narrativa.





As atuações de Metrópolis são igualmente poderosas. Gustav Frölich atua de maneira teatral, circense até. Cheio de tiques e movimentos velozes (como era o usual em produções da época, recheadas do que se intitula pantomima), ele até lembra um Johnny Depp em fase caricata. Soaria ridículo se o ator não tivesse tanta competência. Brigitte Helm impressiona também, atuando até melhor que Frölich. O nível de exigência de seu papel é enorme e a virada de comportamento de Maria na trama é captada com extrema beleza por Helm. Emotiva quando exigida e caricata quando exigida. Alfred Abel faz a melhor atuação do filme. Seu Joh Fredersen é angustiado demais (e as feições clássicas de Abel só fazem o sentimento ser potencializado) e tem seus problemas expostos durante a trama, o que aumenta o nível de atuação, exigindo uma virada do personagem (uma constante em Metrópolis). Sem dúvida, o melhor. Além disso, Rudolf Klein-Rogge faz um cientista ótimo no início, que tem uma carga de dramacidade pequena. Mas quando se exige um homem obsessivo (olha a virada de personagem novamente), Rudolf capricha e faz uma atuação segura.

Não bastasse ser impecável em todos os quesitos, Metrópolis ainda tem atuações excelentes, com soberbos profissionais.

Sem dúvida um clássico, uma obra-prima, Metrópolis deve entrar na lista de qualquer cinéfilo de melhores filmes da História e é uma recomendação mais que máxima pra quem ainda não foi agraciado por Lang e sua trupe com seu deleite visual. Um filme visionário ao extremo, que tratou de alienação e obsessão de forma inédita e ainda tem doses poéticas nos seus diálogos. Em tudo, a frente de seu tempo.





Fritz Lang conseguiu criar uma obra que deixa cada fotograma ser inesquecível. E o melhor: num filme em que no minuto 3 ele já impressiona por sua coragem, vale a pena sentar, entrar e apreciar a viagem chamada Metrópolis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário